por Mac
“Existem quatro ou cinco lembranças muito, muito difícies com as quais eu tenho que conviver hoje, da hora que acordo até de noite. Por mais que o sol brilhe lá fora, por mais música, alegria e riso que haja em casa. Uma dessas lembranças é esta: havia uma mulher, talvez uns dois ou três lugares à frente de mim, e ela estava com uma criança pequena, e ela não queria largar da criança. E ela também estava grávida. Todo mundo podia ver. Ela ficou de joelhos, implorando pela criança. Os nazistas pegaram aquela criança e a jogaram no chão e pisaram nela, e depois chutaram, com aquelas botas, a mãe grávida. Isso é algo que não dá para esquecer. É algo que não pode ser mostrado num filme ou na televisão. E, se mostrarem, não é real. É uma encenação, algo que ninguém acredita que pode acontecer de verdade.”
Ester Chichinski
Melhor respirar fundo. Eu passei mal pra caralho em Berlim, em julho. Um guia nos levou em vários “pontos turísticos” e nos deu uma aula de história alemã. No final do tour eu estava tremendamente enjoado. Enjoado por muitos motivos, mas o principal é que essas lembranças narradas acima por Ester flutuam no ar como a poluição e os pássaros. Faz parte da atmosfera, e eles precisam manter isso no ar – acredito eu – para que as novas gerações não cometam os mesmos erros, para que ninguém nunca se esqueça disso (como se fosse realmente possível).
Ester é irmã de Bill Graham, o homem que lançou Janis Joplin, Otis Redding, Cream e muitos outros, e profissionalizou uma arte até então capenga chamada rock and roll. Bill, de família judia, foi internado aos 8 anos em um orfanato ainda em Berlim, para fugir dos nazistas, depois mandado para Paris, Barcelona, Madri e, enfim, Estados Unidos, quando foi adotado e começou vida nova. Sua mãe, segundo Ester, não chegou a Auschwitz. “Injetaram gás dentro do próprio trem, e todo mundo morreu. O trem dela, junto com muitos outros, nunca chegou aos campos de concentração”. Ester chegou em Auschwitz no fim de 1943 e foi libertada em 19 ou 20 de abril de 1945.
O relato – e vários outros – integram a parte inicial de “Bill Graham Apresenta: Minha Vida Dentro e Fora do Rock”, livro que está sendo lançado pela Editora Barracuda. Mais pra frente devemos ter histórias de bastidores do rock (Pete Townshend escreveu o prefácio, Keith Richards, Eric Clapton e Santana deram depoimentos), mas esse trecho inicial – que me lembrou o começo de “E o Resto É Loucura”, biografia de Billy Wider – é extremamente sufocante, tão sufocante que não páro de pensar nele desde ontem à tarde, quando comecei a devorar o livro. Das coisas que precisam ser ditas, sempre.