Entrevista – Wander Wildner
Texto e foto: Marcelo Cosa
Essa entrevista foi feita no apartamento de Wander Wildner, em São Paulo, no segundo semestre de 2006. Após uma enorme edição, 1/5 do texto original foi publicado em três páginas da revista Rock Life, e a integra era para ter vindo ao S&Y um bom tempo atrás, mas a correria acabou fazendo com que a fita com a gravação do papo fosse ficando encostada ao lado do computador. Algumas coisas aconteceram nesse ínterim, como o fato de Wander, novamente, ter deixado os Replicantes, desta vez para ceder o lugar a Julia Barth, atriz, cantora e apresentadora. Mas a ideia geral que essa conversa exibe permanece a mesma: Wander Wildner está em paz.
Aproveitando que o bardo punk brega está retomando sua temporada de shows no Café Camalehon, em São Paulo, todas as quintas de março, segue a integra da conversa, feita após a turnê europeia que Wander protagonizou ao lado dos Replicantes, e que contou com 26 shows em 29 dias passando por sete países, contabilizando mais de 10 mil quilômetros rodados em uma van. Enquanto retoma os shows paulistanos, ele prepara o repertório para o seu quinto disco de inéditas, ainda sem nome nem produtor, dois novos DVDs (uma coletânea de clipes de sua carreira solo e um registro da segunda viagem à Europa d’Os Replicantes) e um livro (que narra as aventuras da banda gaúcha em terras europeias).
Mesmo com tantos projetos, Wander Wildner parece um cara calmo, que impôs seu ritmo pessoal para uma cidade cuja velocidade atropela os incautos. Sossegado, ele pega uma cerveja importada, abaixa o volume da televisão e abre o coração roqueiro: “Não me vejo um cantor. Estou cantor. Mas não tenho obrigação de fazer nada”, garante. “Vou levando as coisas conforme as coisas vão surgindo. Muitas vezes eu coloquei a carroça na frente dos bois, agora estou aprendendo a não fazer isso”, assume com jeitão de quem aprendeu a dominar os próprios fantasmas. Com vocês, Wanderley Luiz Wildner.
Como foi essa turnê com os Replicantes? Foi a segunda, né?
Sim, a segunda. É foi mais do que uma turnê. Porque uma turnê é aquilo que tu imagina aqui no Brasil, mas como é pelo circuito alternativo, punk, hardcore, e como é um tipo de turnê que várias bandas fazem há muito tempo, ela tem uma característica que é de um pessoal punk, alternativo, sem grana. São bandas em que o pessoal vive de música, mas não rola muita grana. Os caras fazem um mês de show, show todo dia. Show normal. Então eles dão uma parada, sei lá, de um mês, dois. Isso acontece cada vez que lança um disco. E eles podem fazer turnê direto só na Alemanha. Pode fazer um mês só no leste europeu, pegando Tchecoslováquia, Polônia até a Rússia. Pode fazer um mês, de repente, só na Escandinávia. Um mês só no sul, pegando Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Itália. Então tem lugares pra caramba. Com certeza, na Alemanha dá para fazer dois meses de show por ano tocando sempre em lugares diferentes. É possível. E é como se fosse um rally, que é como nós quatro gostamos. Tu acorda, toma café da manhã, pega a van e tem que chegar em uma outra cidade. Através de mapa, descobrir o lugar, chegar lá, pessoas novas, bandas novas, fazer um show, comer uma janta, tomar cerveja, ver onde é que é o lugar para dormir, fazer festa, dormir, e, no outro dia, acordar, tomar café de manhã e ir para um outro lugar. E isso todo dia é uma loucura. É todo dia isso. E essa viagem pode durar de uma a treze horas. A maior que a gente fez foi treze horas, de Hamburgo para Viena. Saímos do norte da Alemanha e fomos até o sul da Áustria, atravessando. E parando, claro. Apesar das autoestradas serem rápidas, a gente vai parando, no tempo nosso. Mas é o dia inteiro andando de van e vendo a Europa pela janela.
Quantos shows foram nessa turnê?
Foram 26 em 29 dias.
Quantos países?
Seis. Suíça, Alemanha, Suécia, Noruega, voltamos para a Alemanha, Áustria, Eslovênia e voltamos para a Alemanha de novo. A Alemanha foi onde a gente mais tocou.
Houve diferenças dessa turnê pra primeira?
Dessa vez eu levei uma câmera de vídeo e gravei 25 horas. O Cláudio comprou uma câmera lá. Ele foi com a namorada, e eles gravaram 22 horas. A gente gravou mais material nessa turnê. Eu imagino… quer dizer, fazer um DVD é bem diferente do outro. O outro não foi feito por nós. Esse eu quero fazer. O outro foi feito por dois a amigos que foram na primeira turnê e ele é como uma fita de vídeo: você dá play e vê tudo até o final. Foi mais ou menos na ordem dos shows que a gente fez, uma música em cada lugar. Nesse estou imaginando colocar tudo que tem de legal nas nossas fitas. Colocar muito de conversa, coisas assim como nós comendo, nós na van dizendo alguma coisa, pegar situações interessantes.
Pegar mesmo o real da turnê…
É, é. E não tão curto como o outro DVD. Nesse eu imagino ver o que tem de material e tentar colocar tudo. Para ser uma coisa mais louca, mais pirada. Ver as músicas legais que estão com um áudio bom. Fazer clipe de alguma música. Fico imaginando colocar extras, como vídeos de bandas que tocaram com a gente. A gente gravou uma música de cada banda que tocou na mesma noite. Então tem muito material. Tem bandas legais que tocaram. Isso é uma coisa diferente. Mas, no mais, foi o mesmo tipo de turnê. A gente levou mais material para vender. Também gastamos mais dinheiro na viagem. A gente é uma banda bem diferente das outras que fazem esse circuito. Porque os Replicantes não vivem só de música e eu não vivo só dos Replicantes. Eu vivo de música, mas não só dos Replicantes. Então todos nós temos outros trabalhos, e a gente viaja com o intuito de fazer essa aventura. Não tem aquela coisa de “vai sem grana e volta devendo o mundo”. Pra nós é mais tranquilo. A gente sempre diz que é férias também.
Vocês descansam trabalhando…
É, mas é que o trabalho também é uma diversão. Tem essa aventura. É exatamente como se inscrever em um rally. Mas no rally você paga para se inscrever. Se você não tem alguém para te patrocinar, você vai ter que bancar o carro, a sua equipe. É a mesma coisa que a gente faz. Tem que alugar uma van, tem que pagar a passagem de avião. Voltou nada. Deve ter voltado 400 dólares. Pra banda voltou 340 euros pra caixinha. Do que sobrou das vendas. Pois tem que pagar o diesel, a diária da banda…
Quantos dias no total?
Eu fiquei mais. Eu fui uns dias antes e fiquei um tempo depois, mas a banda ficou 29 dias. Eles chegaram em um dia e já teve show no outro, e começou. No penúltimo dia teve um show e no dia seguinte eles voltaram. De turnê foram 29 dias e 26 shows.
Como é a recepção ao Replicantes por lá?
É boa. A sorte nossa é que fazemos old school, entende, que é o punk rock Sex Pistols, Dead Kennedys. Esse é o nosso tipo de rock, e é chamado old school. Pouquíssimas bandas fazem old school hoje em dia. Pouquíssimas. Então, no cartaz sempre tem isso: “Brazilian Old School”. Tanto que o nome da coletânea que a gente gravou ao vivo para levar nessa turnê é “Old School Veterans Braziliasta”, que é o nome de uma música que a gente fez depois que a gente voltou da primeira turnê falando das diferenças. Então eu sugeri que esse fosse o nome dessa turnê nova. Já que os caras explicam nos cartazes o nome da banda, esse tem que ser o nome do nosso disco (risos). É muito óbvio para mim. E também é o nome de uma música. E também é uma verdade. Quer dizer, é uma coisa perfeita, bem legal. Então, com isso, eles vão pro show pensando: “uma banda brasileira que faz old school”. Já é uma coisa interessante, uma novidade. E eles começam a ouvir… e diferente da outra turnê, nessa eles se empolgavam desde o começo do show. Na outra eu me lembro que eles começavam a balançar a cabeça, se mexer, só lá no meio do show eles estavam dançando. Nessa não. Nessa eles dançavam desde o começo. Talvez porque nós tivéssemos chegado mais embalados nessa turnê, eu acho.
Vocês chegaram a repetir lugares nas duas turnês?
Sim. Acho que uns seis lugares. Hamburgo a gente tocou no mesmo festival.
Rolou de alguém chegar em vocês e “eu vi tal show”?
Tem gente que viu vários shows, que seguiu a gente. Teve um brasileiro que, inclusive, estava com uma filmadora, e ele seguiu pelo menos duas vezes com a gente, pegando carona na van. Na outra vez tinha acontecido de um pessoal que tinha visto a gente em um outro show. Mas, assim: a gente tocou para poucas pessoas. Fora festival, que tinha mais gente, na maioria dos shows a gente tocou em lugares pequenos. Eram squats com 50 ou 100 pessoas.
Mas é esse o normal, não?
Sim, esse é o normal. Mas depende de quantas vezes você toca por lá. Banda que toca mais, vai mais gente. Teve alguns shows maiores, como o festival em Hamburgo, que foi grande, que tinha duas mil pessoas na rua. Era ao ar livre, uma festa do caralho. Mas a média são shows pequenos. O cachê é 100 euros por show. Imagina: é 300 pilas (risos). É ridículo…
Já dá para pagar a gasolina… (risos)
A gasolina e os 50 euros da van, entende. É ridícula a história. Claro que, para o pessoal que mora lá, eles têm um público maior, eles fazem mais shows, mas eles moram em squats. Eles vivem com pouquíssimo dinheiro. Eles são pobres. Essa é uma característica desse circuito. São pessoas que vivem de uma forma alternativa e são completamente contra o consumismo, contra o capitalismo, mas ao mesmo tempo vivem do resto disso. Eu acho que eles perdem um pouco de tempo falando mal ao invés de produzir. Isso foi o que mais notei desta vez. Na primeira turnê eu achei muito legal a história. Nessa já foi diferente. Achei um bando de adolescente rebelde reclamando, mas reclamando com seguro desemprego, num lugar em que existem leis que permitem que você invada uma casa, uma puta de uma casa, e fique com ela até a polícia te tirar, o que pode levar um ano, dois, três, quatro. Então é muito fácil ser contra. Caiu a ficha sobre esse circuito. Isso daí eu conheço. Ficar reclamando existe em qualquer lugar do mundo. E, provavelmente, não vou voltar a fazer um circuito assim. Comecei a abrir uma frente por lá para o meu trabalho solo. Um brasileiro que mora na Alemanha, que é desenhista, escreveu para mim dizendo que podia arranjar um show lá. Ele tem uma banda chamada Salto Alto, que é um power trio com uma alemã na batera e um alemão no baixo e ele na guitarra. Ele marcou o show, nos recebeu, um lugar do caralho, não era um squat, era uma casa antiga como um squat, mas era um bar. A banda dele tocou, e eles fizeram uma versão do Júpiter Maça. Foi muito legal, e um contato bom. Então pensei: quero fazer a minha turnê, mas não em squat, que é uma turnê mais de som punk, até mesmo porque eu quero outra história. Isso eu já fiz duas vezes. Então ficamos de procurar lugares, pois tem tudo quanto é tipo de lugar. Como tem uma turnê punk pode ter uma turnê de bossa nova, de jazz, de blues, de tudo. Eu quero uma turnê em lugares mais alternativos, em bares, com um público mais abrangente, não só essa parte com uma característica punk.
E como é o público que freqüenta um squat, como é o som?
Rola muito punk, mas teve vários lugares em que o som que tocava enquanto as bandas não estavam tocando era o rock alternativo que todo mundo conhece. Bah, o som que rolava era muito bom, abrangente pra caralho.O pessoal é bem variado. Estou te falando assim porque estou identificando em palavras, estou generalizando para te dar uma ideia, mas os lugares podem ser frequentados por qualquer tipo de pessoa. Era só saber que tinha show. Não quer dizer que se você não é punk não pode entrar no lugar. Imagina. Não tem nada disso. É que a característica maior dos lugares era de squat com ocupação de pessoas mais punks. Tocamos em young centers, que são centros jovens mantidos pela prefeitura. Existem muitos destes nas cidades do interior. Tem bar, mas não pode vender bebida alcoólica, tem comida, tem som, palco, iluminação, cursos de música, cyber, tem tudo. E se um grupo de jovens – pode ser de metal, de punk, de música clássica – quer fazer um show, vai lá, marca uma data, fazem o show, limpam e tal. São os young centers. São bem legais, mais organizados. Eles têm um dinheiro em caixa pra pagar o cachê da banda. Bem bacana. É um lugar bem mais alternativo em que se encontrava um tipo de pessoa mais jovem vestida de punk, que passa sabão no cabelo, e que muita gente chamaria de punk de boutique, mas são jovens, adolescentes. Eles são diferentes daqueles punks que vivem em squats. Eles são punks porque essa é a tribo deles. É bem abrangente o circuito alternativo.
E essa turnê vai virar livro também?
Eu convidei o Leonardo Panço para ir junto, porque ele tinha uma turnê marcada da Jason e então pensei nisso do livro. Ele é legal, amigo, e escreve, é jornalista. Ele montou a turnê do Jason um mês e meio antes da nossa. A gente alugou a mesma van. Ele ficou lá, está em Berlim. E tem essa ideia de escrever o livro. Ele escreveu coisas. Eu fiz algumas anotações…
O livro do Jason é bem legal…
É. Quem montou aquela turnê do Jason foi o mesmo cara que montou a nossa, o Zé, do No Rest, amigo nosso lá do Sul. Eu quero ver como vai ficar. Eu conheço o texto dele. Comecei a escrever um diário, mas eu não sou muito de escrever. Eu não gosto de escrever. Eu realmente preciso de pessoas que escrevam coisas, e trabalhar em cima disso. Fico imaginando pegar o que ele escreveu e, junto ao diário que eu fiz, fazer comentários, acrescentar coisas, em um texto paralelo. Talvez fazer notas de rodapé ou fazer uma coluna na lateral em que eu possa fazer os meus comentários. Irá ter menos texto meu do que dele, isso eu já tenho certeza, até porque eu fui com a ideia de escrever, mas fui diminuindo. Nos três últimos dias não escrevi nada. Coisas da viagem. A viagem é tão dinâmica e emocionante que ela é maior do que tudo. Teve uma hora em que eu parei de filmar bandas. Isso foi alternando. Mas não é nada pra agora, livro e DVD. São projetos para mais tempo.
Até mesmo para você se desligar da viagem…
Exatamente. Eu comecei a ver as imagens assim que cheguei e não gostei. “Não, eu não quero ver isso”. Até queria editar para fazer um clipe, mas cheguei à conclusão que aquilo tudo estava muito novo para mexer. Mas as idéias estão surgindo… imagina decupar 50 fitas, cara. Então vou fazer isso com tempo. Realmente não é um projeto pra agora. Estou imaginando este ano divulgar esta coletânea e começar a gravar o meu disco. Mas está faltando o mais importante: um produtor. Já comecei a gravar algumas coisas com o Kassin, no Rio, mas parei. Eu não consigo ficar no Rio. Sem o Tom (Capone) é muito difícil. É meio estranho. E ficar lá sem fazer nada esperando o tempo do Kassin é muito difícil pra mim. Consigo ir para o Rio para fazer show. Vou pra lá há bastante tempo, desde que eu trabalhava com iluminação. Mas depois que comecei minha carreira solo, que começou com a história do Tom – eu estava fazendo shows em Porto Alegre e ele me chamou pra gravar o disco no Rio. Agora é difícil. O Kassin é legal, mas tem essa coisa de que é no Rio. O Thomas (Dreher) é bacana, mas também não é tanto um produtor, e é em Porto Alegre. Aqui em São Paulo ainda não sei, não descobri ninguém. Então não sei como fazer esse disco. Mas eu quero fazer. O que vou começar a fazer ao mesmo tempo é o meu DVD, com todos os clipes, alguns shows que eu tenho, quero montar no computador, em casa. Vou fazer junto, mas só vou fazer o meu disco se aparecer alguém legal com uma ideia legal. Tenho as músicas, mas não quero entrar no estúdio e gravar do meu jeito. Isso é simplista demais. Eu não sou um produtor. Sou um produtor do necessário. Algumas coisas eu produzo bem, mas um disco…
Você tem repertório para um disco novo?
Tenho há bastante tempo (risos). Mais de dois anos. Com versões e músicas minhas. A única música que toco em shows é “Um Bom Motivo”, do Stuart, que vou gravar. Agora estamos ensaiando uma do Roberto Carlos, que ele deu para o Antônio Marcos. Eles fizeram uma troca de músicas. Um amigo me mostrou ela ainda no Rio, e a gente tocava, com o Tom Capone e o Mauro Manzoli, então eu parei, e agora numa turnê pelo Nordeste eu encontrei o compacto em um sebo (risos), o Jimi (Joe) tirou a música, que eu não me lembrava mais, mas não sei se vai ser possível grava-la, pois tem a coisa da edição, mas hoje em dia é mais fácil conseguir a liberação. Tomara que a gente consiga. Versões têm um monte… mas não sei… tem que vir… durante um certo tempo eu fiquei empurrando as coisas. Eu tinha as idéias e ficava executando elas meio na marra. Quando você é independente você tem que fazer todas as coisas. Então o que sobra é trabalhar (risos). Agora que voltei da turnê eu não estou trabalhando. Estou um pouco assustado, mas gostando muito. Eu cheguei e fiquei uma semana sem fazer nada. Nesse um ano e pouco que estou em São Paulo eu fiquei trabalhando muito no ritmo da cidade…
Como é isso de morar em vários lugares? Você é do Sul, morou em Floripa, já passou temporadas no Rio e está há um ano e meio aqui em SP…
Isso aconteceu naturalmente. Eu nunca pensei em morar em São Paulo. São Paulo, pra mim, era uma cidade muito grande e muito movimentada. E eu prefiro praia. Mas aconteceu… eu estava morando na Guarda, em 2004, e no final do ano surgiu o convite para o Acústico MTV. E pensei que talvez fosse o momento. Tenho vários amigos que estão aqui que sempre me diziam: “Pô, Wander, você tem que vir pra São Paulo”. Surgiu a história do Acústico e, então, eu me preparei para vir pra cá. E foi ótimo. E eu adoro estar aqui. Imagino ficar… mas uma coisa que descobri. Eu sempre fui de ficar em um lugar um tempo e sair fora. Agora já sei que existem algumas coisas que se repetem. Eu vou fazer uma música, gravar um disco, produzir ele, colocar ele na rua, divulgar e fazer shows. E depois tenho que ficar um tempo parado, vendo se vai surgir alguma coisa. Eu já sei que até metade de dezembro eu vou para a praia. Quero ficar dezembro, janeiro, fevereiro. Estou imaginando isso, talvez até mude, mas estou imaginando. Mas não sei… vai depender do que vai rolar esse ano. Se vai rolar o disco, se eu vou lançar o DVD. Vamos ver no que vai dar. E só me dei conta de que, em Porto Alegre, estava gravando algumas músicas minhas com o Thomas, tinha o disco do Replicantes, a turnê, então eu parei com tudo.
Como funciona isso na sua cabeça: Wander, vocalista dos Replicantes, e o Wander cantor solo?
A minha sorte é que faço outras coisas também. Eu me envolvo com vídeo, com cinema, com a produção dos meus shows, participo de sarau de poesias, faço participação em filmes, muitas coisas, sempre. Então são projetos paralelos. Fiquei um tempo com um projeto de um roteiro de um filme na gaveta, e não saiu. Vim de Porto Alegre pra cá e não escrevi uma linha. O lance é que percebi agora que preciso de alguém que escreva. O que eu quero fazer é a realização do filme. Quero ter uma boa história e produzir isso, que é isso que eu sei fazer. Eu até tenho algumas histórias, mas colocar no papel não é o que faço. Foi interessante descobrir isso. E eu quero trabalhar nisso. Então não sei exatamente o que vai acontecer no ano que vem. Se não pintar uma história interessante, eu não vou gravar o disco. Depois de ter feito dois discos produzidos pelo Tom e de ter feito dois discos eu sozinho produzindo, eu sei que é legal trabalhar com outras pessoas. É legal ver o que outras pessoas acrescentam no trabalho. Foi o Tom que se propôs a gravar o disco. Então vou esperar. Vou trabalhar a minha vida, fazer os shows, ficar levando a história. Não sei o que vai acontecer. Eu imagino que quero fazer outras coisas. Quero trabalhar para fazer uns shows que a gente consiga levar uma estrutura melhor para o palco. Isso é o mínimo. A gente toca em cada lugar… eu não tenho meu amplificador ainda! Já tive, mas tive épocas sem dinheiro e tive que vender. Tenho que comprar um. Tudo bem, eu ligo a guitarra em qualquer lugar e o show sai bom, mas estou fazendo sempre esse tipo de show, e isso esgota. O show é uma batalha. Só que chegando com uma outra estrutura, será um outro tipo de show, e eu quero descobrir isso.
Você parece estar numa fase bem sossegada…
Agora estou. Eu fiquei muito estressado no começo do ano. Eu achava que estava no meu ritmo aqui em São Paulo, mas era ilusão. Eu estava a milhão, no ritmo da cidade. Não. Eu não posso, porque daí vou ficar muito pouco tempo em São Paulo.
Vai se esgotar…
É. Como eu pensei muito nisso, agora estou mais calmo. Quando saí para turnê com os Replicantes eu já tinha fechado shows para junho e julho. Agora já tenho shows para agosto e setembro. Então está legal. Os projetos estão andando, naturalmente até. E eu não posso pensar nos Replicantes do mesmo jeito que penso a minha carreira solo, porque senão eu atropelo eles. Eles não estão pensando tanto. O disco está ai. Mas pela primeira vez eu tenho um monte de coisas pra fazer e não estou fazendo. Estou achando ótimo. Nunca fiz isso. Eu nunca pensei “sou um cantor”. Resolvi viver de música com 36 anos. Até então eu trabalhava com várias coisas. Então não vejo um cantor. Estou cantor. Mas não tenho obrigação de fazer nada. Não sou obrigado a fazer punk brega, e isso é bom. Não estou preso a nada. Tenho uma casa aqui porque eu resolvi ter, mas de hoje pra amanhã eu posso chamar um caminhão, colocar as coisas dentro e ir pra praia. Ou vender tudo, pegar o dinheiro e ir para a Europa. Eu posso fazer qualquer coisa. Agora, é a primeira vez que eu imaginei uma história… ficava imaginando: “ficar na praia é devagar, em Porto Alegre as coisas não andam”. Porto Alegre é um lugar horrível, que te tranca muito. Só evolui em Porto Alegre quem viaja. “Então, pá, São Paulo”. Pela primeira vez tenho um apartamento, tenho uma TV, tenho os meus amigos. Lógico, porque eu trabalho muito em casa. Eu não saio tanto assim. Como eu passo muito tempo viajando, e geralmente quanto toco tem festa, quando não estou viajando eu prefiro ficar em casa.
Tudo isso começou com o Acústico. Como você analisa o projeto?
Foi o projeto mais legal que eu participei de todos os projetos que eu participei. De qualquer arte. Porque foi o que envolveu mais pessoas, e o que teve menos problemas. Foi maravilhoso. Eu adoro trabalhar em coisas coletivas, mas nunca tinha trabalhado com tanta gente. Havia muita gente envolvida, e eu fiquei impressionado. Claro, eu conhecia metade das pessoas. Foi a vez em que eu mais fui tocar tranquilo. Nunca tive tão tranquilo em um palco quanto no dia da gravação do Acústico. Tanto que eu entrei antes. Eu estava super tranquilo. A gente tinha ensaiado, e estava tudo certo. Eram as músicas que a gente tocava fazia tempo. Toda história foi muito legal. As coisas chatas que aconteceram depois foram duas: primeiro, porque a Sony não fez mais nada depois do lançamento. Nenhuma divulgação. Isso prova a teoria que tenho de que eu não posso trabalhar com pessoas de outro nível cultural/social. Tenho que trabalhar com gente do mesmo nível que o meu. E a segunda coisa ruim foi que a gente resolveu fechar com uma produtora de Porto Alegre, a maior, e eles disseram que iam vender shows nas capitais e tal, e não venderam nada. E não aconteceu aquela turnê que eu imaginava. Para mim, o projeto ficou incompleto. Claro, só eu para imaginar trinta e poucas pessoas na estrada. Imagina. É um ônibus, trinta e poucas diárias de hotel, trinta e poucos almoços, trinta e poucas pessoas juntas, só isso já é um custo enorme. Sendo que são quatro bandas alternativas. Nenhuma é sucesso de rádio. Nem o Cachorro Grande. Foi o jabá mínimo da Deck para rádio e MTV. Então não leva tanto público para bancar uma produção com trinta e tantas pessoas, então não rolou. Mas eu adorei. Adorei todo o trabalho.
Mudou alguma coisa na sua carreira?
Todo mundo pergunta isso, mas não, foi um degrau normal. Eu tenho uma história de 15 anos com a MTV. No ano passado meu clipe concorreu na categoria independente. No ano retrasado nós tocamos no VMB com o Skank e um clipe meu tinha concorrido também. Já vinha crescendo a minha história com a MTV, desde o primeiro clipe demo da emissora. O primeiro clipe demo que passou na MTV foi da Sangue Sujo. Era na época que o programa Demo Clip passava três clipes, e o primeiro foi da Sangue Sujo. Desde lá a gente vem fazendo contato. Um dos meus hobbys é ficar vendo televisão, e eu fico vendo MTV. Se você olhar você vai ver que tem uma agenda do lado, eu vou anotando as coisas, idéias, vou vendo um filme, mas se de repente o filme fica chato, eu começo a pensar em outra coisa, em um outro projeto, e de repente vem uma idéia. Ou eu pego o violão, e fico tocando com o som da TV, mesmo porque como sou meio surdo, o som da TV não me atrapalha. É legal isso. As músicas que faço, eu faço por acaso. E eu não componho letras faz dois anos. Mas eu não tenho obrigação de fazer uma música. Não preciso. Vou levando as coisas conforme as coisas vão surgindo. Muitas vezes eu coloquei a carroça na frente dos bois, agora estou aprendendo a não fazer isso.
Os discos do Replicantes nunca vão sair em CD?
Não sei. O diretor da Sony prometeu que iria remasterizar os quatro discos em Londres e lançar. Ele falou isso em reuniões em Porto Alegre, depois no dia da gravação do Acústico ele voltou a tocar no assunto. Me ligou um dia dizendo: “Estou indo para São Paulo, vamos nos encontrar, fazer uma reunião”. Ele parecia interessado e eu pensando: “Que legal. Nem procurei e o cara me ligou”. E foi indo assim até o dia da gravação do Acústico. A última vez que ele me deu um tapinha nas costas foi no dia da gravação do Acústico. Depois não falou mais nisso. É coisa do meio em que ele vive. O meio faz o homem. Ele anda naquele meio, vira aquilo. E deve ter um jeito pra lidar com aquilo. Eu prefiro ficar no meio dos meus. Tinha acontecido com a Trama. Aconteceram outras coisas, claro. Eu estava em Porto Alegre, a Trama era em São Paulo. Me lembro que o Miranda sacou isso, e ele disse: “Você e o João Marcelo tem culturas diferentes”. E socialmente somos diferentes. Eu sou de família pobre e ele é de família rica. Nós temos um passado, uma formação cultural muito distante uma da outra. Por isso não deu muito certo. Agora eu tenho uma parceria com a Unimar, e por enquanto está tudo legal, porque é um cara simples, que começou com uma lojinha e hoje tem a maior distribuidora da América Latina. Acho essa parceria boa, fiquei sabendo da história do cara, que ele conquistou as coisas aos poucos. A gente tem a sorte de trabalhar com pessoas que são como a gente. É outro nível. É o tipo de coisa que o showbusiness nunca vai saber.
Tem gente baixando os discos do Replicantes na Internet…
E tem que baixar mesmo. Ainda bem que tem Internet, senão eu mesmo faria cópias disso, mas para mim interessa mais regravar. Isso daqui (mostrando os álbuns novos do Replicantes) é nosso, entende.
E é um momento atual…
Sim. É muito legal ter as versões originais, mas pra gente que gosta desse tipo de som sabe que naquela época eles não sabiam gravar. O registro da época não é condizente com o som que nós fazíamos. Não tinha o peso que nós tínhamos. Hoje não. Hoje é do caralho. O que está no disco é exatamente o som da banda. É meio o real da banda.
Isso é punk rock, né. Old school. Mas Wander Wildner sozinho faz baladas, algumas coisas com um pé no brega. Isso faz de você um cara emo?
Não, de jeito nenhum. É que o emo é um tipo de punk rock que começaram a fazer lá fora e aqui o pessoal começou a imitar. E tocam igual a eles. A maioria das bandas novas famosas são muito parecidas com bandas de fora. Todas elas. Pode pegar a Pitty, pode pegar o CPM 22, e outras também. Eu não gosto de ouvir. Acabo ouvindo mais pela MTV, quando estou de bobeira, mas troco de canal. Porque é muito cópia dessas bandas que vieram pra cá. Mas tudo bem, eles são novos e tem mais que fazer isso daí mesmo. Não ficando como o Ramones, que sempre fizeram a mesma coisa, por aquele motivo fascista do Johnny, tudo bem. A minha origem é da música brega brasileira e da Jovem Guarda, que era o que eu ouvia quando era pequeno. Meu pai trabalhava em um jornal, que também tinha uma rádio. E ele sentava na mesa em casa com o rádio ligado. Eu ouço rádio desde pequeno. Essa é minha influência. Nos anos 70, depois de toda essa influência, eu comecei a ouvir rock de fora, Neil Young, Emerson, Lake & Palmer, tudo que rolava em Porto Alegre. Chegava disco… e tocava o rock da cidade na rádio. Naquela época era a rádio Continental que tocava o folk que se fazia, e gente como Liverpool, Bixo da Seda, que era mais rock. O emo é um tipo de punk rock em que eles imitam os caras. Só isso. Eu odeio. Não gosto, porque é tudo igual. Tu pega o disco, ouve uma banda, vê o clipe, é igual à outra. Uma banda é igual à outra, o jeito de cantar…
Acho contrastante porque o punk tinha uma rebeldia, algo de perigoso, e o emo é tão fofinho…
O punk virou moda. Pó, se têm lá na Europa não vai ter aqui. É normal da juventude. Os jovens vão sempre participar de uma tribo ou outra, e depois vão crescer, sair da tribo e viver a vida. A não ser os Ramones, que fizeram a mesma coisa a vida inteira (risos). Claro que tinha boas músicas. O Dee Dee era um grande músico, tanto que era contraditório. A contradição da banda era o Dee Dee. Eles odiavam o Dee Dee. Então quando ele apareceu de cabelo curto foi aquilo. “Chega, aguentar as drogas, tudo bem. Mas o cabelo curto, não”. Imagina, o cara sair da banda por causa disso? (risos). E é bem interessante, mas o público não sabe nada dessa história, e é só ler o livro dele, o “Coração Envenenado”. Por mais que toda crítica tenha lido o livro, ninguém falou a respeito, porque é preferível manter a lenda como ele está e não falar… o punk reproduz a sociedade. Todo artista é bonzinho. É horrível. Eu tenho notado nos programas de entrevistas, o nível caiu demais. Está baixíssimo. Porque sempre tem que falar bem do artista. E isso acontece em qualquer tipo de programa no Brasil, e no mundo. Como se o artista não fosse uma pessoa normal. Até porque ele desiste de ser uma pessoa normal, porque ele quer ser Deus. E ele faz merda. Nunca ouço: “cara, isso não tá legal”, ou “putz, hoje eu errei no show pra caralho”. Eles são sempre certinhos e bem arrumados. Eles não são gente. Eu tento não chegar muito perto deles. Às vezes até encontro um pessoal assim, mas não sou… não consigo. São as divergências culturais. A formação é outra.
É uma coisa do Brasil mesmo. Lá fora é muito discutido essa coisa dos defeitos…
Lá fora os caras são o que quiserem ser. Você sai na rua pintado de abóbora. Cada um é diferente do outro. Aqui, por exemplo, comecei a andar de calça de couro em Porto Alegre, que é Sul, que é gaúcho, tem gado e tudo, e as pessoas comentavam no ônibus. Como se calça de couro fosse uma coisa de bicha. Imagina. Em um Estado em que o couro é uma coisa comum. Mas homem não usava calça de couro. Aqui a pessoa se preocupa muito com a vida do outro. Por isso que existe essa coisa do ídolo, essa coisa do fã, que é muito grande no Brasil. A própria sociedade alimenta isso, e o próprio artista alimenta isso. Eu tenho raras reclamações de pessoas que dizem que trato mal. Porque eu falo o que estou pensando. Alguém chega para pedir autógrafo e eu tiro um sarro: “Pô, desse tamanho pedindo autógrafo”. E isso quando não me param na rua. E eu digo: “Autógrafo só no show. Você já foi a um show meu?” E o cara: “Não”. Pô! E se eu não disser isso pra ele, nem um outro cara vai dizer. O cara vai se criar pedindo autógrafo. E a vida dele? Vai ser ficar adorando a vida do outro? É a mesma coisa quando termina o jogo e as pessoas saem para fazer festa pela cidade. O que é isso, cara? O jogo acabou, velhinho. Quem tem que fazer festa são os que jogaram. E o pessoal que estava lá no estádio, e olhe lá. Agora, aqui fazer festa, como se fosse o país que ganhou? Claro, a idéia que vendem é que o país ganhou, mas eu não sou nacionalista nem um pouco. Isso tudo foi alimentado pela sociedade, pelo poder. E depois pelo ego e para ganhar dinheiro. Todos eles são maravilhosos, são uma coisa, ahhhhh. Que isso? Eu tive a sorte de ter feito teatro antes. E o teatro é um lugar em que as pessoas sobem para contar uma história. E depois que desce do palco, acabou. Claro que mesmo no Oriente, no teatro japonês, com máscaras, as pessoas conheciam os artistas e eram fãs. Isso lá no começo. Pessoalmente, tenho que conviver com essa história, mas eu procuro errar todo dia, manter o erro, manter a minha sanidade. É importante. Não que eu não vá ficar louco. Até posso ficar louco. Mas tenho que me proteger. Não existe esse papo de “ah, agora eu sou uma pessoa pública”. E o engraçado é que você é um merda, você tem pouco dinheiro, mas o fã vem falar contigo do mesmo jeito que com um cara que é ricaço pra caralho. Tem muita gente que acha que a gente é rico só porque está na TV. Isso tudo foi induzido. Mas onde eu puder colocar o meu ponto de vista, vou colocar – claro que as coisas se confundem também, obviamente e inconscientemente elas se confundem. Tudo é um bolo só.
Você pediria algum autógrafo?
Eu pedi uma vez, não sei por quê. Tentei me lembrar, mas não sei. E o cara fez cara feia.
Quem foi?
O Flea, do Red Hot Chili Peppers. Eu estava trabalhando no Hollywood Rock, na iluminação, em 1993. Estava rolando um show, e eu estava na lateral do palco. Então vi o Flea, peguei uma caneta, dei o meu crachá e pedi um autógrafo. Ele me olhou com uma cara feia, mas me deu. Eu não sei por que eu pedi, foi inconsciente. Totalmente inconsciente. Se bem que, antes, não rolava coisas assim. No começo dos Replicantes, ninguém pedia autógrafo. Eu me lembro de um cara pedindo autógrafo na minha primeira fase dos Replicantes, de 1984 a 1989. Só uma vez, um cara pediu um autógrafo, e eu não dei. Então ele virou: “Cospe na minha carteira”. Puta que pariu. Peguei e cuspi na carteira dele. E ele saiu todo louco. Entrei no ônibus, e o cara depois subiu na janela e pediu: “Me dá um autógrafo”. E então eu dei. Uns dois anos atrás, o cara apareceu com o autógrafo plastificado. “Eu sou o cara que você cuspiu na carteira”. (risos)
Uma das coisas que me fez ser jornalista foi poder ter a chance de conversar de igual com algumas pessoas que nunca iriam conversar de igual se eu fosse chegar e pedir um autógrafo…
E é muito mais interessante. A sociedade capitalista criou esse fanatismo. A sociedade de consumo. Foram eles que criaram isso fazendo com que os artistas entrassem nessa história de ego e de fazer as coisas por dinheiro. Olha o nível que chegou a mentira dos artistas. Estava conversando com um cara de uma banda, e ele chega e fala: “Legal. O público gostou do nosso disco. As pessoas estão pedindo as músicas na rádio, está tocando”. O que, cara? A tua gravadora faz parte de uma máfia que paga para que as rádios toquem a sua música 20 vezes por dia. Quer participar da máfia, ótimo. Você tem livre arbítrio, mas fica quieto. Não venha dizer, dar uma de gostosão e mentir para as pessoas com aquele sorrisinho. É muito hipócrita, cara. Muito, muito, muito. Impressionante…
Deixa eu virar a cerveja no seu copo… é a primeira vez que estou bebendo essa.
Trouxe de lá?
Não, não. Essa já tem aqui. Mas bebi 100 tipos de cerveja diferente.
Qual a melhor?
Todas são boas. A pior cerveja lá é melhor do que qualquer cerveja comum no Brasil. A não ser as de pequena fabricação, que são muito boas. Não engorda, não dá ressaca.
Como foi entrar no estúdio com o Replicantes depois de tanto tempo?
Normal. Embora nos anos 80 nós fôssemos todos moleques. Nos dois primeiros discos, estúdio era um mito.
No “Papel de Mal” a coisa já estava melhor?
A gente gravou ele ao vivo. Tudo ao mesmo tempo. Mas depois na mixagem, o cara começou a usar… bem, na hora de gravar o som estava ótimo. Na mixagem, quando ficou pronto, o cara chamou a gente pra mostrar. Ele levantou o volume e o som estava mais fraco. Eu disse: “Está estranho, diferente”. E ele: “O que está diferente?”. E eu: “Tinha mais pressão e tal. Agora estou achando o som mais fraco”. Então ele explicou que usou algo que cortava as freqüências, para igualar o som do bumbo e do baixo. Quando ele falou “cortar as freqüências” eu entendi. “É por isso que diminuiu. Tem que deixar como estava”. E ai o cara botou banca. E eu disse: “Beleza, então”. Fui para o hotel, liguei pra Varig, e ia embora. Mas todo mundo foi atrás de mim. Não dava pra continuar. Até o cara da mixagem foi lá conversar comigo. E como eu não entendia tanto… ele acabou cortando menos…
E os novos?
A gente gravou três discos agora, e eu gostei. Só não gostei tanto do “Em Teste”, porque eles não são tanto de trabalhar as músicas, e em aprendi isso com o Tom Capone. Eu por mim trabalharia mais cada música, deixaria essa melhor, faria todo mundo tocar melhor, mas eles não têm saco.
A produção do “Baladas Sangrentas” durou quanto tempo?
A gente gravou as bases e depois eu voltei pra ficar no Rio, e uns meses depois a gente gravou as outras coisas, e mixou. Demorou um certo tempo porque eu gravava num horário livre que havia no estúdio.
Tem aquela história do “Tempestade”, do Legião…
É. O estúdio estava fechado pro Legião, um mês ou dois eu acho, mas eles só usavam de dia até o começo da noite, e a gente entrava de noite, e mixou o disco lá, no estúdio A. A gente tinha gravado as bases no A, com o estúdio ainda em teste. O meu disco foi um dos discos que testou o estúdio. Todas as bases. Depois a gente colocou os outros instrumentos no B. E mixou no A enquanto o Legião gravava. Foi do caralho. Trabalhar com o Tom foi emocionante… uma coisa… é amigo, né. Eu já o conhecia antes. Eu fazia luz para um artista em que ele tocava guitarra, e a gente ficou amigo. Ele conhecia Replicantes. Ele foi do Detrito Federal. O que nós estávamos fazendo em Porto Alegre, eles estavam fazendo em Brasília. Então a gravação foi uma aventura. Ele era de uma simpatia e inteligência. Por isso é que agora está difícil encontrar alguém (pra produzir o meu disco). Eu sei que não tenho tanto conhecimento, e sei que é legal ter um produtor, pra acrescentar mais coisas, e pra dar uma novidade pra mim mesmo. Esse é o barato da droga. Ele vai deixar a coisa diferente. Isso é interessante. O cara acrescentar mais na direção que é. Do tipo: “É nessa direção que ele vai? Então dá para fazer isso, isso e isso”. O produtor tem que produzir uma boa história, que é um mistério, mas que é legal. É ótimo.
Você gosta da produção dos outros discos?
Gosto, mas são discos simplistas. Eu sou simplista. Entrei e gravei da forma como eu tocava as músicas no show. No máximo convidava alguém pra fazer um piano aqui, um trompete ali, e só. É mais ou menos do começo ao fim a banda tocando. Eu começo a introdução, a banda entra e vai até o final. Quando tem um produtor, o cara divide a música. “Ah, nessa parte aqui tal instrumento não entra, entra depois”. E a música ganha dinâmicas diferentes. Isso é uma coisa que eu não sei fazer: criar dinâmicas dentro da música. Os dois discos que produzi são como se fossem o show, no máximo com um instrumento a mais, ou dois. Gaita, teclado, corda ou sopro. O resto é a música como ela é no show. Agora, se você for ver o “Paraquedas”, até mais do que o “Baladas”, tem nuances e tal. E poderia até ter mais nuances se eu não fosse meio burro, e não ficasse dando palpites. Agora quero descobrir formas diferentes de fazer um disco. Mas não sei quando vai ser. Vou fazer uma cópia dessas músicas e vou mostrar para algumas pessoas, mas vou deixar vir. Não quero forçar nada. Quero que venha alguém que vá acreditar, eu vou gravar e vai ser legal. Na verdade, estou mais tranqüilo porque a minha cabeça está se desenvolvendo mais para o lado do vídeo. Eu vou continuar fazendo shows, mas o meu lado de criação está mais para o vídeo do que para música. Claro, a gente está ensaiando, deixando o show mais redondo. Estamos deixando de lado aquela coisa de escolher as músicas na hora. Até para chegar em um outro nível de trabalhar mais as músicas. Com o som ruim, o show que era para ser de balada vira rock, quase punk. Mas é legal tocar baladas. Ninguém toca essas baladas. Só que no final, o show fica mais pesado, porque entram os rocks. Eu quero começar sozinho, nas baladas, depois entra a banda e a gente faz o barulho. Um outro nível, entende.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
2 thoughts on “Entrevista: “Não sou cantor. Estou cantor”, diz Wander Wildner”