por Igor Nishikiori
O Flaming Lips é certamente uma das bandas mais incompreendidas e intencionalmente incompreensíveis do rock atual. Não bastasse sua sonoridade única – que varia da psicodelia pura até o pop rock mais careta – os caras ainda emendam uns projetos inusitados, como essa tal regravação do mítico álbum “Dark Side of The Moon”, originalmente lançado pelo Pink Floyd, um dos álbuns mais vendidos de todos os tempos.
Para falar a verdade, não chega a ser uma ideia tão ousada assim. O Easy Star All-Stars, por exemplo, já tinha feito um tributo ao disco em versão dub. Uma mistura bizarra, mas com resultado final bem interessante (sem falar que é um convite irrecusável para quem curte viagens astrais sob efeito de aditivos).
Mas no caso do Flaming Lips, a homenagem merece maiores reflexões. Logo de cara, você saca que o barato não é normal. Pois não se trata somente de tocar músicas de outrem num estilo alternativo, mas de criar uma coisa completamente diferente em cima do material alheio. É como se tivessem feito um disco novo do Flaming Lips só que usando o “Dark Side” como referência – igual aqueles episódios de Dia das Bruxas dos Simpsons em que eles fazem sátiras de filmes usando o universo próprio do desenho como fio condutor. E isso acaba desvirtuando o sentido original da coisa e atribuindo-lhe um novo sentido, seja para fins cômicos, seja para inspirar um touche de genialidade (ou excentricidade).
É interessante como é óbvia essa ruptura que os caras fazem com o Pink Floyd, e isso se nota logo na primeira faixa. Lá você encontra, quase intocável, a introdução “Speak to Me”, com a batida do coração e o ruidoso silêncio que logo se converte em um barulho sibilante que premedita a música seguinte. Depois, isso aí vira uma tremenda zoação. A baladinha “Breathe” de repente vira um noise rock totalmente sujo perto da candura inebriante do original.
Em seguida, a faixa “On The Run”, uma música que já tinha uma pegada eletrônica, ganhou uma cara mais atual. Para falar a verdade, essa daí não tem nada a ver com a original. Só quem realmente manja de “Dark Side” vai perceber alguns detalhes que constam da versão floydiana, como o som de helicóptero, o efeito na guitarra que simula um zunido de um carro de corrida e os samples com frases soltas, reinterpretadas à risca pelo músico e ator Henry Rollins. Talvez os mais puristas possam fazer birra deste remake.
Depois surge “Time”, que também sofreu algumas alterações. Primeiro foi a troca dos despertadores por um alarme. Depois, uma mudança no tempo da música, que a tornou uma antitese do que fizeram com “Breathe”, já que tiraram aquela pegada mais pesada e a deixaram soturna e minimalista. Para piorar, a canção ainda perdeu o maravilhoso solo do David Gilmour.
Em “The Great Gig in The Sky”, diferentemente, eles adotaram um esquema mais conservador, sem inventar muito. A mudança mais significativa foi a troca do arranjo de piano pela guitarra distorcida e o vocal a cargo da cantora Peaches.
Já em “Money”, a música mais conhecida do disco, os caras extraíram o famoso loop de dinheiro e apostaram na voz robotizada e em algo que parece ser uma bateria eletrônica. Ficou com cara de música dos anos 80, o que foi uma péssima ideia. Mas os caras acertaram na belíssima “Us and Them”. Parece que a música caiu como uma luva para o Flaming Lips. Mesmo simples, os arranjos são bem legais e mostram o que a banda tem de melhor. Na sequência “Any Colour You Like”, eles resolveram não mudar muito também.
Em “Brain Damage”, eles apostaram no clima menos energético e mais denso, sendo que desta vez o resultado ficou bastante interessante. E, assim, o CD termina bem, mas sem brilho, com “Eclipse”.
Conhecendo bem o Flaming Lips, percebe-se que talvez os caras tenham reparado que não há como fazer um cover do “Dark Side of The Moon” ficar melhor do que o original. Tentar superá-lo seria cair no vazio e fazer um remake modernoso, como tantos outros que já existem por aí, seria pouco para a mente efervescente da banda. Certamente eles devem ter apostado que o melhor era criar um barato tão inesperado e impactante quanto foi “Dark Side of The Moon” na época de seu lançamento, lá em 1973, e nesse quesito eles realmente mandaram bem – como sempre. Ou, então, eles fizeram isso só para chamar atenção do outro álbum que eles lançaram no ano passado, “Embryonic”, e, de quebra, levar junto a parentada do Stardeath and White Dwarfs, que participaram da parte instrumental do tributo.
O fato é que se você for ouvir querendo comparar com o original, vai certamente quebrar a cara, pois a versão do Pink Floyd continua sendo disparada a melhor. Porém, se for ouvir pensando como mais uma proposta diferente do Flaming Lips, a experiência é até respeitável, embora ainda fique aquém de outros álbuns deles, como o excelente “Yoshimi Battles the Pink Robots”. “Dark Side” é o tipo de mestre que dificilmente perderá para seu discípulo, mesmo que esse discípulo seja o Flaming Lips.
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Igor Nishikiori é jornalista e escreve no blog Barbitúrico com Fanta
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Leia também:
– “Christmas On Mars CD/DVD”, The Flaming Lips, por Marcelo Costa (aqui)
– Flaming Lips ao vivo no Claro que é Rock, por Marcelo Costa (aqui)
– “At War With The Mystic”, o disco mais político do Flaming Lips, por Marcelo Costa (aqui)
Pra mim, esse disco é pra ser encarado como uma curiosidade para fãs do lips ou do dark side of the moon original, pois nem dá pra comparar com o disco original, que é obviamente muito melhor que esta brincadeira do Wayne Coyne…
Não gosto muito do Pink Floyd do David Gilmour. Sou daqueles fãs do Syd Barret que ainda não conseguiu engolir o resto do trabalho da banda. Por isso acho que essa versão do Dark Side do Flaming Lips pode ser melhor que o original. De qualquer maneira vou ser obrigado a escutar o Gilmour cantando um disco de cabo a rabo para fazer a inevitável comparação.
Assim como o lucmes, sou mais o Pink Floyd do Syd (MUITO MAIS, devo dizer), mas mesmo assim ainda gosto muito do Dark Side, me sinto na obrigação de ouvir essa versão do Flaming Lips. Depois posto minhas conclusões (como se interessassem a alguém, haha).
Ainda não ouvi essa ‘experiência’ do Flaming Lips com clássico e indispensável Dark Side. Vou atrás mais por admiração pela banda de Oklahoma do que por curiosidade pura e simples, até porque sou um dos que são descrentes quanto a possibilidade de um cover desse disco ser melhor do que o original.
Mas é claro que não dá pra comparar com o original. O disco soa mais como uma homenagem, uma reverência mesmo. É bacana, mantêm a maior parte dos arranjos e estruturas originais, com uim tiquinho de experimentalismo e efeitos típicos dos lips.
Ah, e o Henry Rollins (Black Flag) também tá na parada…
só para entrar no terreno das homenagens: a banda paraense los pupuñas tem um disco chamado charque side of the moon, que também usa o dark side como referencia. os caras usaram timbragens exatamente iguais ao do pink, mas as músicas passeiam por ritmos regionais, como carimbó, lundu, tecnobrega. pode parecer bizarro à primeira vista, mas o resultado saiu ótimo…
aquela risada do brain damage, quem dá é a fafá de belém. quem canta money é a vocalista do madame saatan…
o vocalista do stress, pioneira no heavy metal brasileiro, canta time…
é um disco superinteressante. e a capa…cláudia ohana perde…