por Marcel Plasse
Bastaram dois cineastas aspirantes, duas câmeras amadoras (uma de vídeo, outra de 16 mm) e três atores desconhecidos (no papel de cineastas aspirantes) para criar um fenômeno em 1999. O despretensioso e independente “A Bruxa de Blair” virou cult, influenciou gerações e agora seus descendentes impressionam nos cinemas.
Filmes tão diversos quanto “Distrito 9″ e “Atividade Paranormal” mostraram, em diferentes formas, como “A Bruxa de Blair” continua atual. Essa herança “maldita” completou uma década e é relembrada em seus curiosos detalhes nas linhas abaixo e numa entrevista com um dos mentores do projeto.
Em sua semana de estreia, em julho de 1999, “A Bruxa de Blair” foi exibido em apenas 27 salas em todos os Estados Unidos, mas as filas davam voltas nos quarteirões. A revista “Time” percebeu, ficou impressionada e deu o registro. O crítico do “Washington Post” escreveu que era o filme mais assustador que tinha visto na vida. A curiosidade foi aguçada. Entre os primeiros espectadores, algumas pessoas passaram mal. Uma mulher saiu no meio da sessão, transtornada. Pronto. O hype tornou-se imensurável.
Em duas semanas, “A Bruxa de Blair” passou de 27 para 800 salas. E o filme, que custou US$ 60 mil para ser feito, acabou faturando US$ 248 milhões em todo o mundo.
Quando fechou o contrato de distribuição com os diretores Daniel Myrick e Eduardo Sanchez, no Sundance Festival, em janeiro de 1999, a Artisan Films não poderia prever esse estouro. Muito menos os diretores, que cobraram só US$ 1 milhão pelos direitos de distribuição mundial. “A Bruxa de Blair” era apenas outro filme independente com câmera tremida e problemas de direção. Mas, na época do retorno multimilionário e cheio de efeitos de “Star Wars”, tornou-se a sensação do verão americano.
De fato, nunca tinha havido nada como ele nos cinemas. A coisa mais próxima passou no rádio, o famoso broadcast de “Guerra dos Mundos”, de Orson Welles, que levou o povo americano a crer que estava sendo invadido por marcianos em 1938. Esse foi o impacto do filme.
O estardalhaço, que incluiu o prêmio jovem (Prix de Jeunesse) em Cannes, parecia que iria consagrar diretores estreantes, que ganharam cobertura até da revista de rock Spin. Em compensação, depois da sucessão de artigos esmiuçando as filmagens, ninguém mais entrou em choque com as cenas exibidas na escuridão dos cinemas. O excesso de informações acabou estragando o mistério, que, em seus primeiros dias, levou o público a acreditar que estava diante de um filme real e inacabado daqueles estudantes de cinema – os personagens.
Dez anos depois, “A Bruxa de Blair” continua inspirando jovens cineastas, como Oren Peli, de “Atividade Paranormal”, mas Myrick e Sanchez voltaram para a obscuridade. Os poucos filmes que dirigiram desde seus 15 minutos de fama, todos de terror, foram lançados direto em vídeo. Os atores também tiveram que se contentar com uma carreira de figurantes e participações em séries de TV. Nem a Artisan existe mais, comprada pela Lions Gate em 2003.
“A Bruxa de Blair” foi um instante de glória passageira para todos os envolvidos. Mas até mesmo seu impacto parece ter se dissipado da memória afetiva dos cinéfilos com a passagem do tempo. Vale a pena relembrar, pois “A Bruxa de Blair” provou-se um dos filmes mais influentes do cinema contemporâneo.
No início da projeção, o público era informado que, em 21 de outubro de 1994, os estudantes Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael Williams foram à floresta Black Hills, em Maryland, filmar um documentário sobre uma lenda local, a bruxa da Vila Blair, que teria feito metade dos jovens da região desaparecer há 200 anos. Outra informação registra que, no início da década de 40, a cidade de Burkittsville, fundada onde antes ficava Blair, teria sido aterrorizada por um eremita que sacrificou sete crianças num ritual para “o fantasma de uma velha”.
Em seguida, entravam cenas de busca. Poucos dias após embrenharem-se na floresta, os estudantes desapareceram sem deixar vestígios. Só foram encontradas as câmeras e cenas do filme que eles estavam rodando. É o que o público começa a ver projetado em seguida. Tudo em tom de cinema-verdade. Só que de mentira.
A farsa é tão bem montada, as atuações, tão convincentes – atuação chega a ser modo de falar, uma vez que as filmagens flagraram os atores sendo naturais, entrevistando moradores, bebendo, acampando, dormindo e acordando com o rosto inchado de verdade, feito a série “Real World”, reality show pioneiro, que era exibida na época na MTV -, que os desavisados podem levar a história a sério. Não há monstros ou efeitos especiais, apenas o escuro, imagens borradas, gritos, imagens ora em cores ora em preto-e-branco.
Joshua Leonard filma tudo em uma câmera de 16 mm, enquanto Michael Williams cuida do registro sonoro e Heather Donahue acrescenta gravações em vídeo no formato Hi-8. Foram essas as imagens e sons que chegaram nas telas. E são esses os nomes reais dos atores. O verdadeiro projeto de “A Bruxa de Blair” foi dirigi-los a distância e sem parecer que existiu direção, muito menos roteiro.
A tática dos diretores consistia em espalhar criações sinistras de madeira no caminho dos atores e assustá-los no meio da noite, fazendo barulhos e até sacudindo suas barracas, sem se identificarem. Uma tática de choque, que funcionou porque o trio de protagonistas seguiu a única instrução obrigatória: filmar tudo, o tempo todo, sem parar.
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Leia também:
– Entrevista: o diretor Eduardo Sanchez fala de Bruxa de Blair, por Marcel Plasse (aqui)
– Teoria: semelhanças entre “Kid A”, do Radiohead, e Bruxa de Blair, por Eduardo Palandi (aqui)
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Marcel Plasse é jornalista, criador da revista Set e editor do site Pipoca Moderna
Não, isso não é cinema de boa qualidade. Pode ser bom exemplo de tosquice que deu certo, uma boa jogada de markenting, uma precariedade que servia como simulacro da realidade a serviço do terror barato. É uma porcaria cult, o que não deixa de ser divertido. Alguém devia ressucitar o cine trash e passar isso por uma semana seguida…
Na época assisti esse filme no Cinema e adorei. Claro que tive que entrar na viagem que era um documentário e tal.
Como bem sabemos, o nosso Mojica fez filmes sensacionais com baixo orçamento e me interessa muito, filmes baratos e com outros estilo de filmagem. Vale tudo na Arte, “Do it yourself”. Três acordes e lo-fi é Classe A.
curiosamente, ontem mesmo eu estava pensando neste filme. uma coincidência quase tenebrosa, dado que eu não me lembrava de ser uma data especial.
Eu também achei um baita filme e, muitos filmes vitoriosos de hoje foram feitos inspirados em tudo que aconteceu na Bruxa de Blair.
e mesmo q tenha sido tosco foi muito bem feito, Nirvana era tosco também e era ótimo, Ramones, O Balconista etc…