Texto e fotos: Marcelo Costa
Arnaldo Antunes completa 50 anos em 2010, e parece que o processo de redescoberta e regressão já começou, vide “Iê Iê Iê”, o disco e o show que o transporta para duas épocas distintas como se fosse uma máquina do tempo: para os sixties, local de terninhos descolados, gravatas e óculos escuros, e também para o começo dos anos 80, época em que o cantor conseguiu se destacar na mídia ao lado de sete amigos com um grupo que, nos primórdios, se chamava Titãs do Iê-Iê.
Nono disco de inéditas, “Iê Iê Iê” sofre de estilização, algo que nem a produção do Cidadão Instigado Fernando Catatau consegue salvar (ou, vista por outro ângulo, talvez acentue). O disco soa nonsense (o que pode ser uma virtude) e ao invés de lembrar Renato e Seus Blue Caps parece Engenheiros do Hawaii da fase “Gessinger, Licks e Maltz”, com o demérito de que tudo aquilo que funciona nos gaúchos infelizmente não se resolve aqui. E se lembrarmos do penúltimo álbum, o lírico “Qualquer”, a coisa toda fica ainda mais constrangedora.
Ok, a música é um disfarce, e permite ao artista metamorfosear-se, mas sabe quando o figurino não combina? Algo do tipo “Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia”. Porém, se o disco soa por natureza um objeto datado, de uma época perdida em uma galáxia distante, o repertório cresce muito no show (o que, aliás, acontece ao contrário com o titã amigo Nando Reis, cujo disco “Dres” é bem resolvido, mas o show é um porre repleto de terríveis clichês).
Ao vivo, o repertório de “Iê Iê Iê” procura levar os presentes para os tempos dos bailinhos. A banda (mestre Scandurra na guitarra, Curumin na bateria, Salem no violão, Betão no baixo e Jeneci nos teclados) entra de terninho, os backings surgem suaves e melodiosos, as luzes dançam no ar: tudo convida a reviver um tempo que pouca gente presente viveu (apesar da média de idade do público ser bem variada), um antídoto para fugir do movimento dos créus, embora o interlocutor da faixa título (na cola dos Titãs fase “Televisão”), que abre o show, sonhe em tocar em baile funk e gravar CD.
As doze músicas novas marcam presença em sua totalidade no repertório do show e “Vem Cá” é a próxima, e soa divertido ouvir um quase cinqüentão assustado ao entrar debaixo do edredom da amada com medo de alguém chegar (algo bem 16 anos). “Essa Mulher”, do álbum “Paradeiro” (2001), entra no clima da noite (apesar de suas alusões a masturbação) que segue com “Ela é Americana”, canção do grupo nordestino Solano e Seu Conjunto apresentada por Catatau a Arnaldo, que a inclui no show.
A apresentação segue um ritmo pensado com duas faixas novas (“A Casa é Sua” e a ótima “Invejoso”), uma mais velha adaptada ao clima sixtie (“Consumado”, do álbum “Saiba”, de 2004), então mais três novas (a ridícula “Um Quilo”, a balada “Longe”, que é a grande canção do álbum, e a reflexiva “Envelhecer”), um cover inusitado (conseguiram estragar “Pra Aquietar”, do clássico álbum “Pérola Negra”, de Luiz Melodia), depois… bocejos de sono, pois o show cansa.
Após três números pálidos (um deles com citação de “No Woman, No Cry”), a platéia dá sinais de alvoroço, culpa dos versos sacanas (“Quando você decidir dar pra mim / dar pra mim / o seu carinho…”) de uma velha canção de Odair José, mas a noite pega fogo mesmo com a pegada rock do samba “Vou Festejar” (“o seu sofrer, o seu penar”… lembrou?). “O Que Você Quiser”, outra das novas, fecha a noite, mas o bis surge para fazer todo mundo sorrir com a ginga de “Socorro”, mais “Cabelo” e a delirante versão roqueira de “Judiária”, de Lupicínio, registrada no álbum “Ninguém” (1995).
Apesar de todos os percalços, o show entretém. É muito difícil permanecer relevante, e essa regressão de Arnaldo mostra que o compositor ainda tem o ímpeto de arriscar (e parece se divertir com isso), o que é saudável – até certo ponto – e corajoso. Se lembrarmos que os Titãs viraram subprodutos de si mesmos reciclando sucessos de 20 anos atrás após um disco pífio, e que Nando Reis não foi feliz ao transpor para o palco seu material recente, Arnaldo pode ser considerado o melhor show de ex-titã no momento. Poderia significar algo décadas atrás, mas hoje em dia é só uma constatação desleixada de fim de noite. O tempo passa.
Leia também:
– “Sacos Plásticos”, Titãs, por Marcelo Costa (aqui)
– “Dres”, de Nando Reis, por Marcelo Costa (aqui)
Cara, pelo repertório que o Arnaldo montou e pelo envolvimento que o show provoca, não tem como perder um show desses. O comportamento desleixado de que você fala está ligado a uma idéia erronêa de que um artista como o Arnaldo precisa de provar para alguém. Em pleno exercício da liberdade musical, a contemplação também é uma ferramenta que não pode ser perdida… Abraço e paz
Não achei o novo disco do Arnaldo ruim não. Pelo contrário, achei bem interessante, uma reinvenção (ou volta as origens se quiser) dele. O show já passou aqui por belem e funcionou muito bem, apesar da maioria dos presentes não conhecerem as musicas do disco novo. Quanto a versão de “Vou Festejar” realmente ficou bacana para caramba. Abs.
Cometi o sacrilégio de perder o show em Manaus, mas todo mundo – todo mundo mesmo, de várias preferências musicais, gostos, gêneros, estilos e humores – falou muito bem (o que já é uma referência positiva, já que ele se apresentou aqui em um famoso bar de heavy metal). Depois de ouvir o cd e ler várias críticas ao show, acho que o Arnaldo é um dos artistas mais interessantes e inspirados para se acompanhar hoje – ao lado do Wado, do Catatau, do sempre ótimo Ney Matogrosso e da Céu, entre vááários outros. Gostei do último dos Titãs e sou fã do Nando, mas Arnaldo vem mandando ver com ousadia e inquietação – só pra lembrar, ele já tinha lançado no primeiro semestre o disco do Pequeno Cidadão, que também é bem legal.