Por Marcelo Costa
Stephen Daldry sabe o que faz. Não que faça bem, isso ainda vamos conversar, mas chega a surpreender que seus três filmes lançados nesta década tenham feito barulho no Oscar: “Billy Elliot”, a estréia, deu a Daldry a oportunidade de concorrer na categoria de Melhor Diretor em 2001 (Steven Soderbergh levou pelo bom “Traffic”, que perdeu injustamente para o engodo “Gladiador” em filme) e “As Horas” ganhou um caminhão de indicações (inclusive Melhor Filme e Diretor) consagrando o nariz falso de Nicole Kidman. Agora é a vez de “O Leitor” (com cinco indicações) correr por fora como azarão. Qualé a de Stephen Daldry?
Primeiro de tudo: o diretor britânico tem jeito pra coisa. Ninguém é indicado três vezes (com seus únicos três filmes) ao posto de Melhor Diretor à toa. Muita gente acerta no primeiro filme, e depois enrola a carreira toda com a fama que conseguiu. Daldry não. Há estilo em seus três filmes, e embora quase todos resvalem na pieguice (principalmente na meia-hora final), Daldry consegue imprimir uma marca interessante seja pela obsessão em closes que excluem os personagens e dizem mais do que gestos, seja pela escolha acertada dos roteiros.
Rasteiramente: em “Billy Elliot”, um garoto de 11 anos descobre sua vocação para o balé enquanto o pai tenta encaixa-lo no boxe. Em “As Horas”, uma escritora descobre sua vocação para a morte enquanto o marido tenta encaixa-la em uma família. Em “O Leitor”, um garoto de 15 anos se relaciona com uma mulher de 40, e se vê obrigado a dividir sua dor pessoal com a social quando descobre que seu primeiro amor fez o coração de muita mais gente parar além do seu (que insistiu em bater mecanicamente por décadas, apenas por bater).
O tema é caro à Academia: os corações que a amada do garoto fez parar eram judeus, muitos judeus, mas Stephen Daldry pincela levemente o assunto em algumas cenas procurando focar sua câmera na relação de amor entre os dois personagens principais. Michael Berg (interpretado pelo bom David Kross quando jovem, e por Ralph Fiennes quando velho) se apaixona por Hanna Schmitz (Kate Winslet em bela atuação), que cria um código romântico entre eles: o rapaz lê livros para ela e depois ambos se entregam aos prazeres da carne. É uma paixão de verão que, como sempre, irá marcar ambos, mas existem outros complicadores na história.
Oito anos após uma brusca separação, Michael reencontra Hanna: ele é estudante de direito e está assistindo ao julgamento de pessoas envolvidas na morte de milhares de judeus em campos de concentração. Ela está no banco dos réus, e todo o passado de Michael volta à tona. É neste momento, quando o roteiro abandona o pessoal e parte para o social, que “O Leitor” tropeça e perde o foco. A discussão é interessante, mas Daldry parece não querer focá-la. Ele namora a crítica ao povo alemão (um dos personagens chega a enfatizar a conivência do povo perante o regime de Hitler), mas não aprofunda a questão preferindo a saída comum dos romances óbvios.
O clichê é uma arma bastante interessante, quando bem usada, o que não é o caso. Daldry encaminha a vida de seus personagens para a vala dos comuns tentando ganhar a simpatia do público. Apesar de suas três indicações ao Oscar, falta arte ao britânico para se equiparar a, por exemplo, Pedro Almodóvar, que conseguiu o feito de tirar do público sentimentos de afeto por um personagem marginal (Benigno, o enfermeiro que abusa sexualmente de uma mulher em coma). A Hanna de Stephen Daldry não inspira paixão, e sim pena, e pena não é algo para se admirar.
Só mesmo uma safra tão fraca de filmes para permitir que Stephen Daldry entre novamente no séqüito de concorrentes ao Oscar. “O Leitor” se sai bem na primeira meia-hora, que rende algumas passagens boas que destacam a grande atuação de Kate Winslet (que ganhou dois Globo de Ouro neste ano: por sua interpretação aqui e em “Foi Apenas Um Sonho”, em que está ainda melhor), mas chega a soar desajeitado perto de “A Vida dos Outros”, o excelente filme alemão que levou o Oscar de Filme Estrangeiro em 2007, cuja temática remonta aos anos que se seguiram à derrocada de Hitler.
Não é que Stephen Daldry seja um picareta – calma, não coloque palavras em minhas teclas, mas o britânico sabe o que fazer para conquistar a simpatia da Academia e algumas indicações com filmes medianos, que dividem público e crítica e parecem fadados a valorizar atrizes e tropeçarem na categoria principal. Com toda simpatia da Academia pelo tema do Holocausto, e auxiliado pela falta de criatividade do grande engodo do ano, “Benjamin Button”¸ Daldry corre por fora como azarão com boas chances de surpreender. Parece que estamos todos nas mãos de Danny Boyle, mas isso é assunto para um outro texto. Vou ali bocejar e já volto.
“O Leitor”, de Stephen Daldry – Cotação: 2/5