por Eduardo Martinez
Fotos: Stephan Solon / Via Funchal
Um jovem senhor com porte de segurança de boate, tatuado dos pés a cabeça, com cabelos rareando e uma característica rouquidão cavernosa. Esse é Mike Ness, um cara cool, algo como um Mickey Rourke, ou talvez um Jeff Bridges punk. No palco seus movimentos parecem ser milimetricamente calculados, cada chacoalhada de cabeça, cada solo de guitarra, cada pulo (foram poucos, a idade já não colabora). Tudo feito com aquele ar de quem debocha do mundo ao redor. E é justamente em meio a tudo isso que seu carisma brota com mais força.
Ness é o vocalista/guitarrista, líder e único integrante original do Social Distortion, banda californiana que se apresentou no último sábado (17/05) em São Paulo. A abertura da noite foi feita pela banda argentina All The Hats. Visivelmente empolgados por estarem abrindo o show de uma de suas maiores influências, os hermanos se esforçaram e por pouco menos de 40 minutos fizeram uma apresentação competente, mas que só empolgou o público quando tocou um cover, “Time Bomb”, do Rancid.
Com pouco mais de 20 minutos de atraso, o Social Distortion começou o show. O público, cerca de cinco mil pessoas, que até então permanecia disperso, se aglomerou e começou algo que poderia ser facilmente chamado de um campeonato de slam dancing, tamanho era o empurra-empurra entre os fãs da banda.
A primeira da noite foi “Road Zombie”, tema instrumental, apenas para aquecer a galera, com Mike Ness entrando por último no palco e solando bem próximo da grade, ato que se repetiria por toda a apresentação. Em seguida, quase formando uma só música, a banda inicia “Under My Thumb”, dos Rolling Stones. A versão vigorosa, presente no disco “White Light, White Heat, White Trash”, de 1996, dá uma amostra do que seria a noite.
Extremamente competente, o grupo executa com vigor adolescente as canções dos seis álbuns da discografia do Social Distortion. Tudo capitaneado por um eufórico Mike Ness, que conversa com a audiência feito um animador de auditório. Sem deixar de lado seu estratégico “descaso” com tudo, Ness pede desculpas por seu pouco conhecimento da língua portuguesa, chama pessoas para subir no palco (foram três durante o show. O último, um garoto de 11 anos), solta olhares galanteadores e se empolga com a recepção paulistana: “Rio was okay, but São Paulo is the city, right?”. Na quinta-feira a banda havia tocado em Porto Alegre e no sábado no Rio de Janeiro. A turnê brasileira, primeira em mais de 30 anos de carreira, ainda incluiu Curitiba, no domingo.
O repertório, sem muitas surpresas em relação aos shows anteriores, deixou de fora ao menos três clássicos do grupo: “I Was Wrong”, “Angel Wings” e “Story Of My Life”, mas o público não parecia se incomodar com isso. Todas as canções, com exceção da inédita “Still Alive”, foram cantadas aos berros, com direito a vocalizações em solos de guitarra.
O set list foi encerrado com “Nickels And Dimes”. No primeiro bis, “Making Believe” e “Cold Feelings” pareciam ter esgotado de vez o último esforço vocal do público, mas o segundo bis provou que não. “Prison Bound” foi tocada de forma a favorecer a interação bem sucedida desde o início da noite, deixando os fãs cantarem e crescendo até explodir no grande refrão “cashiano”: “Oh, I’m prison bound/I did a crime one too many times/It’s on the outskirts of town, by the railroad tracks/Where the country moon shines/Oh, I’m prison bound/Tell my girl I’ll be back one day/Oh, I’m prison bound/I may never know any other way”.
E mantendo o espírito de Cash na apresentação, o encerramento foi com o cover matador de “Ring Of Fire”, com o vocalista se despedindo e dizendo que em 2011 dá as caras novamente. Mike Ness provou ao público brasileiro que é um showman de primeira linha, além de um ótimo cronista da juventude loser e desajustada. Unindo simpatia e deboche, o líder do Social Distortion garantiu uma noite inesquecível para os fãs, que tanto esperaram a visita da banda, e certamente fez com que muitas pessoas fossem para as suas casas querendo ser Mike Ness.
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Eduardo Martinez é jornalista, músico amador e assina o blog A Ilha dos Mendigos
Mandou muito bem, Dudu. Texto bem conciso e técnico. Sem espaços para crises saudosistas ou amores platônicos.
Esse é meu amigo. Abraço, Dú.
“Keep the feellin: you need him…”
Esse foi o show do ano. E engracado porque o jornalismo musical sedento de novidades e hypes praticamente o ignorou, mas quem foi saiu de la com a certeza de que certas coisas nao morrem jamais. Entre elas o punk rock. Fiquei pensando naquelas pessoas de 30, 40 anos, que ja nao tem mais espaco em muito lugar e que, como eu, nao conseguem se relacionar com a musica atual, que nao tem disposicao (e nem idade) de usar calca colorida, cabelo desfiado e rayban espelhado. Essas pessoas encontraram ali, no Social Distortion, algo com o qual podem se identificar.
Sim, porque ele tambem esta velho, mas segue fazendo o que sabe fazer de melhor. E o que e mais interessante: sem dar a minima para os arautos das novidades e os criadores de hypes.
Foi lindo demais. Viajei 600 kms de BH pra SP pra ver e valeu cada kilometro.
o Mike Ness é foda, a banda é foda e tudo que carrega o nome Social Distortion é sensacional.
As unicas ressalvas são a ausência de algumas (muitas) músicas, e o atraso, que poderia ter cedido tempo a I was wrong e demais.
Boa resenha!
abraz!
Cara, muito bom o seu artigo.