por Marcelo Costa
Toda semana, três ou quatro pessoas (às vezes mais, às vezes menos) me escrevem dizendo que tem uma banda, que gravaram algumas canções e que gostariam de me mandar um CD para eu escutar e – quem sabe – resenhar. Sinto-me sempre elogiado quando alguém leva em consideração o que penso sobre uma música, disco ou mesmo uma banda que está surgindo, mas lá no âmago eu sempre me enrolo numa situação dessas, por que ouvir fitas demo e/ou CDs de novas bandas é um trabalho na maioria das vezes tortuoso, pode acreditar.
Quando me peguei pensando nisso, lembrei-me do Álvaro Pereira Júnior, que em uma coluna de 1999 na Folhateen dizia: “É preciso ter estômago de avestruz para escutar fitas demo. Muitas revistas estrangeiras têm jornalistas que cuidam especificamente de analisá-las. (?) Recebo poucas fitas demo e CDs de estreantes. Ainda bem. Estou velho, rabugento e seletivo, não tenho mais como perder tempo dando ouvidos a amadores”. Na época, achei que se ele estava de saco cheio disso, que fosse procurar outro ramo para trabalhar, pois se você escreve sobre música precisa estar atento a todas as novidades, e as grandes bandas (TODAS) surgem de uma fita demo, um single ou um CD de estréia. Hoje, mais velho (“rabugento e seletivo”, como o Álvaro se justifica na coluna), entendo a posição dele.
Entendo por que, cada vez mais, ando sem tempo para quase nada. A velocidade do tempo moderno, as facilidades da tecnologia (que ao invés de nos poupar tempo, nos trouxe mais coisas para “perdermos tempo” e nos mostrou uma infinidade de coisas que não sabíamos que existiam) e os afazeres diários se juntaram e se transformaram em uma bola de neve que aumenta sintomaticamente todos os dias. São centenas de discos para ouvir, livros para ler, filmes para assistir, e ainda preciso arranjar tempo para trabalhar, me alimentar e me relacionar. Isso tudo sem contar que grande parte do material que recebo não é destinado a mim (coisas de hard rock e derivados de Red Hot Chili Peppers e Evanescence – será que esses músicos lêem o que eu escrevo faz mais de dez anos?)
Então, depois de três parágrafos reclamões, o leitor pergunta: Por qual você continua aceitando receber fitas demo e/ou CDs de bandas novas se é tão tortuoso assim? A resposta é simples: pelo imenso e inigualável prazer de “descobrir” uma banda nova que me deixe sem fôlego a ponto de eu querer escrever dela, indicar para os amigos, insistir para as pessoas baixarem o disco, irem ao show, se encantarem como eu me encantei enquanto ouvia. É preciso entender que eu escrevo por necessidade da minha alma, por um desejo que surgiu em mim do nada, sem eu saber por quê. Escrevo por prazer. Não dá para perder tempo sendo burocrático ou falando sobre coisas inúteis (a não ser que seja em forma de ironia, a raiva travestida de estilo e inspiração). Tempo é algo sagrado.
Toda essa reflexão surgiu por causa do Lestics, projeto paralelo de dois integrantes do grupo independente paulistano Gianoukas Papoulas (Olavo e Umberto), que lançou dois belíssimos discos gravados em home studio em 2007, “9 Sonhos” em março e “les tics” em outubro, ambos liberados para download gratuito no site oficial do duo (www.lestics.com.br). Olavo fica responsável pelo excelente registro vocal enquanto Umberto se divide entre guitarra, violão, baixo, teclados, gaitas, programações, percussão e voz. Juntos eles fazem um passeio emocionante por melodias calcadas em folk, rock e country criando pequenas odes sombrias repletas de beleza urbana que deixam o ouvinte sem fôlego após a primeira audição.
“9 Sonhos”, como explicita o nome, são nove canções que passeiam pelo universo da memória em um tempo indistinto, mas que permite ligação com a infância e a adolescência. Abre com a deliciosa “Elefantes”, que narra uma pequena fábula cujo personagem aperta a campainha de uma casa e sai correndo (quem nunca fez isso na infância?), mas os moradores da casa são uma família de elefantes, “que vem voando arrasando tudo pelo caminho”. O surrealismo toma conta das letras como em “Mutantis Mutandi” que finaliza dizendo que “a vida é o nada, é a morte, é o parto”. Já a genial “Alguma Coisa Me Diz” filosofa em forma de folk rock: “Eu saio da cama, eu lavo o meu rosto, eu troco de roupa, e desço pra rua / eu entro no táxi, e digo bom dia, apago o cigarro e abro o jornal / mas alguma coisa me diz que nada disso é normal”.
A primeira lembrança que o som do duo resgata são os gaúchos da Graforreia Xilarmônica, mas também é possível identificar influências dos paulistas do Fellini (que além de gravarem seus primeiros discos também em home studio, tinham uma poética muito próxima da que o Lestics exibe) em algumas passagens. Embalada por uma gaitinha, a romântica “O Mundo Acaba” fala de uma garota que tem mais de mil bocas, dois mais braços, dez mil pernas e milhões de seios lindos, e explica no refrão: “Ela vem e me abraça e ai que o mundo acaba”. “Dois Olhos” é climática, psicodélica. “O Rio” é folk alegre. “Tropeço” tem outra letra ótima: “Eu quero parar e começo / Eu quero correr e tropeço”. “Canto de Sereia” é suave enquanto “Escuridão e Silêncio” narra um assassinato em um sinal vermelho. São nove sonhos? repletos de realidade.
No segundo álbum recém lançado, “les tics”, os textos continuam surreais, mas são bem mais diretos como mostra a faixa de abertura, “Tipo” que narra: “Levando em conta a história da família, os quatro anos isolados numa ilha, e a falta de presentes no natal, até que ele é um tipo bem normal”. “Gênio”, a próxima, é uma das melhores do álbum. Abre dizendo que Shakespeare e os gregos já disseram tudo antes para cravar no refrão cruel: “Você tem a alma atormentada de um gênio / pena que te falte uma pitada de talento”. Com o orgão à frente, “Última Palavra” narra um fim de relacionamento cujo forte verso exprime: “Longe demais é o lugar que a gente vai pelo prazer de se arrepender”. Após o tempestade surge a calmaria de “Luz de Outono”, que prevê sabiamente: “Pode ser que algum dia que eu queime os meus livros / Jogue fora os meus discos e quebre a TV / Mas mesmo enjoado de tudo na vida / Eu sei que não vou me cansar de você”.
“Náusea” é sombria (e tem um outro ótimo verso: “O instinto mantém minhas veias abertas”); “Inevitável” é divertida e fala sobre a necessidade de composição de uma canção “pobre de idéias”; “Metamorfose” é uma declaração de amor (no jeito Lestics de fazer declarações de amor: “Ainda me surpreendem as suas metamorfoses / as mudanças de aparência / suas coleções de vozes”); a poética de “Caos” destaca outra grande faixa do álbum (“Não é possível que você não acorde / com o barulho infernal de cada estrela que explode”); a curtinha “Ego” fecha o pacote de MP3 em clima de folk blues. Juntas, as noves faixas de “9 Sonhos” e “les tics” somam 50 minutos de música inspirada, canções prontas para serem devoradas por ouvintes exigentes. Os dois discos estão disponíveis gratuitamente no site www.lestics.com.br, basta um clique sobre o nome do álbum e “salvar” para o seu computador. Minha alma, agora, está satisfeita. Vou voltar para a rotina do dia, mas se você me conhece, sabe: ainda vamos voltar a conversar sobre o Lestics.
Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
publiquei nos outros cantos, na dúvida de este comment ser publicado… ok?
ah, cara! detona todas as demos escrotas que vc receber… eu particularmente adoraria ser detonado, no caso de uma opinião inteligente e imparcial, artefato utópico no resenhismo de música. Agora, tenho a impressão de que vc me parece muito afeito a um determinado padrão musical de música de mulher feia malamada, não?
Até acredito que um ser humano gato como você possa trazer em seu íntimo alguma baranga escondida nos recônditos de sua alma, mas uma coisa que já percebi há muito tempo sobre elogios de escribas de música é que os elogios são apenas uma mostra daquilo que essas pessoas possuem de mais bacana enquanto possibilidades latentes que podem vir a se realizar…
E quanto mais vc conhece o texto de algum escriba, mais filtros vc tem à sua disposição. De qualquer forma, apesar de saber que esbravejo pejorativo é perda de tempo, às vezes me ressinto na falta de culhão de escribas de música. É tudo muito mais ligado a uma politicagenzinha rasteira do que propriamente algo digno de seriedade. heheh
abraço,
Marcus
Disquinhos bons mesmo 🙂
oi
vc é muito bacana para ter como referência alguém tão ruim como o alvaro pereira jr que é péssimo !!!!!! não é só minha opinião – mas de muita gente !! ele quer ser polêmico sem saber polemizar – totalmente desantenado e um mero tradutor da uncut e sem opinião própria ! não serve de refêrencia pra ninguém !!
Eu me senti um Idiota (na verdade eu me lembrei que sou um Idiota) por ter lhe mandado material… As vezes acabamos acreditando que as coisas podem ser diferentes… Mas no fundo, ninguém tem coragem de deixar a cara a tapa… afinal é mais fácil resanhar sobre alguém conhecido / uma banda apadrinhada / um projeto paralelo do que arriscar em algo novo. Tudo bem é um direito seu e você faz isso por gosto e até “de graça”. E como você mesmo disse, não tem mais 20 anos (está conformado por ter ficado velho, não que isso seja um probelma mas, quando a mente envelhece… aí já era! ). Pena! Tem muita banda boa por aí infinitamente melhores que CSS, Cachorro Grande, Popsonics da vida… mas você está velho demais para elas. Talvez quando outro falar de algumas delas, você resolva resenhar com maior propriedade. Tudo de bom!
Putz, muito ruim esse Lestics, mano. Indie tem que botar na cabeça que músico precisa saber compor e tocar. Não é porque a tecnologia de gravação é acessível que vc tem apertar o REC e gravar a primeira porcaria que sair.
Ual…como a galera pegou pesado!
Não saco nada de música, simplesmente gosto de ouví-las e…confesso, gostei sim e muitos de ler tudinho que escreveu aqui desde o começo da página.
Já anotei todas as dicas e vou puxar tudo mesmo, porque não ví em seus comentários nenhuma imposição pra que eu tenha tal atitude.
Dicas são sempre bem vindas, mas…isso só serve para pessoas ecléticas como eu.
A maioria ae…acho, nem sabem o que dizem (é…tem pessoas que gostam mesmo é de criticar)
Gosto, tem para todos, quando não se tem nada para dizer o melhor a fazer é calar a boca!
O mundo precisa de paz! rs
Amei teu blog, vou continuar acompanhando, fique certo disso!
Galerinha ae acha que tuas críticas tem a ver com idade?
sendo eles tão novinhos…pq estão assim tão incomodados com certas indicações?
Vc é o velhinho e eles é que são os ranzinzas??
Heheheheh, liga não! A vida tem dessas coisas!
ainda volto pra dizer “com classe” se…gostei ou não das tuas indicações, ok???
bj
Fala!!! Sempre me identifico com o que escreve,com os sons e opiniões… Como tb faço música, sempre fico tentado a te mandar algo, porém pensava em um comentário mais pessoal. Não pensava numa resenha no blog, meu trabalho é pra mim e para amigos… Fiquei animado ao ler sua resenha por estar enrolando pra baixar os 2 discos… mas não sei se um dia te mandarei algo, por mais que acredite que a música ainda pode salvar alguém, como acho que vc pensa!!! Grande Abraço
Marcelo, há pouco descobri esse site e gosto muito de acompanhar suas resenhas. Já é um dos meus RSS favoritos. A dúvida é a seguinte. O zine Scream & Yell já foi chamado apenas de Yell? Depois explico o porquê da dúvida! Abraço!
Olá, eu disse que voltaria e voltei! (afinal de contas sou uma internauta at %!@$&@#não minto como faz a maioria,rs)!
Aliás queria mesmo comentar, pelo menos dois CDs dos cinco que puxei e…que já consegui ouvir!!!
Os “Lestics-9sonhos”, excepcional…(aliás, descobri porque a maioria da galerinha te chacoteou! ká entre nós, eles não são portadores de um certo grau de inteligência, que se faz necessária para entender e apreciar os 9 sonhos, que, diga-se de passagem não tem nada de sonhos…é tudo uma bárbara realidade!
A primeira música, a dos Elefantes…na minha opinião…que discorda com a tua, eles fazem uma tremenda alegoria ao governo, pelo menos na minha maneira de ver as coisas tudo se encaixa muito bem..
A faixa que diz sobre o corpo humano se desmanchando…nossa, achei muito, muito genial mesmo! A faixa que fala da mulher dos muitos membro, bocas…ahahahah, me senti lisonjeada, percebi nela uma louca valorização por nós, heuahuaahau
Enfim curti o cd desde a primeira audição como se já tivesse ouvido várias vezes.
Bom…acho que já falei d+ por hoje, hehehehe, mas…ainda volto para comentar os outros três, ok???
bjs
Então, eu havia perguntado sobre o Yell, porque minha banda tinha sido resenhada nesse zine há muito tempo. Achei que talvez pudesse ter sido você!
No nosso site tosco tem a resenha, se quiser dar uma olhada…
Abraço!