New Order em São Paulo

por Marcelo Costa

É inevitável, mas ver Bernard Sumner pulando no palco como um tiozinho que deixou a mulher em casa e está em sua primeira balada depois de anos é algo extremamente punk. Claro, o ato também impinge ao espectador um certo ar de vergonha complacente. “Como esse cara ousa cantar e dançar assim?”, perguntam-se os incrédulos. Alheio a tudo isso, Sumner não só dá pulinhos entusiasmados, como também arrisca uns passinhos de samba e solta gritinhos afetados em vários momentos do show. Ele parece estar feliz, e é impossível não sorrir por sua felicidade, principalmente quando ele larga o microfone e encara o crooner cantando clássicos de ontem, hoje e sempre como “True Faith”, “Bizarre Love Triangle”, “Temptation”, “The Perfect Kiss” e “Blue Monday”.

Só mesmo o movimento punk para permitir que pessoas comuns, sem nenhuma voz, sem carisma e sem jeito algum para ser Elvis Presley subissem em um palco para mostrar que a perfeição da arte é algo que está muito próxima a qualquer pessoa. Imagino, cá com meus botões, que deve ter sido uma decisão difícil para Bernard assumir o vocal da banda após Ian Curtis partir para o outro lado. No entanto, com seu fio de voz e sua timidez, Sumner conseguiu seu espaço no mundo pop. E o New Order se transformou na banda mais importante dos anos 80. Não só por ‘culpa’ de Bernard Sumner: o baixo de Peter Hook conduz a banda, e mesmo o invisível Stephen Morris tem a sua contribuição.

As doze mil pessoas que estiveram no Via Funchal, em São Paulo, nos dias 13 e 14 de novembro, com certeza vão reclamar do som da casa, terrível no começo e término da apresentação. Como disse uma amiga, é imperdoável que uma banda do tamanho histórico do New Order viaje sem técnico de som. Quem procura perfeição tem motivos de sobra para ter odiado os dois shows. Como, a essa altura do campeonato, Bernard consegue entrar errado com a voz em “Bizarre Love Triangle”? Como “Crystal” pode ter ficado tão horrível ao vivo? Com tantas músicas para tocar, pra que inventar de tocar a fraca “Who’s Joe?”? Será pedir muito ouvir a bateria eletrônica na hora que Stephen esmurra seu kit?

Sinceramente, isso tudo pouco importa. Os dois shows do New Order em São Paulo foram marcados por uma despretensão que até comove. Sumner desafinou a escaleta em “Your Silent Face” nos dois dias, mas quem vai querer prestar atenção nisso quando a banda está apresentando ao vivo uma das canções mais doces de um de seus melhores álbuns, “Power, Corruption and Lies” (1983)? A magia de se assistir a um show é exatamente o inesperado, a recriação daquilo que ouvimos em MP3 (e que metade do público presente ao Via Funchal ouvia nos velhos vinis). A perfeição é a imperfeição?, pergunta outro. Não chega a isso, mas shows não são discos, são diversão, e por mais que pareça totalmente contraditório, é até engraçado ver pessoas felizes com os braços pra cima cantando “o amor vai nos separar”.

Ao vivo, e principalmente na hora do set eletrônico, é impossível levar à sério o New Order. Pois seriedade não combina com pessoas dançando com os braços levantados, cantando e dividindo suor em pequenos esbarrões. Mais do que um show, o New Order faz ao vivo um elogio a alegria, e tanto os acessos de diversão de Bernard Sumner quanto a presença de palco absurda do ‘caminhoneiro’ disfarçado de baixista Peter Hook colaboram para a empolgação generalizada. Perdidas no meio do repertório, as canções do Joy Division apenas estão ali para mostrar um outro lado, uma outra verdade, e causam um transe que leva várias pessoas as lágrimas. Diversão e emoção em pequenos intervalos de quatro minutos.

O set list da segunda-feira, em São Paulo, teve uma música a menos que na terça, mas só quem estava lá pode ver Sumner esquecer frases de “She’s Lost Control” que não devia estar nos dois teleprompters instalados ao lado do microfone para lembrar as letras ao vocalista (e que trazia um enorme adesivo com a palavra “Obrigado” em português mesmo). No entanto, na terça foi possível ver a cara de espanto de muita gente quando o grupo sacou a dobradinha “These Days” e “Twenty Four Hours” do repertório do Joy Division, e as entregou ainda mais ferozes e sujas pelo som deficiente.

Nos dois dias, “Love Will Tear Us Apart” fechou o show, assim como em 1988. E no segundo dia teve “Atmosphere”. O som melhorou um pouco na terça, mesmo assim esteve longe do padrão aceitável para uma apresentação deste nível. O público também estava mais entregue na segunda noite, cantando tudo e pulando muito. Quem esperava perfeição deve ter ficado frustrado. Quem esperava diversão, se esbaldou. Quem tem coração punk (não confunfir com emo, please) saiu realizado. Por mais que a eletrônica sugira distanciamento, o New Order fez um dos shows mais intimistas que assisti na minha vida. É inevitável, mas ver Peter Hook pulando e tocando como se tivesse 14 anos é extremamente revitalizante. O que mais esperar de um show?

Ps1 – Em Brasília, fãs saldaram a banda com um cartaz: “Aqui nós temos Power, Corruption And Lies”. Perfeito. Abaixo, assista a um trecho de “Regret” – hoje em dia, a minha canção preferida do New Order – na noite de segunda-feira, flagrada pelo chapa Lúcio Ribeiro:

Ps2 – Set List do New Order em São Paulo

Primeira Noite
1 – “Crystal”
2 – “Turn”
3 – “Regret”
4 – “Ceremony”
5 – “Who’s Joe”
6 – “Transmission”
7 – “Krafty”
8 – “Waiting for the Sirens Call”
9 – “Your Silent Face”
10 – “True Faith”
11 – “Bizarre Love Triangle”
12 – “Temptation”
13 – “Perfect Kiss”
14 – “Blue Monday”
15 – “She’s Lost Control”
16 – “Love Will Tear Us Apart”

Segunda Noite
1 – “Crystal”
2 – “Regret”
3 – “Ceremony”
4 – “Twenty Four Hours”
5 – “These Days”
6 – “Transmission”
7 – “Krafty”
8 – “Waiting for the Sirens Call”
9 – “Your Silent Face”
10 – “True Faith”
11 – “Bizarre Love Triangle”
12 – “Temptation”
13 – “Perfect Kiss”
14 – “Blue Monday”
15 – “Atmosphere”
16 – “Turn”
17 – “Love Will Tear Us Apart”

Ps3 – Próxima parada, Nokia Trends: não percam o 2ManyDJs, não percam!


Ps4 – Promoção City Jam Festival – Los Hermanos e Hurtmold no Circo

City Jam é um festival que acontece em Londres, Nova York e São Paulo, levando um pouco de cada cidade para a outra, através de diferentes manifestações artísticas contemporâneas, interativas e inovadoras. O Festival comemora 4 anos da revista JungleDrums e lançamento de seu novo portal de cultura brasileira. Em São Paulo, o evento irá acontecer no dia 01 de dezembro, na Academia Brasileira de Circo, e contará com shows de Los Hermanos, Hurtmold e Clube de Balanço, além de discotecagens de Lúcio Ribeiro. Confira a programação no site oficial e concorra a dois pares de ingressos aqui na Revoluttion para o evento em São Paulo. Para concorrer aos ingressos, basta dar uma passada no site oficial do City Jam Festival e descobrir qual banda brasileira estará se apresentando em Londres, no dia 26. de novembro. E escrever para mcosta@ig.com. Duas pessoas vão ser sorteadas entre as respostas certas que chegarem, e o nome dos vencedores será publicado na coluna de quinta-feira (23/11), ok. Dedos cruzados e boa sorte.

Ps5 – Agora é oficial: os dois grandes discos do rock nacional em 2006 ficaram para 2007. “Tribunal Surdo”, dos goianos do Violins, e “A Marcha dos Invisíveis”, da banda curitibana Terminal Guadalupe, só vão ver a luz do laser em 2007. O Violins chegou a disponibilizar quatro músicas (“Grupo de Extermínio de Aberrações”, “Anti-Herói 1”, “O Piloto Russo na Aldeia Suskir” e “Campeão Mundial de Bater Carteira”) de uma masterização provisória no site oficial, e a procura foi tanta que o site caiu e saiu do ar, com previsão de retorno com os MP3 apenas em dezembro. Das quatro faixas, destaque para a polêmica “Grupo de Extermínio de Aberrações”. A Revoluttion já teve acesso a outras duas músicas (“Delinquentes Belos” e “Solitária”). e prevê um disco sensacional pela frente.

Já os curitibanos do Terminal Guadalupe estão finalizando a mixagem de “A Marcha dos Invisíveis”, no mítico estúdio Toca do Bandido, no Rio de Janeiro. Enquanto isso, a banda coloca duas músicas inéditas – que não vão entrar no novo álbum – no My Space para download gratuito: “Ni” mistura surf music com Ramones, Monthy Phyton e brega italiano. “Mármore Gelado” é um clássico desconhecido do rock pantaneiro (?!). Foi do repertório do grupo Carestia em Ascensão, de Corumbá (MS), e teve sucesso local no final dos anos 80. Esta versão, com forte influência grunge e citação de Chico Buarque, foi gravada em junho de 2005, em um show na tradicional casa noturna Era Só O Que Faltava, em Curitiba.

Ps6 – O show de Patti Smith no fechamento da casa novaiorquina CBGB foi transmitido por uma rádio, e caiu inteiro na Web. Siga o link para baixar Patti Smith cantando “Pale Blue Eyes”, “Marquee Moon”, “Sonic Reducer”, “Free Money” e outras. Tudo aqui, com direito a capinha!


Ps7 – Rolling Stone x Bizz: O tema da coluna anterior rendeu três dezenas de ótimos comentários. Para alguns que achavam que a comparação era um erro, vale muito ler os comments para verificar que há muito mais semelhanças entre as duas publicações do que algumas pessoas supõe imaginar. Separei alguns trechos dos comentários dos leitores, mas quem quiser ir ler todos (ou mesmo, opinar) o link direto é este. Acima, a capa das novas edições da Bizz e da Rolling Stone. Abaixo, doze trechos de comentários:

Erika Morais: Quem compra revista “de música” hoje em dia? A mesma pessoa que acessa consome música pela internet: lê o S&Y, escuta rádio gringa e baixa música em seu PC. Sou eu e (quase) todos que comentaram aqui, todos que estão nas comunidades das revistas no orkut e não podem perder a oportunidade de estar bem informado… Somos um público de massa? Não, mas também não estamos isolados em guetos.

José Henrique: Me parece, acima de tudo, que ambas podem se completar nas suas qualidades e deficiências. Embora eu ache, ao contrário de você, que jornalismo musical neste país é muito chapa branca, não vejo porque dar um tratamento mais “aproximado” na feitura das matérias (pelo menos em relação à entrevistas e reportagens), sem necessariamente se distanciar de um senso crítico. Afinal, também ao contrário do que dizem certos “professores” da matéria, jornalismo é opinião sim, e não paneas informação. Senão vira um grande release. E pago com o meu suado dinheirinho.

Murilo Andrade: Acho que quanto mais publicações, melhor. O mercado consumidor vai com tempo ‘moldando’ os conteúdos e interesses.

Ricardo: Não seria também um pouco de comodismo dos jornalistas brasileiros não fazer esse tipo de matéria que fizeram com o killers? Entendo o teu ponto de vista, concordo parcialmente com ele, mas acho que também tem um pouco de preguiça jornalística aí.

Giuliano Martins: É notório que a RS chegou para balançar o mercado de revistas como a TRIP e a Bizz. A concorrência pode ser benéfica para o leitor.

Angelo Cavalcante: Gostei da tua colocação ao falar da capa da Bravo com P. Viola e A. Antunes e “a hora do samba” citando Wado, Curumim… Minha pergunta é: O mercado “independente” sustenta o rascunho de mercado fonográfico brasileiro? Por exemplo, o Wado ta no 3° disco, e pouco se fala nele…

Ivan Santos: Pra mim falta justamente aquilo que o cara fala no editorial da primeira RS: “o que importa é opinião”. Seja contra ou a favor, mas opinião, e de preferência, embasada, não achismo (o que é muito comum por aí). Só que pra variar, o editorial promete aquilo que a revista não cumpre, vide as resenhas burocráticas/chapa branca. E isso vale tanto pra RS quanto pra Bizz. Que infelizmente também não tá entregando o que vende (tanto em reportagem quanto em opinião). Os editoriais da Bizz também tem colocado coisas que eu acho muito acertadas. O problema é que quando você lê a revista, não condiz com o que se promete lá.

Gustavo Silva: Acho o jornalismo musical um tanto quanto sucateado, mas não por opção própria. Como você frisa, não há oportunidade de realizar grandes materias com grandes nomes (caso do Killers). Além do mais, o cenário musical nacional mainstream não colabora nem um pouco para aumentar a qualidade das publicações.

Leo Vinhas: Como leitor assíduo da RS Latina (ainda que baseada na Argentina, ela abrange Chile, Paraguai, Uruguai, Colômbia, Peru, Venezuela e Bolívia, já que o mercado argentino abastece esses países), posso dizer que o que me incomoda nela é o tom excessivamente reverente das reportagens. Qualquer banda com mais de três discos é “clássica” e nenhum artista ganha paredão, ou sequer uma resenha negativa lá. Não que descer a lenha seja a única função do jornalismo cultural, mas acariciar o ego dos artistas também não o é. Além disso, há uma uniformidade textual que me incomoda: você só sabe se um texto é do Oscar Jalil, do Claudio Kleiman ou do Pablo Hernandez se olhar os créditos da matéria. Ninguém tem um texto distingüível, e isso é fundamental em qualquer jornalismo opinativo, como é o caso da música. Isso facilita a identificação do ouvinte. Esse tipo de coisa pode vir a se anunciar na RS Brasil. Veremos…

Rodney: É claro que tem vários pontos nos quais eu concordo e em outros, não (continuo achando que uma das concorrentes da RS é a Trip, até porque as duas falam muito de comportamento). Agora, o mais bacana dessa vinda da Rolling Stone é o fato dela ter inicado esse debate sobre o jornalismo impresso e o mercado de revistas.

JW: Dei meu voto de confiança à RS, e acho que valeu a pena; porém, no geral… vi mais graça nas matérias que não eram relacionadas à música.

Fábio: Eu não sei se vou ter grana para comprar as duas revistas. Este mês eu preferi comprar a RS para conhecer. Achei boas as suas observações. Me diz, qual o erro grotesco na entrevista com o Dylan? (Então, quando ele diz, no meio da matéria, que o Brian Wilson gravava discos de quatro faixas, ele está querendo dizer que eram quatro canais – four tracks. Erro de tradução. Imagina o Pet Sounds com apenas quatro músicas?)

11 thoughts on “New Order em São Paulo

  1. Estar longe demais das capitais ainda da nisso, perdi o New Order…mas…vida que segue…quanto aos novos do Violis e Terminal Gaudalupe, espera ansiosa e prematuramente saciada com as musicas disponibilizadas…

    Abraços.

  2. Entrei aqui hoje pensando que ia ver o disco da semana. Feriado em plena quarta-feira dá nisso, né? :o)

    Bacana o vídeo que o Lúcio fez, ver estes shows de cara pro palco é o que há.

    Valeu pela resposta. Um erro grotesco e passou batido na minha leitura. Que vergonha.

    E que legal isto da City Jam, hein? Um viva prá Gianna, pro Juliano e o povo de lá pelos 4 anos da revista. No aniversário de 2 anos, eu tava lá.
    Foi do %!@$&@#

    Abraço.

  3. não sei se alguém respondeu ao Fábio, mas o ero diz respeito à má tradução da expressão 12-Bar Blues como algo parecido com “blues de bar” (tsc, tsc).

    acabei de comprar minha RSB #2 e meus olhos correram direto para a matéria sobre o Dark Side of The Moon, que lerei assim que essa aula acabar! heheh

    quanto ao Violins, o Pedro Saddi subiu as 4 faixas num arquivo zipado e lincou na comunidade da banda lá no orkut.

    sobre o show do NO… prefiro não pensar que não pude ir =/

    abs

  4. Eu choraria fácil, fácil em Love will tear us apart e ainda ficaria com um sorriso bobo na cara… pra contar pros netinhos, sabe?

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