por Miguel F. Luna
São lágrimas ou é só a chuva? O calor expulsa líquidos dos corpos. Vento, o tempo todo. Eu: quieto, tímido. Ela ao meu lado. Quieta. Tímida. Horas que não querem palavras, não dizem, não querem dizer. Dizer? Britta Phillips e Dean Wareham dizem. Há anos.
Timidez, que nada – calma. Quietos? Suficientemente audíveis, faíscas sonoras queimam o ouvinte, percorrem seu corpo, desnudam e exploram sentimentos e sentidos. Só podia ser noite; porém, eles brilham. Só estrelas brilham na noite. Ou o Luna.
Será que alguém no East Village em 1967 sabia o que estava fazendo? Lou Reed estava lá. John Cale estava lá. Gênios temporais. Não sei, contudo, se tinham tanta certeza sobre o futuro. Não sei se tinham certezas sobre terem escancarado as portas de cada sentimento humano para que estes inundassem as canções. A música ali não tem censura, apesar (ou talvez por conta) do silêncio e da indiferença de toda uma cidade, de toda uma cidade capital do mundo. O Velvet sim, subiu tão alto como as estrelas e espatifou-se no chão como um zepelim de chumbo. Sem alarde. Não fez barulho nenhum, apesar ter feito muito barulho.
Anos depois, não existia falta de ar ou coração veloz no Luna. Serenidade era a palavra guia, a guia mestre. Desde “Bewitched” já se sabia que os corações ali já haviam corrido demais, que o ar já havia faltado em demasia. Nenhum instrumento gritava porque todos ouviam. Ninguém gritava porque queriam ouvir o mínimo, compreender a beleza, dizer o mínimo, abrir as brechas para que os ouvintes a explorassem. Todos os sentimentos do mundo. Todos os seus sentimentos. Calmos, suaves, frescos, límpidos, puros – como só a falta de pureza, a desobediência civil e o desregramento podem levar. O rock não é tudo isso, não é exatamente isso?
Nos anos 90, Luna era essência. Essência da alma na essência do rock. Evidentemente, não na superfície. Na superfície havia aquele garoto que preferia queimar de uma vez ao desaparecer aos poucos. Foi o que ele fez. É engraçado e curioso como o rock é tão profundo em sua própria superfície: um paradoxo. Falo de rock, não de quem quer fazer rock. Esses outros (tantos exemplos…) não estão sequer na superfície.
Kurt precisou contar rápido a sua história porque a abandonou logo em seguida. Dean e Britta contam devagar, mostram devagar quem são, se amam devagar, e com a falta de pressa chegam rápido ao ponto central. Não é de estranhar que o primeiro disco com o nome dos dois juntos, lançado no mesmo momento em que o Luna dizia adeus, chame “L’Avventura” (2004). Viver intensamente e sobreviver é mesmo aventura para poucos.
Há quem pense, na área científica, que não é preciso ler antigos textos importantes porque eles estarão incorporados nas novas discussões, nos novos textos importantes. Arte não tem nada a ver com isso. Arte pop muito menos. Pop Art são várias imagens de Marilyn Monroe juntas, cada uma diferente da outra, cada uma com sua cor. Música pop é quase isso. São várias imagens que podem até mostrar o mesmo, mas o mesmo é sempre diferente. Todas as diferenças, todas as cores, todas as vozes, tudo isto importa.
Em “L’Avventura”, o mesmo é o Luna, diferenciando-se em seus dois principais integrantes. Cada um com seu peso, dele a voz mais grave, dela a mais aguda, os dois suaves. Declaram-se apaixonados logo no começo. Em “Night Nurse”, segundos depois do início do disco, Dean canta “You are the treacle in my pie You are the splinter in my eye You make the ice melt, the butter run You are the ink stain, you are the one”. A voz dela entra em seguida e juntos eles cantam “Sleep together the milkyway Sleep forever and a day Lovely jewels in joy designed”. Amor flutua no disco todo – perda, felicidade, paixão, tristeza decorrente. É realmente essência.
Amor ponto de tangencia, amor cola (não grude), amor que junta covers de Madonna (“I Deserved It”) e de Doors (“Indian Summer”). Madonna, a mulher de “Na Cama com Madonna”, do sexo oral, um símbolo do marketing do hedonismo tão anos 90, aquele muito mais dito do que vivido. A mulher que demorou 40 anos para encontrar Guy Ritchie e que o procurou durante 40 anos. Morrison, o homem que escreveu que queria transar com a mãe, um símbolo sexual tão anos 60, tão verão do amor, descobertas lisérgicas, afrontas aos “bons” costumes. O homem que faz uma letra apenas com o verso “I love you, the best better than all the rest that I meet in the summer Indian Summer” que, por mais outro significado que tiver, vai soar sempre romântica para muita gente.
Por fim, amor-síntese. Se você quer fazer um disco universal, um disco que transborde fronteiras físicas e comportamentais, um disco que qualquer um entenda e sinta as suas palavras, faça um disco sobre amor. O ser humano é muito diferente entre seus pares, mas amor é essência, mínimo múltiplo comum. O Luna também. Por isso “L’Avventura”, um disco não Luna, diz muito sobre o que eles sempre foram. As almas estão ali abertas, podemos enxergar por dentro delas. Toda a intensidade do mundo.
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