por Marcelo Costa
A ideia de juntar os dois compositores mais malditos da música popular brasileira sobre um mesmo palco era bastante interessante. Em plena atividade, Jorge Mautner (acompanhado de seu inseparável parceiro Nelson Jacobina) lançou um álbum de inéditas em 2007 (”Revirão”) e alguns de seus grandes momentos no show vieram do novo disco. Jards Macalé, que fez vários shows em São Paulo no ano passado (incluindo uma antológica apresentação na Virada Cultural), lançou “Real Grandeza” em 2005 e segue em sua luta solitária pela inclusão da palavra amor no lema da bandeira brasileira.
Maldito que é maldito não facilita. Por mais que a proximidade teórica das alcunhas seja visível de Marte, por mais que os dois já tenham dividido o mesmo palco várias vezes no decorrer dos últimos 60 anos (Mautner está com 67, Macalé com 64), por mais que eles tenham composto juntos algumas canções, havia uma grande distância entre Mautner e Macalé no palco. A falta de ensaio e entrosamento era visível, mas cada qual seguia sua persona a risca, e no fim o que se prevaleceu nas duas noites em que a dupla se apresentou no palco do teatro do Sesc Vila Mariana foram os shows individuais.
Logo na abertura da noite, a dupla se juntou (acompanhada de Jacobina) para interpretar a bela “Puntos Cardinales” (parceria dos dois datada de 1973). Juntos eles ainda tocaram “Vapor Barato” e a versão censurada de “Planeta dos Macacos” (outra parceria de ambos) no meio do show, e uma dobradinha de Noel Rosa – “Palpite Infeliz” e “Com Que Roupa” – no encerramento. No entanto, em nenhuma das cinco canções em que se apresentaram juntos, o trio brilhou como em vários momentos da apresentação solo de cada um.
Sozinho no palco, Macalé abriu seu show com “Contrastes”, samba delicioso de Ismael Silva (dos versos: “Existe muita tristeza na rua da alegria / Existe muita desordem na rua da harmonia / Analisando essa história, cada vez mais me embaraço / Quanto mais longe do circo, mais eu encontro palhaço”) que Jards gravou em 1977 e que, desde então, é presença obrigatória em seu repertório. Na seqüência, resgatou um samba de Sebastião Fonseca e Cícero Nunes, “Cidade Lagoa”, relembrando uma semelhança entre São Paulo e Rio de Janeiro: basta uma chuvinha qualquer para que a cidade vire um caos.
“Anjo Exterminado”, “Revendo Amigos” (que Macalé pulou no set list no domingo por causa da gripe) e “Falam de Mim” (outra de Noel Rosa) ganharam versões poderosas ao vivo, com Macalé juntando samba e blues nos arranjos. O grande momento foi a versão arrepiante para “Consolação”, de Baden e Vinicius. No sábado, Macalé estava tão desconcentrado devido à gripe que precisou de uma colinha do público para finalizar “Positivismo” (mais um Noel Rosa). No domingo compensou com uma apresentação vigorosa e inspirada, e por mais que soe clichê é preciso dizer: faltaram muitas canções.
Jorge Mautner, por sua vez, fez duas apresentações rigorosamente iguais. O grosso do repertório veio do recém-lançado “Revirão”, produzido por Berna e Kassin e que contou com a participação de vários integrantes da Orquestra Imperial. Ao vivo, porém, Mautner se apresenta apenas com seu violino e seu fiel escudeiro Jacobina na guitarra. Das novas, destaque para as ótimas “Os Pais” (parceria com Gil que discute liberdade e repressão de forma divertida) e “O Executivo Executor” (não menos hilária). Já “Nicanor” – outra das novas – foi o “momento bocejo” da noite.
Do álbum em parceria com Caetano Veloso também vieram três canções para o show: a gostosa valsa rancheira “Todo Errado”, o impagável samba “O Homem Bomba” (do hilário verso: “Lá vem o homem bomba / Que não tem medo algum / Porque daqui a pouco / Vai virar egun”) e a excelente faixa discursiva “Morre-se Assim” (numa versão milhares de quilômetros à frente do original de estúdio).
Ainda marcaram presença os sucessos “Vampiro” (gravada por Caetano) e “Maracatu Atômico” (pela Nação Zumbi), mas a grande ausência foi ”Samba dos Animais”, que constava do set list, mas não foi apresentada, evidenciando um dos problemas do encontro: tanto Mautner quanto Macalé fizeram meio show por noite, o que limitou o número de canções. Apesar da qualidade das apresentações, meio show de Macalé e meio de show de Mautner é muito pouco para o público, mas maldito que é maldito também é malandro.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne