Entrevista por Jonas Lopes
O Brasil volta a andar de mãos dadas com o Super Furry Animals após a banda galesa ter feito um dos shows mais elogiados do Tim Festival 2003, saindo do palco, inclusive, com a taça Julis Rimet nas mãos. “Love Kraft”, novo álbum do grupo, que ganha edição nacional via Trama, foi gravado parte na Espanha, parte no Brasil, tendo sido mixado novamente por Mário Caldato, no Rio de Janeiro. O disco ainda traz “homenagens” para a cidade maravilhosa na arte do encarte e samplers de barulhos das ruas cariocas.
“Love Kraft”, porém, não reedita a criatividade de álbuns como “Radiator” (1997) e “Guerrilla” (1999), e segue a linha madura e contemplativa de “Phantom Power” (2003), que já havia marcado uma guinada na carreira da banda. O Scream & Yell conversou por telefone com o baixista Guto Pryce e descobriu que os galeses gostam mesmo de baile funk, assistiram a um show de Jorge Ben no Sugar Bread Mountain, e deixaram a tv desligada no último ano, o que acabou por diminuir o tema “política” nas novas canções, e também impediu a banda de ver “Hello Sunshine” embalar uma primeira vez de um garoto no seriado The O.C.. Confira o papo.
Parte de “Love Kraft” foi gravado no Brasil. Que diferença isso fez para o disco?
O álbum foi mixado no Rio, então muitas das gravações já estavam prontas. Nós estávamos meio receosos, não queríamos ir ao Rio e tentar gravar um disco de samba. Nós queríamos fazer um disco do Super Furry Animals. Fizemos gravações nas ruas, sampleamos o som da cigarra, um inseto, e vários barulhos das ruas do Rio, e eles acabaram entrando no disco. Eu não acho que seja um disco que soe tipicamente brasileiro, mas possivelmente o sol e a boa temperatura que pegamos aí influenciaram o disco.
Vocês ouviram alguma coisa de música brasileira enquanto estavam no Brasil?
Sim, sim. Ouve-se música em qualquer lugar que se vá. Nós realmente gostamos da música dos bailes funk, porque não soa como nada que nós já ouvimos. E muito Jorge Ben – fomos ao “Sugar Bread Mountain” (Pão de Açúcar) ver um show do Jorge Ben. Muita coisa brasileira clássica, e nós temos ouvido Tropicália e Os Mutantes, uma grande influência.
Quais as diferenças entre “Love Kraft” e “Phantom Power”, na sua opinião? Você acha que eles seguem a mesma direção?
Eu acho que sim, porque são dois discos muito acústicos. Várias das canções tem base acústica. Nós nunca queremos repetir o que já fizemos no passado, mas em “Phantom Power” e em “Love Kraft” nós usamos o nosso próprio estúdio mais do antes, e aprendemos a usar as máquinas. Eu acho que é uma progressão natural, mas não são o mesmo disco, definitivamente.
O lançamento do disco solo de Gruff alterou alguma coisa na gravação de “Love Kraft”?
Não, acho que não. Foi bom para o Gruff botar aquelas músicas para fora, porque ele escreve tantas… Eu imagino que ele fique muito frustrado, você sabe, porque leva um ano para se gravar um disco, e então mais um tempo para as músicas serem lançadas – e ele na verdade compõe muito mais do que o que é lançado. É uma espécie de alívio para ele botar isso para fora e poder seguir em frente.
No disco novo, pela primeira vez, os outros membros da banda participam com vocais. Por que essa mudança agora?
No passado Gruff escreveu boa parte das músicas, e agora aconteceu de os outros escreverem também, pois nós temos nosso próprio estúdio e é mais fácil compor. E é bom porque tivemos músicas diferentes de direções diferentes e de pessoas com influências diferentes. O desafio era continuar soando como a mesma banda.
É o segundo disco de vocês produzido pelo brasileiro Mário Caldato. Como é trabalhar com ele?
Muito bom. Ele é um cara muito extrovertido, alegre, muito relaxado, e que nos deixou relaxados também. Ele não gosta de stress no estúdio, todos estavam alegres. É um cara muito positivo para se ter por perto.
Por que o nome “Oi Frango”?
(Risos) Porque eu acho que eram as duas palavras que nos lembrávamos mais. Ouve-se “oi” bastante, e ouvimos vários “frango”, então pusemos as duas palavras juntas. Foi uma coisa bacana de se fazer, o que nos lembrávamos como não-conhecedores da língua portuguesa.
Por que não há em “Love Kraft” nenhuma canção política, como em “Phantom Power”?
Eu acho que o clima de quando estávamos gravando “Phantom Power” era muito chocante, o clima político no mundo. Não melhorou muito, mas talvez tenhamos nos acostumado com isso. Não é que esquecemos, porque eu acho que muito ódio ainda vem à tona, mas, sim, nós decidimos que era hora de cantar sobre outros assuntos que não a política externa de George Bush. Já estava obscurecendo tudo que fazíamos. E foi bom viajar, gravar na Espanha e no Brasil, pois não vimos muita tv, não lemos jornais, e é bom calar a boca da tv de vez em quando.
Depois de tantos discos e incursões por gêneros distintos, o que o Super Furry Animals ainda pode fazer de diferente?
Não sei, o que fazemos vem de forma muito natural para nós. Não é como sentar e decidir fazer um disco diferente; é apenas que temos tantas influências diferentes, e membros diferentes sendo influenciados por qualquer coisa. Quer dizer que nós podemos ir para qualquer direção: ir para a eletrônica, para o folk. Não sei sobre o futuro, vai ser interessante ver como será. Nós vamos excursionar pela América, então talvez façamos um disco de rock, se nós nos influenciarmos por isso, nunca se sabe.
Uma última pergunta: você viu a cena do seriado The O.C. em que uma personagem tira a blusa e mostra os seios para um rapaz ao som de “Hello Sunshine”?
(Risos) Eu nunca vi isso. Não é o tipo de programa de TV que eu vejo…
É a primeira vez do garoto, e a cena se passa em câmera lenta…
(Mais risos) Isso é muito engraçado. Não, eu nunca vi.
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“Love Kraft”, Super Furry Animals
por Jonas Lopes
Pela primeira vez em sete álbuns saí decepcionado de uma audição de um disco do Super Furry Animals. Não: “Love Kraft”, lançado aqui pela Trama, não é ruim. Só não avança quase nada em relação ao anterior, “Phantom Power”. E quem é fã sabe até onde pode ir a criatividade da banda, capaz de fazer eletronices, tropicalismos, punk, soul, pop bubblegum, folk cantado em galês – às vezes tudo ao mesmo tempo. Nessa deliciosa esquizofrenia, maquinaram uma sensacional sucessão de grandes discos: “Radiator” (1997), “Guerrilla” (1999), “Mwng” (2000), “Rings Around The World” (2001).
“Phantom Power” (2003) foi uma guinada em direção a um som mais maduro e contemplativo, com algumas faixas que versam sobre política, algo inédito até então. Muita gente não gostou. Mas é outro belo disco, mais lento e menos irreverente, sim, mas com um punhado de acepipes memoráveis (“Hello Sunshine”, “Venus And Serena”, “Golden Retriever”).
Gravado parte na Espanha e parte no Brasil (onde foi mixado por Mário Caldato Jr.; ganhamos ainda uma “homenagem” no encarte, com referências a favelas cariocas…), “Love Kraft” também aposta nas baladas. Algumas são boas (“Zoom!”, “Ohio Heat”, “Frequency”), outras nem tanto (as modorrentas “Walk You Home”, “Cabin Fever” e “Atomik Lust”). E não são do mesmo nível das de “Phantom Power”.
As poucas tentativas de soarem divertidos acabam sendo o melhor de “Love Kraft”. A instrumental “Oi Frango”, a grudenta “Back On The Roll” e a “bizarra Psyclone!”- com uma letra que mistura dinossauros, galinhas e meteoritos e uma bateria que lembra a de “We Will Rock You” – estão entre esses momentos não-baladeiros. O electro-funk “Lazer Beam” tem frescor e é uma escolha acertada para single. Digna de figurar ao lado de “Juxtaposed With You”, “Herman Loves Pauline” e “Northern Lites”.
Engraçado é que o primeiro trabalho solo do vocalista Gruff Rhys, o caseiro “Yr Atal Genhedlaeth”, é mais inventivo que “Love Kraft”, embora mais irregular. A novidade maior do disco novo é que agora os outros membros também cantam, e é pouco, muito pouco para uma banda como o Super Furry Animals.
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