Texto por Marcelo Costa
Fotos: Liliane Callegari e Marcelo Costa
Para todos aqueles que se assustaram com as imagens de violência na Praça da Sé, na madrugada de sábado para domingo, durante o show dos Racionais MCs na Virada Cultural, é importante frisar que este incidente isolado não pode macular o grande acerto da programação que aconteceu na cidade de São Paulo de 18h do sábado até às 18h do domingo. Se as imagens fortes da madrugada de sábado lhe impressionam, a Revoluttion disponibiliza abaixo imagens dos cinco shows que assistiu durante o evento, alguns deles até já dão saudade, de tão sensacionais que foram. Nem tudo foi confusão em São Paulo. Houve, também, boa música e momentos históricos.
Paulinho da Viola, MIS, 00h15m
“Essa canção que eu vou cantar era uma das preferidas da minha avó. Ela sempre me pedia: ‘Paulinho, grava essa música de novo’. É uma parceria minha com o poeta Capinan, e a gente escreveu ela no Festival da Record, em 1966, e ela ficou com o terceiro lugar. É mais ou menos assim”. E foi assim, contando histórias, que Paulinho da Viola encantou o público do MIS, em São Paulo, já na madrugada de sábado para domingo, na Virada Cultural.
O show previa 180 felizardos na plateia. Este público deve ter chegado aos 200, com muitas pessoas sentadas nos corredores laterais para prestigiar o grande sambista. O ambiente intimista só aumentou a cumplicidade (tímida) de Paulinho da Viola com seu público devoto. Ele, com a voz baixa, contando causos e buscando canções na memória, enquanto um trio de instrumentistas aguardava à hora de entrar no roteiro programado. “Eu sei que vocês estão ansiosos para tocar, mas me deixa lembrar esse samba”.
E assim se seguiram improvisos (e histórias), como a deliciosa versão para “Jogando com o Capeta”, de Moreira da Silva, e o samba “O Velório do Heitor”, com Paulinho buscando a letra na memória, e divertindo a todos com a inusitada chegada da dama de preto no velório do respeitado trabalhador. Não faltaram clássicos: “Pecado Capital”, “Sinal Fechado”, “A Dança da Solidão”, “Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida”, “Coisas do Mundo, Minha Nega” e “Eu Canto Samba”.
Entre os grandes momentos da noite, dois mestres e uma canção inédita. Contou Paulinho: “Eu estava na casa da Marisa (Monte), relembrando uns sambas antigos, quando o Arnaldo Antunes chegou. E ele é uma pessoa muito dócil e atenciosa. Uns dias depois eu fiz uma brincadeira. Deixei uma melodia minha, um samba antigo, anos 40, e pedi para a Marisa dar a ele, para que ele colocasse letra. Era uma brincadeira, e eu achei que ele não fosse aceitar. Uma semana depois a Marisa me liga: ‘Paulinho, aquele samba que você deixou já tem letra, e eu entrei como parceira’”. Então ele tocou “Talismã”.
Dois mestres marcaram presença no repertório do show: Lupícinio Rodrigues com “Nervos de Aço” (grande sucesso na voz de Paulinho) e Cartola, no segundo bis, com uma tocante versão de “Fiz Por Você O Que Pude”, em que o sambista relembrou a história de que Cartola deixou de cantar a música, envergonhado, quando lhe disseram que ele havia colocado uma palavra errada no samba. “Muda a gramática, mas não o samba”, brincou Paulinho da Viola, aplaudido de pé pelo público do MIS.
Maria Alcina, Teatro São Pedro, 15h
O charmoso Teatro São Pedro, datado de 1917, e localizado no começo da rua Barra Funda, recebeu a irreverente e divertidíssima performance de Maria Alcina, no meio da tarde de domingo. Acompanhada de um quarteto, a cantora centrou seu repertório em canções de Carmen Miranda, e presenteou o público com uma apresentação contagiante entre sambas-canção (“A Estrela Dalva”) e as famosas marchinhas de carnaval, que culminou com Maria Alcina tirando uma pessoa do público para sambar no gargarejo.
Com várias trocas de figurinos e uma empolgação de menina que valoriza ainda mais seus 34 anos de carreira, Maria Alcina fez o teatro tremer ao som de dois de seus maiores sucessos: “Kid Cavaquinho”, de João Bosco e Aldir Blanc, e “Fio Maravilha”, de Jorge Ben, música com a qual ela estreou como cantora defendendo a canção em um festival, em 1972, e que retornou empolgante no bis, para fechar uma apresentação irreparável.
Garotos Podres, Rua Barão de Itapetininga, 13h15
“Nós estamos completando 25 anos… sem sucesso”, contou o vocalista Mau, dos Garotos Podres, para uma horda de fãs punks que sabia de cor todas as canções que o grupo gravou neste um quarto de século em que está em atividade. Assim, na hora que anunciou sua primeira música censurada, a clássica “Johnny”, a multidão foi ao delírio, e com punhos cerrados e corpos sendo jogados ao alto, cantou a história do rapaz desordeiro que veio parar no Brasil, “aquele país que está na corda bamba, que só tem carnaval, futebol e samba”.
O show previa a apresentação completa do álbum “Mais Podres do Que Nunca”, de 1985, mas a banda não limitou seu repertório, tocando canções mais novas como as versões de “Born To Be Wild” (vertida fielmente no refrão como “Nasci Pra Ser Selvagem”, mas com uma letra sarcástica e divertida), “Ainda Vamos Aprender a Tocar Bossa Nova” e “A Internacional”, este último um poema de Eugêne Pottier escrito em 1871. Mas as que mais agitaram o público foram as clássicas “Papai Noel, Velho Batuta”, “Anarquia Oi”, “Subúrbio Operário” e “Vou Fazer Cocô”.
João Donato, Theatro Municipal, 21h
A fila ao redor do Theatro Municipal dava voltas, mas o show começou pontualmente às 21h, sem atrasos, com os 1580 lugares do teatro totalmente tomados. João Donato entrou no palco “donaticamente”, vibrando com os aplausos calorosos, e se escondendo sobre o gorro de uma blusa. Assim que sentou ao piano, começou a desmascarar uma de suas obras primas, o álbum “A Bad Donato”, de 1970.
Comandando a apresentação, Donato regia a banda na hora dos solos, tanto dos metais (Ricardo Pontes, no sax e flauta; José de Arimatéa inspirado no trompete; e Bocato sempre arrasador no trombone) como no baixo de Luiz Alves, na bateria de Robertinho Silva e nos efeitos do teclado de seu filho Donatinho, com pose de rock star que conquistou a platéia.
No repertório, além das canções do “A Bad Donato” em longos e matadores improvisos (como “A Rã”, “Mosquito” e “Malandro”), também marcaram presença “Amazônia” (em uma versão acachapante), e “Bananeira”, que finalizou o show com João Donato nos teclados, solando o refrão da música enquanto Donatinho martelava as mesmas notas no piano. Um dos grandes momentos da Virada Cultural, e da música popular brasileira neste ano.
Jards Macalé, 3h, Theatro Municipal
Quem esperava um teatro vazio às 3 da manhã para assistir Jards Macalé apresentar o repertório de seu álbum de estréia, se enganou profundamente. Tomado – novamente – pelo público, o teatro veio abaixo assim que o compositor apresentou os músicos de sua banda: Arismar no baixo, Robertinho na bateria e… Lanny Gordin, na guitarra. Nada mais lógico, já que Lanny gravou todas as guitarras e baixo do álbum “Farinha do Desprezo”, debute de Macalé em 1972, uma obra-prima da música (im)popular brasileira.
O show seguiu a ordem do disco, abrindo com uma monumental versão de “Farinha do Desprezo”, e manteve o êxtase do público em alta com versões acachapantes de “Revendo Amigos”, “Let’s Play That”, “Meu Amor me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata”, “Farrapo Humano”, chegando ao ponto mais alto em que um show pode chegar – musicalmente, liricamente e emocionalmente – nas versões de “Movimento dos Barcos” e, principalmente, “Mal Secreto”, um momento mágico de beleza.
“Quando eu estive em Londres, em 1971, para gravar o ‘Transa’, do Caetano Veloso, eu comprei essa boina. Na volta, nós entramos no estúdio, eu e Lanny, e gravamos esse álbum que está sendo apresentado aqui. É bom saber que essa boina ainda cabe na minha cabeça depois de tanta porrada que eu tomei na vida”, brincou Macalé, encerrado o show, no bis, com uma versão de “Vapor Barato”. Histórico.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Liliane Callegari (@licallegari) é fotógrafa e arquiteta. Veja galeria de fotos do show aqui
Leia também:
– Virada 2007: Paulinho da Viola, Maria Alcina, Garotos Podres (aqui)
– Virada 2008: Luiz Melodia, Vanguart, Tom Zé, Ultraje (aqui)
– Virada 2009: Wando, Odair José, Los Sebozos Postiços (aqui)
– Virada 2010: Céu, Tulipa Ruiz, Raimundos (aqui)
– Virada 2012: Man Or Astro-Man, Defalla, Titãs, Pinduca (aqui)
– Virada 2014: Ira!, Juçara Marçal, Falcão, Pepeu Gomes (aqui)
– Virada 2015: 51 shows que o editor do Scream & Yell gostaria de ver (aqui)
É verdade que o fato NÃO ISOLADO do show dos Racionais – Já que em outros lugares como na XV se Novembro e Rua Direita ouve briga e clima de tensão – não pode macular todo o evento, mas não devemos colocar panos quentes e achar que está tudo bem. Chega de proteger não sei quem, chega de ter medo de dizer que o que aconteceu foi um caso isolado. Eu estava lá e vi coisas que colocaram sim uma dose de tristeza para o evento e gente poderia ter morrido, eu mesmo tive que fugir. Muitos shows foram ótimos e tranquilos, mas faltou maior responsabilidade por parte da segurança, da organização e das pessoas que foram lá para extravazar sua raiva em pessoas que apenas queriam se divertir. É preciso pensar bem, antes de dizer que àquele foi um fato isolado. A imprensa precisa cumprir melhor o seu papel em divulgar a verdade sobre a Virada. Senão corre-se o risco de esquecer fatos que poderiam ajudar isso a não se repetir no próximo ano.
Concordo que um movimento isolado não pode subjulgar um grande evento como a “Virada Cultural”. Vários shows foram um sucesso, principalmente aqueles realizados na região central, mas o show que eu pretendia assistir em Guaianazes foi uma desordem, atrasos, cronogramas alterados, falta de condução para alguns bairros, embora a prefeitura tenha alegado que “tranportes funcionariam sem interrrupção”. Acho que os horários devem ser pré definidos, justamente para que a pessoa possa acompanhar o show de sua preferência, a alteração em cima da hora fez diversas pessoas se sentirem enganadas, como eu que tinha intenção de ver Arlindo Cruz e Leci Brandão, a 01h e 03hs da manhã, fiquei no evento da 01 as 04:30hs e não vi nenhum dos dois… “Promessa de Político”… p/ periferia tudo é mais difícil…
Caramba, esse show do Paulinho da Viola deve ter sido excepcional mesmo.
Vendo os Garotos Podres me lembrei da minha adolescência, Papai Noel Velho Batuta é sensacional!
Até hoje quando chega o natal me lembro dela.
Marcelo, tb sou eclético como vc, graças ao bom Deus, mas Maria Alcina eu não engulo não. ehehhehe
Concordo com o que o pessoal anda dizendo. No palco da São João, pelo tempo que fiquei, na verdade tive mais medo de morrer esmagada ou desmaiar sem ter socorro médico fácil do que qualquer tipo de briga, e talz. Mas também não dá pra desmerecer o evento e, sim, como muitos já disseram, analisar o que rolou para que o do ano que vem seja melhor ainda. De qualquer forma, achei a cobertura do IG a melhor que foi feita até agora via net da Virada, porque não ficou só no quebra-quebra. Consegui saber como foram muitos dos shows, mesmo que pela ótica do jornalista que ali estava. Parabéns a vcs.
Pô, dá os sobrenomes dos caras:
Arismar do Espírito Santo ( baixo ) e Robertinho Silva ( bateria)
Inveja de você que viu todos estes grandes caras, Mac!
E valeu pelo CD do Ronei Jorge! ;o)
cara, corri tanto que não fui em nenhum!!