por Marcelo Costa
Lea de Lonval é uma cortesã. Segundo o dicionário Houaiss, as cortesãs eram as antigas damas da corte, as favoritas do rei e… prostitutas de luxo. Antes de seguirmos, limpe da sua mente a imagem das prostitutas do século 21, sejam elas mulheres que freqüentam a região do Baixo Augusta, em São Paulo, sejam elas trabalhadoras de puteiros de luxo. A única relação de Lea com as prostituas atuais é usar o sexo como forma de ganhar dinheiro.
Não vem ao caso discutir a prostituição, mas Lea de Lonval representa o fim de uma época, a Belle Epoque, um período de cultura cosmopolita na história da Europa que começou no final do século XIX (1871) e durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914. Lea faz parte de um grupo de cortesãs que teve aos seus pés lideres europeus, e construiu uma bela vida cultivando o dinheiro de cofres reais ou de grandes banqueiros, mas o tempo passou.
O diretor Stephen Frears (“A Rainha”, “Minha Adorável Lavanderia”, “Alta Fidelidade”) retorna a mesma Paris de Toulouse-Lautrec e “Ligações Perigosas” (trazendo consigo o roteirista Christopher Hampton e a atriz Michelle Pfeiffer) para contar – novamente – uma história de amor impossível. Michelle Pfeiffer, belíssima aos 50 anos, vive Lea de Lonval, a prostituta de luxo que se apaixona por um jovem que tem a metade de sua idade, Cheri (Rupert Friend, um tiquinho exagerado nos maneirismos de época).
Cheri é filho de outra cortesã, Madame Peloux (Kathy Bates inspiradíssima), amiga de Lea, lembrando que o núcleo de amigas de cortesãs era restrito e formado apenas por cortesãs. Madame Peloux pede para a amiga que ela tire seu filho da gandaia, e o coloque no rumo. Lea atende o pedido da amiga, e vive um romance de seis anos com o então garoto, até “entregar-lhe” para um casamento arranjado.
Madame Peloux e Lea de Lonval promovem um divertidíssimo (para o público, tenso para elas) duelo de frases cortantes, espetadas verbais que fazem o coração sangrar, mas não que tira o sorriso do rosto. É importante ficar em pé, sobreviver ao ataque impassível, mas (sobre)viver em um ninho de cobras pode até ser fácil, o difícil – quiça, impossível – é lutar contra a passagem do tempo, contra a chegada das rugas e o avançar da idade.
No majestoso “Ligações Perigosas”, Stephen Frears criou um triangulo amoroso de congelar o sangue para mostrar que mesmo dentro do peito de um cafajeste bate um coração. Agora em “Cheri” ele revisita o tema (não deve ter sido à toa a escolha de Michelle Pfeiffer) jogando na tela um ingrediente a mais: a idade. Lea não é uma cafajeste, mas aprendeu que sexo é mercadoria, e que ela não deve se apaixonar, embora já tenha chorado por alguns homens.
Mas Lea se apaixona. Cheri também. Os ingredientes para o drama estão na mesa. Stephen Frears comanda com mão precisa o ótimo roteiro de Christopher Hampton, adaptação do livro homônimo escrito pela francesa Sidonie-Gabrielle Colette em 1920. Frears usa a Belle Epoque para criticar a transformação do ser humano em mercadoria. É proibido envelhecer. E da-lhe padrões de beleza (pré-fabricados), Giseles e Alessandras, lipos, plásticas.
Ele casa-se com a jovem a qual foi prometido e parte para uma lua de mel na Itália. Ela viaja procurando alguém para ocupar o espaço vago em seu coração. O destino de ambos está traçado. Quando retornam a Paris, parece que o mundo mudou, mas quem mudou foram eles. “Você voltou e encontrou uma mulher velha”, diz ela. Ele foge, mas alguém consegue realmente fugir do amor verdadeiro, ou mente para si mesmo? Cuidado com a resposta.
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Leia também:
– “A Rainha”, uma personalidade emblemática, por Marcelo Costa (aqui)
Quero muito assistir. Gosto muito do Frears. Um excelente diretor que nunca fez parte de nenhum hype. Entra década e sai década ele continua realizando ótimos filmes. Adoro os citados no seu texto, mas o meu favorito continua sendo Os Imorais, adaptação do romance do Jim Thompson com produção do Scorsese.
naao vejo a hora de ver… me parece muitooo bom.