Duas guitarras, um Brasil
Texto por Ismael Machado
Foto de Thiago Araújo
“Então toca um pouquinho para mim para mostrar um pouco desse som”. Essa foi uma espécie de senha para que o velhinho de 75 anos pegasse a guitarra e começasse a mostrar os sons que encantaram ingleses, alemães, italianos, escoceses, portugueses e paraenses. Mestre Vieira começou devagar, mostrando a levada que o consagrou como o ‘inventor’ da guitarrada. À sua frente, Herbert Vianna, o guitarrista dos Paralamas do Sucesso, observa embevecido, fazendo a marcação com palmas. Não demora muito e Herbert também procura uma guitarra. Começa a dedilhar aos poucos, tentando acompanhar Vieira. Era o início de um histórico encontro de dois guitarristas aclamados em seus estilos e que tem em comum o amor incondicional pela música.
Herbert começa a tocar “Alagados”, a música que em 1986 abriu as portas do Brasil para os roqueiros brasileiros. Vieira sorri. Conhece a música e passa a acompanhá-la com solos peculiares. Herbert Vianna retribui o sorriso. Em pé, da porta do estúdio, o baixista dos Paralamas Bi Ribeiro acompanha o encontro.
Durante cerca de uma hora, Herbert Vianna e Mestre Vieira trocaram informações, impressões e musicalidade. Brincaram com os instrumentos, mostraram novas e velhas músicas. Compartilharam solos. A ideia partiu da jornalista Luciana Medeiros, que prepara um documentário sobre Vieira. “Foram duas semanas planejando esse encontro, mas está valendo muito”, diz ela.
O Scream & Yell, através do jornal Diário do Pará, teve acesso com exclusividade a esse encontro de dois mestres da guitarra. E testemunhou um pequeno show, com direito a músicas de Lulu Santos, RPM, Legião Urbana e, claro, Paralamas e Mestre Vieira.
Herbert mostra a Vieira uma música do disco novo. “Tem uma levada que é muito influenciada por esse estilo de guitarra”, diz. Depois toca “Como uma Onda”, de Lulu Santos. Vieira sola. Depois mostra a Herbert a clássica “Jamaicana”, uma das pedidas de seu repertório. Herbert faz a base da guitarra. “O importante é valorizar o solo de guitarra”, diz Vieira. E mostra “Maravilha”, outra música. Herbert pede para ele repeti-la. Cria um novo solo de guitarra na hora.
Foi um encontro repleto de emoção. Vieira chegou cedo, vindo de Barcarena. Almoçou em Belém e foi levado ao estúdio Academia de Música e Tecnologia. Contou historias de quando começou a tocar, ainda menino. “Com 13 anos eu fazia a festa sozinho”, diz. Na Escócia foi coroado como o melhor guitarrista do mundo. “Já toquei choro, samba, tudo”, resume.
A produção do documentário organiza tudo para que a entrada de Herbert seja facilitada. Quinze metros de compensado são comprados para evitar que a cadeira sacoleje no corredor lateral da academia. Às 17 horas, Herbert chega. É recebido por Vieira. “Salve mestre”, cumprimenta. Vieira aperta a mão do colega músico e lhe deseja boas vindas. Entram no estúdio. Ali, acompanhados apenas por dois cinegrafistas, por uma equipe jornalística, pela diretora do documentário e pelo técnico de som, iniciam um passeio musical inesquecível.
Antes, Vieira conta um pouco de Barcarena, da travessia de barco. Fala de sua trajetória e de sua música. Herbert explica como gosta de tocar a guitarra. Vieira diz que não usa pedais de efeitos. “Minha guitarra é viva”, afirma. “Então toca um pouquinho”, responde Herbert.
A cada música um sorriso, um comentário. Um tenta seguir a ideia do outro. Um complementa a levada do outro. Ao redor, um silêncio completo, cercado por olhares de cumplicidade e emoção das testemunhas. Herbert toca “Bundalelê”, do disco “Bora Bora”, de 1987. Nessa música estão inseridos os elementos que mostram a influência que a música africana e caribenha tem sobre os Paralamas do Sucesso.
Vieira diz que tocou com Renato, querendo dizer Renato e Seus Blue Caps. Herbert entende como se fosse Renato Russo, o vocalista da Legião Urbana. E toca “Que País É Esse”, do repertório da banda brasiliense. É quando Vieira usa e abusa de um solo que impressiona profundamente Herbert Vianna. A música se estende num improviso único. Ao final, o cumprimento respeitoso de dois músicos que durante uma hora mostraram o poder da música. “Se até as pedras se encontram, a gente também vai acabar se encontrando”, diz Vieira. Herbert confirma. “Foi um encontro para a historia”, resume Kim Azevedo, o dono do estúdio ao olhar para o computador onde as improvisações dos músicos ficaram gravadas. “Para mim foi uma maravilha”, diz Vieira. “É como fazem os músicos africanos. Deixam rolar e viajar nas ondas sonoras”, filosofa Herbert.
Algumas horas mais tarde, o líder dos Paralamas estava num palco maior, ao lado dos companheiros e da banda Titãs. Mas o show que certamente ficou na memória dos que puderam presenciar, foi feito um tempo antes, num pequeno estúdio com apenas dois guitarristas e seus instrumentos.
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Ismael Machado é jornalista e publicou essa reportagem no Diário do Pará
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Leia também:
– “Brasil Afora”, Os Paralamas do Sucesso, por Marcelo Costa (aqui)
– Legião Urbana e Paralamas do Sucesso Juntos, por Marcelo Costa (aqui)
Muito bacana mesmo. Mestre Vieira é uma figura singular.