Por Danilo Corci
Ela é lourinha, britânica, protégé de gravadora (Mute), tem uma voz peculiar, que a muitos lembrará Björk, é novinha de tudo, 22 anos (ainda que o padrão atual já a considere “velhinha”), adora crossmedia e está conquistando corações e mentes na Inglaterra. Polly Scattergood acaba de colocar no mercado o disco que leva seu nome e a imprensa inglesa aproveitou para rotulá-la de um cruzamento entre Björk e Tori Amos.
Bizarro então? Talvez. Ao ouvi-la de maneira perdida, não é difícil em pensar que se está ouvindo uma nova canção de uma das duas cantoras. Mas Polly tem um jeito único e diferente de se posicionar – seu flerte com a veia pop é inegável – sempre há um fundinho que flerta com o eletrônico de FM. O que torna, então, Polly uma artista para se prestar atenção? A resposta é simples: falta de compromisso. Querendo saber um pouco mais sobre isso, eu conversei com Polly via e-mail para entender um pouco melhor esse “fenômeno”.
A questão é simples. Pense bem, hoje ser singer/songwriter (cantora/compositora) é um mérito, críticos se derramam, público fiel é arrebatado, mesmo quando muita destas SS sejam malas de dar dó. Polly Scattergood parece ser bem consciente do que faz, parece não ligar muito para essa carga “Fiona Apple” de ser, mesmo que, ao se apresentar ao público de língua portuguesa, ela confirme a regra: “Eu diria que eu sou uma musicista do Reino Unido, escrevo minhas próprias músicas e as cantos. Adoro fazer experiências com sons diferentes e acabei de lançar meu primeiro disco”.
Mas então, o que quer doce Polly? “A música sempre esteve comigo, havia um piano em casa e compus minha primeira canção aos doze anos.”. Séria síndrome de Maysa? Polly nem tem tamanha ousadia, seu jeito de enxergar música é mais calcado na ironia do que na raiva. “Humor negro para mim é essencial e isso vem de poesias criadas por gente como Leonard Cohen e de séries de TV como Six feet under. Sou atraída pelo humor negro, não sei bem por quê. Acho que o mundo é tão estranho que, às vezes, devemos tentar ver algum humor na coisa toda.”. E é justamente neste humor que Polly se afasta de maneira radical de suas companheiras de singers/songwriters. Enquanto boa parte delas veneram o sofrimento ou exprimem uma revolta despudorada, ela resolve tirar sarro, como logo na abertura de “Crystal breaks”: “Você já se perguntou porque nós nunca viramos um casal? Nós bebemos muito gin, nós bebemos muito gin.” – e isso em uma canção sobre a falência de um relacionamento.
Mas ai vem os rótulos óbvios de björquismo e que, também obviamente, ela finge não se atentar: “Eu não ligo. As pessoas tem essa necessidade de rotular e colocar em caixas as coisas e, por mim, tudo bem, desde que elas não se importem se eu resolver sair de uma das caixas para entrar em outra.”. Mas o tributo à islandesa transparece quando ela afirma: “Eu sou uma musicista e a ideia de ficar presa numa única caixa me assusta. Eu quero experimentar, fazer coisas diferentes e, eventualmente, até errar.”. Neste aspecto, os que a rotulam de Björk inglesa não estão errados, afinal experimentalismos são a marca registrada de Björk. E o tom de lamento de canções como “Breathe in breath out”, pontuada por acordes lindíssimos de piano fazem a remissão direta à Tori Amos, com um filtro antiangústia latente que a norte-americana tem de melhor. E neste universo híbrido que Polly transita, sua música soa original e distante o suficiente das inspirações. Sobra até espaço para uma pequena piada, se assim você quiser ler a canção “Bunny club” assim: “Chame-me de falsa, senhor, você pode. Você pode me chamar de fraude, pode até me chamar de puta, se quiser”.
E nestes tempos de hipermídia, Polly Scattergood, uma “native” da tecnologia, também arrumou tempo para lançar um curta-metragem no YouTube: “Adoro arte, música, filmes, tenho diferentes maneiras de querer me expressar. Este projeto do YouTube foi adorável, ainda mais que fiz com meu amigo Tom. E se eu puder, adoraria repetir a experiência.”. O que ajuda a entender um pouco mais como Polly caminha no mundo e porque ela se posiciona apartada de Björk e Amos está em seus interesses: “Tenho ouvido demais Vampire Weekend. E lendo Kill your friends, do John Niven.”. Em tempo, Niven foi diretor artístico da London, subsidiária da Polygram, e no livro conta os bastidores da Cool Britannia da década de 90. “Nitrogen pink”, a primeira música que ela lançou, em 2008, mostra bem essas influências.
Polly também pode ser encaixada no perfil do que as gravadoras procuram, desesperadamente, para enfrentar a crise do mercado e da pirataria: juventude ao extremo (vide Mallu no Brasil, a Soap&Skin na Áustria e assim vai). A sorte de Polly é que, ao invés de ingressar n catálogo de uma major em decadência, ela foi para a queridinha britânica Mute Records, de Daniel Miller, que apesar de ser parte da EMI, caminha solitariamente com a mesma proposta da fundação – sons diferentes, mas que tenham de ser bons, ou seja, coisas como Einstürzende Neubauten, Throbbing Gristle, Cabaret Voltaire, Goldfrapp, Moby, Nick Cave, Laibach, além do Depeche Mode e Erasure. Estes dois últimos tiveram o dedo de Vince Clark, que também já se colocou para trabalhar com Polly ao remixar “Other too endless”: “Foi sensacional, eu adorei. Acho incrível ouvir alguém que pegou minha música e colocou sua marca nela. E pra mim, que estou tão próxima do que faço, isso é especial. Amei a versão de Clarke”. E, tendo todo o arsenal da gravadora a seu dispor, Polly fica um pouco mais sombria quando pensa no futuro da indústria: “A Mute é muito boa, mas esse lance de baixar música é bem triste. Mas acredito que os verdadeiros amantes de música irão pagar por ela em algum momento porque se no final todo mundo roubar, a indústria da música quebra e não haverá dinheiro para nada, principalmente para o que é mais importante para mim: pagar os músicos para irem ao estúdio e gravar.”.
O discurso de Polly está bem afinado com a estratégia da Mute. Na era em que o conceito de disco parece cada vez mais condenado, a gravadora lançou digitalmente “Nitrogen pink” no final de 2008, fez o mesmo com “I hate de way” no começo de 2009 até que agora, no dia 9 de março, o álbum chega fisicamente às lojas (nem precisa dizer que já é encontrado na web). “Ando bem ocupado com shows e com a promoção do álbum. Mas escrevo rápido, já tenho um segundo disco pronto mesmo antes de terminar as gravações do primeiro.”. Sinais do tempo e bem explicado a atenção da gravadora. Despejar material parece ser a solução da ‘nova música’ para manter o artista respirando na atenção do público e na possibilidade de tornar-se um negócio. E isso, a nova geração de cantores e bandas sabem fazer muito bem, como Polly.
As dez canções do disco epônimo de estréia de Polly Scattergood revelam, de fato, uma cantora e letrista talentosa, uma musicista ainda em busca de um caminho seu, caminho que passa por estranhas canções pop distorcidas por uma visão através de um copo de vidro da cantora.
E não duvide, a experiência de entrar no mundo esfumaçado e difuso de Polly é extremamente poderosa.
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Danilo Corci é jornalista e editor dos sites Speculum e Mojo Books
Se tem o selo que eu confio é a Mute.
Artistas otimos em sua grande maioria
E tem Daniel Miller
E é claro, Depeche Mode.
Um grande surpresa esse Cd. Assim que sobrar um graninha vou importar a minha copia