por Marcelo Costa
São raros os casos em que a música pop pode se tornar realmente literatura. Existem vários bons letristas circulando no mundinho pop, mas poucas letras sobrevivem sem a melodia. Lou Reed, Morrissey, Patti Smith, Bob Dylan e Nick Cave poderiam compor um quinteto de letras bastante afinado, e raro.
Do outro lado, o número de jovens escritores que escrevem como se estivessem tocando uma canção de três minutos aumenta, o que não significa aumento de qualidade, mas chama a atenção para este namoro entre música e literatura que, um dia, espero que termine em casamento (cuja união resulte em uma grande família de livros clássicos).
Alguns escritores brasileiros já namoravam as citações musicais em forma de texto, mas a fronteira nunca esteve tão próxima como no lançamento da coleção Mojo Books, projeto capitaneado pelos amigos do ótimo site Speculum, que liberou os primeiros volumes da série para download no começo de dezembro.
A rigor, o projeto é bastante simples: se tal disco fosse um livro, como ele seria? De cara, o organizador do projeto, Danilo Corci, escolheu quatro álbuns respeitados para abrir a coleção: “Black Celebration”, do Depeche Mode; “Technique”, do New Order; “#1 Record”, do Big Star; e “In It For The Money”, do Supergrass. Estes quatro discos renderam os quatro primeiros livros da série.
Os temas? A idéia é que o disco inspire a narrativa, e a forma com que essa inspiração irá se transformar em texto é escolhida pelo autor. Desta forma, “Black Celebration” conta a história de Ivan, um cara que já sonhou em ser assassino aluguel, culpa Nick Hornby por ter se viciado em fazer listas de cinco mais, vive um romance com uma garota chamada Estefania e acabou de receber uma notícia desastrosa. Ali pelo meio ele tenta rememorar as coisas:
“Quinze anos atrás. Antes de pensar em como dominar o mundo ou conquistar 24 territórios à minha escolha, conheci Steffi, e ali conheci muita coisa”.
Em “Technique”, o personagem é Johnny, que namora Clara, e está perdido. “In It For The Money” têm como pano de fundo três pessoas apostando em uma corrida de cavalos para dissertar sobre amor e violência. Todos os livros estão liberados para download gratuito em PDF na página oficial do projeto (e podem ser armazenados em uma caixinha de CD). Estes são os primeiros da série. Confira o site no endereço abaixo e uma entrevistinha com os primeiros autores:
https://mojobooks.siteguy.dev/
Três perguntas para os autores
– Por que vocês escolheram esse disco?
Danilo Corci: Porque ele é, de certa maneira, um disco absurdamente histérico, quase uma declaração literária.
Delfin: Porque o Supergrass, com este disco, respondia à crítica que considerava o grupo como mais uma bandinha dispensável do Britpop. Tanto que, antes dele, Steven Spielberg queria que eles fossem os novos Monkees. Tudo por causa do megasucesso Alright. Hoje eles se mostram como os grandes sobreviventes do movimento pop inglês dos anos 90. Além do fato óbvio de que este disco é simplesmente do caralho.
Ricardo Giassetti: Technique foi o primeiro trabalho do New Order após o advento de Substance, o único disco perfeito conhecido pela raça humana. Technique também foi o primeiro lançamento do New Order depois que comecei a ouvir a banda. A experiência de comprar pela primeira vez um disco inédito da banda preferida é gratificante. Ouvi cada uma das faixas no meu próprio aparelho de som, longe do mundo exterior. E aprendi sozinho a gostar delas. É até provável que a visão do New Order como banda moldou algumas das minhas qualidades pessoais. Sua simpatia com o anonimato e sua generosidade para com a gravadora, são exemplos a serem seguidos. Além das drogas, claro.
– Como foi o processo de transformar música em literatura?
Danilo Corci: Simples e complicado. Mas, claro, para mim, o disco fala absolutamente tudo o que escrevi, em cada nuance, em cada detalhe. Se você prestar bem atenção poderá ver até os ecos de sons particulares de cada músicas escorrendo nas sentenças do livro.
Delfin: Estudar o disco, seus temas e sua estrutura foi o método que adotei. Queria que o leitor tivesse em mãos uma obra que mantivesse o mesmo espírito do disco, ao mesmo tempo em que não fosse uma repetição do mesmo. Por isso mesmo, todos os títulos foram vertidos para o português, bem como muitas situações são próprias. Assim, o disco se torna uma grande trilha sonora para o livro (e, claro, o livro se torna um belo libreto alternativo para este disco quase conceitual da banda). Atenção aos personagens: eles têm muito a ver com a história escondida por trás do disco e da trajetória do Supergrass.
Ricardo Giassetti: Não foi difícil. A estrutura que usei no livro coloca paralelamente o dia de um cara e o setlist do disco. Da hora em que ele acorda até quando vai… ele não vai dormir, exatamente. A idéia de criar ficção tendo música como base já era uma velha companheira, que agora a Mojo ressuscitou.
– Com qual canção do álbum você falaria para o leitor iniciar seu conto?
Danilo Corci: Resposta fácil: Fly on the Windscreen. Se você ler o primeiro parágrafo, vai entender logo de cara.
Delfin: Certamente pela primeira, que dá título ao álbum (In it for the money). A experiência vale a pena de cabo a rabo. E, afinal, estamos todos nessa pela grana, não? Mas este livro você pode levar de graça. Desta vez.
Ricardo Giassetti: Com a Fine Time, a primeira do disco. E seguir em frente, capítulo a capítulo, com All the Way, depois Love Less, Round & Round até Dream Attack. O livro tem o mesmo tempo de leitura que o Technique.
Ps1: Já que o assunto é literatura pop, vale fazer procurar “Vestido de Flor”, primeiro romance do jornalista Carlos Eduardo Lima, colunista do Scream & Yell e sub-editor da Rock Press.
Ps2: No próximo domingo, Curitiba deverá tremer :o) com o festival Acorde Curitiba. Bandas queridas desta coluna como Pelebrói Não Sei, Relespública e Terminal Guadalupe vão se apresentar ao lado de Faichecleres, Syd Vinicius e outros nomes novos.
Ps3: O Charme Chulo, importante nome da nova cena curitibana, colocou mais músicas para download no site oficial. Agora são seis: a ótima “Mazzaropi Incriminado” e, ainda, “Barretos”, “Não Deixe a Vida Te Levar”, “Solito a Reinar”, “Polaca Azeda” e “Piada Cruel”.
Ps4: Última chamada: na sexta-feira dia 08/12 assumo as pick-ups na festa de aniversario do ótimo site Sampaist, no Studio SP.
Ps5: “Marcelo Silva Costa aposta que o CD tal qual o conhecemos ainda não morreu, mas vai morrer, e logo. Ainda assim tem 5 mil desses disquinhos ocupando toda sua sala. ‘O CD vai morrer, mas não a música. O suporte mudou, mas a música continua a mesma’. E quando não está ouvindo ou pensando em música, está tocando ou escrevendo sobre ela. De ‘profissão séria’ é editor de homes em um portal de internet, editor do site Scream & Yell e escreve sobre música, cinema e cultura pop”. Leia a entrevista que concedi a eles aqui!
Ps6: O site da gravadora independente Midsummer Madness colocou para download gratuito um EP de Nervoso e os Calmantes. “Enquanto o Disco Não Vem” apresenta cinco faixas, entre inéditas e versões ao vivo. Baixe aqui.
Ps7: O Autoramas faz show no Outs, em São Paulo, no próximo sábado. Abaixo, três perguntas para Gabriel Thomaz, vocalista da banda:
01) Novidades sobre o disco novo? Previsão de lançamento?
Sim, estamos fechando o esquema de lançamento do cd novo e deve sair no início do ano. Foi melhor até fazer as coisas com calma, acho que o momento certo é agora, 2006 foi um ano muito confuso. A gravação já está pronta, tem muita coisa nova e diferente nesse cd, gravar com o Berna e o Kassin foi uma experiência muito enriquecedora.
02) O mundo moderno é um inferno?
Muito pelo contrário, é um paraíso, pelo menos pra mim, no sentido que essa música nova nossa (“Mundo Moderno”) fala. Essa música fala das pessoas que não conseguem se adaptar aos novos tempos, que não conseguem fazer escolhas diante de tantas opções, tanta informação disponível…E preferem os meios e padrões antigos. Essa música já é uma exemplo real do mundo moderno: nem foi lançada e já é um hit nos shows…
03) Alguma coisa especial para esse show do sábado no Outs?
Vamos tocar um montão de coisas do cd novo, inclusive “Mundo Moderno” e “A 300 Km/H”, que muita gente já conhece. Vamos tocar também “Hotel Cervantes”, que é a música do primeiro clip do cd novo, que já filmamos e está em fase de edição e outros tipos de finalização, não sei nem te dizer quais são. São 14 músicas no novo cd, mais todas as outras dos outros 3 discos, música é que não falta. Pra gente é sempre especial tocar no Outs, gostamos muito da galera que vai nos nossos shows lá, sempre lotados e energia total. RRRRRRROCK!
Que idéia legal. Sou fã do New Order e gostei da idéia! Parabéns!
Estou ansioso por esse novo do Autoramas