por Murilo Basso
Alguém disse certa vez que a melhor coisa que pode acontecer para uma pessoa é envelhecer. A via contrária, porém, é um engarrafamento só, pois existem milhares de teorias por ai sobre o quanto o passar dos anos bagunça a vida de uma pessoa. Antigamente era crise dos 30, crise dos 40. Agora já inventaram a crise dos 25 anos. Em inglês fica bonito: the quarterlife crisis (A crise de um quarto de vida). Já tem até livro lançado sobre o assunto.
As crises passam – assim como a tempestade, a derrota do seu time do coração e a ressaca da noitada anterior – e tudo que sobra é a lembrança de como você era, como se você olhasse um espelho cuja imagem é você… um dia antes. Para o Pullovers, banda paulistana que nasceu no finalzinho da década de 90, o tal espelho mostra um álbum estréia que, visto (e ouvido) hoje, é definido por Luiz Venâncio (único membro da formação original) como “uma brincadeira de criança“.
De lá para cá se passaram 10 anos, e se antes o Pullovers era um grupo com guitarras sujas e barulhentas, que tocava rápido e desafinado, “murmurando” canções em inglês, hoje surpreende em português com canções influenciadas pela MPB, mais doces e leves. “O que há de mais característico na banda é fazer canções propriamente ditas, daquelas que funcionam se tocadas com violão, com banda ou o que for”, procura definir Luiz.
Foi através desta revisão pessoal e musical, da simples idéia de brincar com possibilidades e relacionar experiências que ainda se fazem presentes que o Pullovers chegou a um dos grandes discos de 2009. “Tudo Que Eu Sempre Sonhei” é marcado por contrastes. Algumas canções chegam ao pop extremo, aquelas em que após a primeira audição você já saiu cantarolando o refrão, como “O Amor Verdadeiro Não Tem Vista Para o Mar”.
Outras, como “Lição de Casa”, lembram os bons momentos daquele Pullovers cheio de espinhas adolescentes de 1999. Há ainda aquelas que soam mais elaboradas, caso da faixa de abertura e que dá nome ao disco, capaz de “se perder” em meio a sua poesia, parecendo não encontrar seu lugar. É como escancarar a porta e gritar: “Esperem. Você vai se surpreender!”. E, acredite, você vai se surpreender mesmo.
Confundindo a si próprio quando confrontado todos os seus detalhes. “Tudo Que Eu Sempre Sonhei” nasceu da mistura de uma certa urbanidade paulista, de leves flertes com o Rio de Janeiro e da sensibilidade que só se adquire ao perceber o passado no espelho, e crescer, e envelhecer, aquela sensibilidade que nos torna capazes de mesclar, na dose certa, experiência vivida com imaginação. Música pop que só poderia existir no Brasil. E para o Brasil.
Em entrevista ao Scream & Yell, Luiz Venâncio demonstra satisfação com o resultado de seu último trabalho, confiante com a nova proposta adotada e pronto para levar o grupo a um próximo nível. Ele não renega a adolescência – e nem o Pavement –, mas já se sente à vontade para citar Chico Buarque, cantar Jards Macalé e abrir o coração sem vergonha de soar ingênuo e profundo. Afinal, lá no fundo, todas as canções são de amor. O Pullovers nunca esteve tão atual.
O Pullovers esteve para acabar no ano passado, certo? O que fez com que isso não acontecesse?
Não. Nunca esteve para acabar. Passamos pelo que chamam de “hiato” e ficamos sem tocar bastante tempo. Esperando o lançamento do disco, que acabou atrasando. Enquanto isto entrou o Gustavo Beber pra tocar bateria e o Habacuque pra tocar guitarra. Mas nunca pensamos em “acabar”, queríamos muito lançar esse trabalho e começar a trabalhar em coisas novas.
O que representou a entrada do Habacuque Lima (guitarrista do Ludov)?
Sinceramente e sem nenhuma rasgação de seda desnecessária: um ganho imenso. Pela sensibilidade, pela inteligência, pela visão de mundo e de música… É a diferença que faltava, é o Ronaldo no Curíntia.
Ao vivo vocês estão melhores?
Cara, acho que sim! Mas posso responder principalmente pela parte musical. Quanto à parte “performática” eu realmente não sei responder. Melhor porque era ruim e melhorou ou porque era bom e ficou melhor? Depende do parâmetro do qual se parte… Porque eu, minha mãe, a avó da minha tia, todo mundo sabe que não somos uma banda de “festa”, uma banda que pula no palco e grita: “aê galera, sai do chão!”. Pelo contrário, somos de uma timidez imensa, paulistaníssima, incomensurável. Eu, por exemplo, de maneira nenhuma me considero um performer no sentido “Broadway” da palavra. Me emociono e, sem medo de soar brega, coloco todo o meu sentimento nos shows. Mas sou um compositor que canta, um cara que ama mostrar suas músicas pro público, não um animador de torcida. Se fôssemos uma banda de baile, todos nós morreríamos de fome. Isso não significa uma postura blasé ou não se importar, pelo contrário: é ser “de verdade”, come as you are. É o nosso jeito. Por isso a pecha de banda nerd, banda de tímidos, pegou tanto conosco: é a pura realidade. Usando a citação do “Tudo que eu sempre sonhei”: sem obviamente comparações de gênero musical ou de talento, por que quando Chico Buarque de Hollanda fica completamente imóvel sobre o palco durante um samba, é a “timidez charmosa do Chico”; e quando é Pullovers, uma banda que ninguém conhece, temos que agir como se estivéssemos tocando música de carnaval na Bahia em cima de um trio elétrico?
Agora você espera maior reconhecimento cantando em português ou reconhecimento não quer dizer muita coisa, o que importa é tocar a musica que você gosta e dane-se o resto?
O que importa é tocar a música que gostamos. O que vier é lucro, mas de maneira nenhuma dane-se o resto. A gente deseja “sexualmente” que nos ouçam o máximo possível.
De que forma o contexto em que o Pullovers nasceu se faz presente na música da banda por tanto tempo?
Bom, primeiro na forma com carne, osso, enchimento e costeletas deste que vos fala, porque fundei a banda e sou o remanescente do início. Mas principalmente por causa da paixão pela canção e pelo tipo de lirismo. Desde o começo o que há de mais característico na banda é fazer canções propriamente ditas (daquelas que funcionam se tocadas com violão, com banda ou o que for) em que mais do que o gênero ou mesmo o idioma em que se canta, o que importa é uma maneira característica de unir letra e música. Isto está presente desde o início. Agora de uma maneira muito mais rica e lapidada, mas com a mesma raiz.
“Tudo que eu sempre sonhei” é marcado por vários contrastes. Há tanto canções ingênuas quanto profundas. Há canções simples assim como há outras mais “elaboradas”. Existiu uma intenção ou ocorreu tudo naturalmente?
Mas ingênuo e profundo são antônimos? É exatamente por achar que uma música aparentemente doce e pueril é às vezes tão “profunda” quanto outra verborrágica e neurótica que a gente as coloca lado a lado. Na real não é porque uma é mais profunda do que outra, mas porque falam das coisas de jeitos diferentes. Agora, quanto a ser calculado ou não… É. Tudo nesse disco é paranoicamente calculado, colocamos a nossa mão em todas as variantes em que podíamos intervir.
Em relação a trabalhos anteriores, o que mudou pra você?
Puxa, tanta coisa… Fica impossível de dizer…
Há uma marca forte de São Paulo nas letras; é algo como uma ‘bandeira’ da banda falar da cidade?
Não sei se uma “bandeira”… Porque não rola muito o intuito de falar de São Paulo como um plano pré-estabelecido para composição das canções. O que rola é que acaba sendo inevitável falar do que é mais nosso, do nosso cotidiano, da nossa relação com o espaço em que vivemos e, principalmente, de um jeito “paulistano” de ver o mundo, se é que isso de “jeito paulistano” é uma coisa definível.
Mas assumimos que, a posteriori, o discurso de auto-definição como banda paulista rola sim. É uma simples questão de afirmação de identidade. E é inclusive uma birra. Porque sentimos que muitas das bandas paulistanas (pra não dizer a maioria) têm vergonha com V maiúsculo de se assumirem paulistanas. Parece que fica bonito dizer “sou carioca da gema”, “sou baiano”, “sou do Recife” ou até “bá, sou do Rio Grande”. Mas ninguém diz “sou de São Paulo” com verdadeira propriedade. Talvez porque aqui esteja o poder econômico e role um certo pudor, como se assumir a “paulistanidade” fosse parecer uma atitude burguesa e prepotente em relação ao resto do Brasil. Ridículo, não é nada disso.
Não vejo porque eu não possa afirmar a minha identidade com tanto “orgulho” quanto se faz em outros lugares. É o famoso “só falando da sua própria aldeia é que se atinge o universal”. Só preciso deixar claro que isso não é um fator limitador. Como eu disse não há uma regra prévia: falar só de São Paulo, com o jeito de São Paulo. Mesmo porque temos um baterista (Gustavo) do interior do estado e um guitarrista – Habacuque (também compositor, cujas composições já estão fazendo parte do repertório) – brasiliense.
Não só musical, mas culturalmente a cidade parece ser uma referência. Como é que viver em São Paulo influencia a música de vocês?
Em primeiro lugar, na própria maneira como o som sai da boca. Não sei se você sabe, mas há uma espécie de “acordo tácito” entre professores de canto de que o “certo” pra se cantar em português do Brasil é dizer o S de paulista e o R de carioca. (risos) Eu juro, pode acreditar e pode comprovar ouvindo música: a grande maioria dos cantores e – principalmente – cantoras da MPB seguem essa “regra”. Mesmo se tiver nascido na Moóca e sido criado no Brás. Acho isso meio ridículo, não vou deixar de dizer o MEU R, por mais pesado e “italianado” que pareça. Faço como fazem e faziam artistas que eu admiro: por exemplo, o saudoso Itamar Assumpção e, hoje em dia, cantoras de personalidade como a Céu e a Andréia Dias. O resto é tudo: influencia na medida em que a gente vive na cidade e vive a cidade.
Mas e o Rio de Janeiro… É uma merda mesmo?
Porra, NUNCA na sua vida, pelo amor de deus, repita um negócio desses! (risos) O Rio de Janeiro é a cidade mais linda do mundo. É uma espécie de antítese de São Paulo: é como se uma cidade não pudesse existir sem a outra. Tipo casal que briga o tempo todo, mas se ama. (risos)
Então uma mulher é capaz de acabar com qualquer tipo de rivalidade, como em “1932″?
Mais do que isso: a mulher encarna a “rivalidade” (ou o que chamam de rivalidade) e a admiração mútua. Tipo uma carioca dizendo pra um paulista de quem gosta: “você é um neurótico feio e mal arrumado, mas eu gosto de você”.
Qual a relação de “Todas as canções são de amor” com a abertura do Alta Fidelidade*?
Se há relação, surgiu inconscientemente. Agora, quanto à mistura de sofrimento e música pop, tipo Tostines é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho… Não sei, porque acho que não dá pra saber onde acaba uma coisa e começa outra. Não dá pra saber até que ponto um sujeito escreve uma música “dor de cotovelo” porque está com dor de cotovelo e depois passa a ter seu próprio comportamento influenciado por ela…
Amigo, a dor de cotovelo na música pop é assunto pra milhões de teses de mestrado e pra outros milhões de canções de… dor de cotovelo.
*“O que surgiu primeiro: a música ou o sofrimento? Ninguém se importa que as pessoas ouçam, literalmente, milhares de canções sobre desilusões amorosas, rejeição, dor, sofrimento e perda. Eu ouvia música pop porque me sentia terrivelmente infeliz? Ou sentia-me terrivelmente infeliz porque ouvia música pop?”
Com o passar do tempo às referências ao underground foram sendo “substituídas”. E então você começou a compor em português. Trata-se de amadurecimento musical, ficar mais velho ou finalmente perceber que Pavement era mesmo muito ruim?
Pavement não é ruim!!! Só que eu admito que é tremendamente chato. (risos) Coisa de nerd mesmo. O sujeito tem que ser esquisito pra gostar tanto daquele vocal torto, aquelas viagens um pouco longas e toscas demais nas partes instrumentais. Por isso é que é uma banda que muita gente acha chique citar, mas pouca gente tem realmente paciência de ouvir. (risos)
Leia também:
– “Tudo Que Eu Sempre Sonhei”, do Pullovers, por Marcelo Costa (aqui)
– Pullovers ao vivo no Sesc Pompéia, por Marcelo Costa (aqui)
Bem bacana.
E o Pullovers tá mesmo matando a pau!
de que pavement é que se fala aí na entrevista? eu não sou um profundo conhecedor da banda, mas crooked rain crooked rain é um dos discos que mais ouvi na vida, e é pérola pop atrás de pérola pop. se uma banda pop brasileira fizesse um disco bom assim, podíamos até deixar de ouvir caetano.
Concordo com o cara daí de cima.
Mas acho que ainda prefiro o wowee zowee 🙂
ótima entrevista, e sim ouvimos pavement. mesmo.