por Marcelo Costa
O mundo precisa de amor, ok? Humm, entre outras coisas, pode ser que sim, pode ser que não. Na verdade, o mundo precisa tomar vergonha na cara, assumir seus erros, deixar de choramingar pelos cantos, acreditar em um futuro melhor, e parar de reclamar enquanto este futuro não se transforma em realidade. E ouvir Leonard Cohen. Ele não é o mais feliz dos caras que já pisaram no Planeta Terra (na verdade, ele deve estar nos últimos lugares da fila, se preparando para apagar o luz quando a Terra dizer adeus para o resto do espaço), mas sabe falar de amor, se apaixonar, reclamar e sofrer com uma dignidade rara em tempos de relacionamentos politicamente corretos.
Quando decidiu ser cantor, em 1967, Leonard Cohen já vinha de uma elogiada carreira como poeta. Ao se lançar no mundo pop com folk songs que exalavam amor e ódio, Cohen abria um território novo para a literatura, e esta iniciação se deu, principalmente, com a trilogia de álbuns que chega agora, remasterizada, ao mercado, visando comemorar os 40 anos do primeiro disco do poeta canadense. “Songs of Leonard Cohen” (1967), “Songs From a Room” (1969) e “Songs of Love and Hate” (1971) trazem tudo o que você precisa ouvir de Leonard Cohen, não desmerecendo a discografia posterior, que deve ser redescoberta após essa apresentação inicial.
A história toda começa com o quase best of “Songs of Leonard Cohen”, álbum que traz canções emblemáticas como “Suzanne”, “Sisters of Mercy”, “So Long, Marianne” e “Hey, That’s No Way To Say Goodbye”. Cohen canta de forma jovial nesta estréia, modo que ele iria abandonar nos álbuns posteriores em favorecimento de um modelo grave de cantar. A tristeza está presente, mas o encantamento é notável desde os primeiros acordes de “Suzanne”, canção que narra a paixão real do poeta por uma mulher casada, até seu encerramento, com “One of Us Cannot Be Wrong”, que traz o personagem da letra exibindo seu coração a um doutor, que prescreve o nome da amada como cura para todo seu sofrimento. Nesta reedição, duas bônus das mesmas sessões do álbum: “Store Room” e “Blessed Is The Memory”, que ao contrário das dez faixas do disco, essencialmente acústicas, trazem bateria, guitarra e órgão hammond.
“Songs From a Room” inicia o processo de rendição ao desespero que se concluirá (e persistirá aqui e acolá na obra musical do bardo) com o álbum seguinte, “Songs Of Love and Hate”. A produção dos dois álbuns, a cargo de Bob Johnston, torna o som mais grandioso com o acréscimo de cordas, contrabaixo, guitarra e efeitos. Cohen praticamente se esconde na capa de “Songs From a Room”, que traz faixas luminosas como “Bird on the Wire”, “The Butcher”, “The Partisan” e “Tonight Will Be Fine”. Como bônus dessa edição, demos de “Bird on the Wire” (sem as cordas) e “You Know Who I Am”, que nada acrescentam a obra, mas servem como curiosidade em um belíssimo álbum que funciona como ponte de ligação entre o acanhado compositor da estréia e o dramático interprete que surge no álbum seguinte.
O fundo do poço coheniano encontra-se no poderoso “Songs Of Love and Hate”. A voz cavernosa do poeta se faz notar logo na faixa de abertura, “Avalanche” (não a toa, regravada por Nick Cave), cuja letra diz: “Você que deseja conquistar a dor, deve aprender o que me faz amável / as migalhas do amor que você me oferece, são as migalhas que eu deixei atrás / sua dor não é nenhuma credencial aqui, é apenas a sombra, sombra de minha ferida”. “Dress Rehearsal Rag” aparece em sua versão original, do ano anterior, inferior a oficial presente em “Songs Of Love and Hate”. Já “Famous Blues Raincoat” (uma das cinco músicas preferidas de Ian McCulloch, Echo and The Bunnymen, em todos os tempos) exibe o caráter pessoal do disco: o poeta termina a letra assinando “Sinceramente, L. Cohen”. Há aqui – mais do que nos dois álbuns anteriores – uma ironia que brilha tanto quanto a dor (seja na capa, que traz um Cohen barbudo e rindo abaixo do título “Canções de Amor e Ódio”; seja nas letras, como na brincadeira dos versos de “Love Calls You By Your Name”).
Além de boa música, nestes três álbuns que chegam remasterizados às lojas, a poesia de Leonard Cohen (hoje com 72 anos) ganha um acompanhamento especial: letras (ou poesias, como queira, leitor) desenhos de próprio punho e fotos de época selecionadas pelo próprio poeta. E um texto ilustrativo, que analisa a produção de cada um dos três discos, assinado por Anthony DeCurtis, editor da Rolling Stone americana. “Songs of Leonard Cohen”, “Songs From a Room” e “Songs of Love and Hate” servem para explicar a devoção de gente como Michael Stipe (R.E.M.), Bono (U2), Jarvis Cocker (Pulp), Nick Cave, Morrissey, Ian McCulloch, Renato Russo (que gravou uma versão de “Hey, That’s No Way To Say Goodbye”, registrada no CD póstumo “O Último Solo”) e Jeff Buckley a este homem. O mundo precisa de amor, ok. Mas de ódio também. Não sejamos cínicos. Ou melhor: sejamos. Leonard Cohen viu o futuro, leitor: é violento. Preste muita atenção nesse homem, e olhe dos dois lados quando for atravessar a rua.
Songs of Leonard Cohen, Leonard Cohen (Columbia/Sony/BMG/Legacy)
Songs From a Room, Leonard Cohen (Columbia/Sony/BMG/Legacy)
Songs of Love and Hate, Leonard Cohen (Columbia/Sony/BMG/Legacy)
é maravilhoso mesmo!
fala!
sabe um lance que eu percebo em certos escribas no jornalismo de música? é uma certa tendência à exaltação do sofrimento – não como uma espécie de libertação, o que poderia ser interessante – mas sim como uma forma de drenar uma certa beleza doentia que haveria na dor. putz, aí é %!@$&@#
e o interessante é que o leonard cohen não parou no tempo. hj é um velhote tranqüilaço, mais voltado aos prazeres comuns do dia-a-dia, aos quais somente uma perspectiva privilegiada poderia atribuir beleza sem que esta se atenha à banalidade ou ao protocolo. abrç
leonard cohen é acima da média, é música que foge da minha compreensão, de tão especial que é.
legal saber que vai ter material remasterizado dele no mercado, merece bastante um tratamento adequado.
e a minha namorada tem um livro dele e parece que o cara é bom em literatura mesmo, não é só um desses que brincam de multimídia.
Eu ainda caso com ele.
Mas o Leonard Cohen de hoje provavelmente é bem diferente, não? Sei lá, particularmente não compararia Leonard Cohen com bandas emo.
Mas como assim “som fake de guitarras”? Som verdadeiro de guitarras seria somente o da guitarra plugada no ampli, certo? O som recheado de efeitos do Jonny Greenwood seria fake? Não entendi!
Arnowdo em seu trabalho transbordava humor incomum. E isso é mérito! Também não o compararia com o Cohen. As coisas foram niveladas tanto pela média que acaba rolando comparação entre trabalhos distintos entre si. E o negócio de a carne ser triste é coisa de vegetariano! heheh abrçs
ah sim! vc se refere a automatismo técnico de guitarrista, certo? beleza! no entanto, vale lembra que nem todo feeling vislumbra o sublime, alguns almejam o incômodo, o grotesco…
concordo quanto aos demais tópicos. heheh
abçs
Por acaso o tal do “mundo”, lá no início do texto, também atende pelo nome de Mariana?! Ah tá.
hehehe.
Adorei seu texto, Má. Mas vem cá… quando é que essas coleções caem na rede?! Quero links. 😉
Beijos.
Esse disco de estreia do Cohen é absoluto…conheci la pelos idos dos 18 anos por um amigo que hoje capitanea o projeto Telesonic…depois foi correr atras de mais coisas do cara, faz tempo que nao escuto, mas seu texto deu vontade de dar uma passeada por estas cançoes novamente…
Abraços,
🙂
🙂 🙂 😉
…e os poemas que ele não musicou. ´we só procurar no Google e achar pérolas inacreditáveis como: Before your death and beyond – uma obra prima!