“Nossos shows são como uma bizarra, estranha congregação de pessoas que cantam nossas musicas de cor, do início ao fim. Acho que eles cantam tão alto que mal conseguem nos ouvir tocando”. Brian Bell não estava exagerando quando afirmou isso, por telefone, cerca de duas semanas antes do Weezer fazer seu – primeiro e único – show brasileiro. O fato é que, quando a banda começou o set, tocando “My Name Is Jonas” (a primeira música do primeiro disco deles), realmente não deu para ouvir direito o dedilhado de guitarra feito pelo próprio Brian. A gritaria que o público do Curitiba Rock Festival fez para receber Rivers Cuomo (guitarra e voz), Pat Wilson (bateria), Scott Shrine (baixo) e Brian (guitarra, teclados) soterrou os primeiros acordes da música. E naquela gelada noite de sábado, esse tipo de reação foi a regra.
É claro que o quarteto, reconhecidamente uma banda que excursiona muito (basta conferir o progresso das turnês no site www.weezer.com), já tinha uma ideia de como seria a recepção do povo brasileiro. “Estou muito excitado com a viagem, acho que vamos ser recebidos calorosamente, com muita energia. Vejo na minha cabeça muita gente bonita (risos), energia, exuberância, dança, alegria de viver”, chutou Brian em sua entrevista pré-show. Ele certamente tinha alguma ideia do que estava falando. “Recebemos cartas dos fãs brasileiros desde o começo da banda, não sei porque demoramos tanto tempo para vir”, diz o guitarrista, membro fundador do Weezer.
A visita ao Brasil serviu oficialmente para divulgar “Make Believe”, o quinto disco de estúdio do grupo. Quatro meses depois do lançamento do álbum, a banda parece satisfeita com o resultado. “Eu ainda não me cansei de ‘Make Believe’. Acho que no processo de gravar o disco eu talvez tenha me cansado um pouco das músicas, mas foi só. Não foi um disco que ouvimos muito logo depois de acabarmos de gravá-lo; agora só ouvimos as músicas ao vivo, ou quando precisamos pegar o disco de novo por ter esquecido como tocar algum pedaço. Nós estamos tocando um punhado de músicas novas, tentando fazer justiça às versões de estúdio. Não estamos preocupados em mudar as canções ou faze-las ‘evoluir’; o disco tem muitas texturas sonoras que nunca tínhamos feito antes. Apenas recriá-las ao vivo já é um desafio”, elabora Brian. “É diferente de pegarmos músicas antigas e tentarmos adicionar coisas a elas para fortalecê-las, pensando ‘era assim que deveríamos ter gravado originalmente’. Agora é o oposto, estamos tentando igualar o CD. Nós pusemos muitos teclados nesse disco, e eu toco os teclados ao vivo”, completa. Detalhe: o Moog que Bell tocou em Curitiba foi emprestado pelos gaúchos da Bidê Ou Balde.
Em relação aos shows que a banda tem feito nos últimos meses, o show no Curitiba Master Hall teve algumas alterações no set list. Saiu, por exemplo, “Pardon Me”, para entrar “This Is Such a Pity”. De resto, prezando o ineditismo da visita, o Weezer fez um show que reviu (quase) todas as fases da carreira da banda. O povo parecia não acreditar. Seria real? Talvez o título do disco, “faz de conta”, seja o que se passou na cabeça dos quase quatro mil presentes à primeira noite do CRF. Para Bell, a expressão que dá nome ao CD é mais um enigma para os fanáticos. “É difícil para mim responder o que significa realmente. Ele (Rivers) veio com o título há dois anos e ele apenas gostava da expressão, sem pensar se era negativo ou positivo. A definição que ele deu… me lembro que me pareceu um bom título na capa e que caiu bem com a arte do CD. Sobre o que significa, ou como se encaixa no contexto das letras ou até da música… é realmente algo que ninguém pode dizer, só ele”, diz o guitarrista.
Mas há algumas pistas. Como por exemplo, a sinceridade, característica muito associada aos versos de Cuomo (e que tanto agrada, por exemplo, a moçadinha emo). “Rivers disse que queria se distanciar totalmente da ironia com as novas músicas”, explica Bell. “Ironicamente (risos), os dois primeiros singles são justamente os que têm letras irônicas!”, continua, referindo-se a versos como “Meu automóvel é um pedaço de lixo/ Meu gosto para roupas é meio maluco/ E meus amigos são tão cool quanto eu” (de “Beverly Hills”) ou num refrão como “Estamos todos drogados/ Nunca é demais / Estamos todos drogados / Me dê mais desse negócio” (“We Are All on Drugs”). “Acho que, mesmo sem perceber, ele acabou sendo irônico, ou melhor, os versos soaram como ironia. Mas ele disse que são letras muito sérias, que foram escritas no calor do momento, com emoção”, diz Brian.
Seria apenas mais uma das contradições e esquisitices de Cuomo? O bom cantor, compositor de mão cheia e hábil guitarrista que influenciou mais de uma geração de roqueiros, indies ou não, tem uma tremenda fama de maluco. Bell começa a definir sua relação com Cuomo, meio hesitante: “Bem… isso vai ser impresso em português? Então acho que posso dizer.. (risos)” Ele prossegue, relaxado: “É uma boa pergunta, mas sempre que me perguntam isso eu tento enrolar um pouco para responder, dependendo de como Rivers se comportou na última semana. Se ele foi legal eu dou uma resposta, se não, eu mudo o que vou dizer. Mas na maior parte do tempo, olhando para o lado positivo, eu tenho de dizer que tenho muita sorte de trabalhar com alguém como ele. Mesmo que às vezes não consigamos nem ensaiar regularmente, porque ele vive fora da cidade (de Los Angeles).”
Bell segue: “Ele é muito motivado e inteligente, e sempre que se decide a fazer algo, vai até as ultimas consequências. Ele é um cara extremado. Eu definitivamente aprendi olhando os métodos dele. É muito metódico. Conviver com ele é como fazer um estudo sociológico (risos). Gostaria de ter escrito sobre essa experiência ao longo dos anos. Não gostaria de explorá-lo ou coisa parecida, mas acho que poderia ganhar um monte de dinheiro escrevendo sobre como ele é na intimidade. É interessante. Não importa o que eu diga, nunca vai fazer justiça sobre a verdade. Não dá para resumir em uma palavra. Ele pode ser um cara frio? Sim, pode. Mas também é muito fácil trabalhar junto com ele. Definitivamente, nunca se sabe o que esperar de Rivers.”
Muito por causa de Rivers, de suas letras desabridas sobre paixões juvenis e inadequação social, e de sua imagem pública, o Weezer carrega a pecha – incômoda? – de reis do “nerd rock”. Faz sentido, Brian? “Dizem que fazemos ‘geek rock’. Quando o termo surgiu, eu nunca tomei como algo pessoal. Nunca me considerei um nerd, talvez na sétima série, na escola…”, começa o guitarrista. É claro que com músicas como “In the Garage” ou “Why Bother?” no currículo, fica difícil de contestar… “Acho que, pelo fato de não escrever as canções, sou capaz de não levar esse papo para o lado pessoal. Rivers talvez tenha uma imagem completamente diferente a respeito disso”, pensa Bell. E ele continua, afinal concordando: “Quando penso em nossa imagem e reflito em como as pessoas nos veem, sei que elas veem “o-carinha-de-óculos”. E essa imagem na cabeça das pessoas diz: nerd. Por mim está tudo bem. Acho bom que a mídia tenha achado um nicho para escrever a respeito, para que as pessoas nos conheçam. E isso na verdade nos ajudou a conseguir um lugar na historia do rock como os ‘nerd rockers’. Definitivamente nos separou das outras bandas. Então acho que na verdade foi uma bênção.”
Bênção ou não bênção, é verdade que existe um lugar especial na história para o Weezer. Nenhuma banda surgida no vácuo da explosão pós-grunge fez uma ponte tão peculiar entre o rock alternativo e o mainstream. As melodias grudentas e inesquecíveis, as guitarras tentaculares e as letras repletas de “confissões” (pessoais ou não, verdadeiras ou não) não conquistaram simplesmente milhões de fãs – na verdade, formaram uma legião de adoradores, a ponto de o grupo poder ser reconhecido como um dos mais influentes no rock alternativo dos últimos dez anos. Que o digam compatriotas como Los Hermanos, Leela e os já citados Bidê ou Balde (que gravaram uma versão em português para “Buddy Holly”).
“As pessoas me falam, me dão demos, e eu escuto todos me dizendo ‘oh, há esta nova banda, eles soam como o Weezer, você vai amar’. E tudo o que penso é: por que tenho de amá-los por se parecerem conosco? Na verdade, estamos sempre tentando fazer com que o Weezer NÃO soe como o Weezer! É como quando dizem que influenciamos as bandas de emocore. Não gosto de emo – ainda que muita gente possa me odiar por dizer isso”, dispara Bell, refletindo sobre a malta de grupos influenciados por sua banda. “Acho que as pessoas podem tentar, mas ainda não são capazes de rotular o nosso som. Nossas músicas deixam as pessoas felizes, o que é ótimo. É isso o que importa.”
– Texto de Marco Antonio Bart (@bartbarbosa), jornalista que assina o blog Telhado de Vidro
Leia também:
-“Poucas bandas me decepcionaram tanto quanto o Weezer nos últimos 10 anos” (aqui)
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