por Leonardo Vinhas
Com o perdão pela expressão desgastada: Laerte é o cara! Sem querer enunciar deméritos ou mesmo estabelecer comparações com demais cartunistas, o fato é que não há no Brasil outro que mereça ser chamado de mestre.
Sua identidade não é percebida apenas em seu traço singular – sua narrativa, a cinética de suas histórias e o enfoque aos vários temas abordados não encontram paralelo mesmo em seus companheiros vivos ou mortos, como Henfil, Angeli, Luiz Gê, irmãos Caruso ou Glauco.
De uns tempos pra cá, seus trabalhos viraram item de livraria – como, aliás, é a tendência atual do mercado de quadrinhos nacional. A editora Olho d’Água publicou os três livros da série “Deus segundo Laerte”, e a Devir/Jacarandá vem se dedicando a lançar coletâneas de seus personagens mais conhecidos: Fagundes, o Puxa-Saco, Piratas do Tietê, Overman e a garota circense Suriá já ganharam edições homônimas, e somente há pouco tempo, os Gatinhos ganharam sua vez, com esse “Bigodes ao Léu”.
Uma das criações mais queridas do autor e de seu público, os Gatinhos sintetizam todas as neuras e prazeres da vida a dois (ou a três, ou a quatro, ou de quatro…). A vida felina fica muito parecida com a vida humana, e vice-versa, numa abordagem tão absurda quanto cínica e despudoradamente realista.
Duvida? Veja as tiras que ilustram essa matéria. Tanto o Gato como a Gata, ainda que com suas personalidades marcantes e distintas, sintetizam uma gama enorme de sensações, desejos, falhas e virtudes que os seres humanos costumam exibir quando estão “no cio”. Ou então quando não conseguem cumprir essa função “reprodutora”. Mas ainda que o sexo domine as tiras, ele não é o único tema, como acaba não sendo o único aspecto de nossas vidas (até seria bom se fosse, mas…).
Família e afins estão em evidência também, graças à presença de Messias, o filho do Gato com alguma gatinha que ainda não deu as caras. Paranoias paternas com drogas, interferência dos pimpolhos na dinâmica de um casal, projeções infantis sobre homem e mulher – Messias serve de “escada” para tudo isso.
A Gata, por sua vez, alterna certeza e arrogância com a mais completa insegurança, como a maioria das mulheres. Sensual e provocante, mas terrivelmente exigente e nada conservadora, ela é o sonho e o pesadelo do Gato, que de santo também não tem nada (ainda que às vezes tenha muito de bobo, como nós homens temos, principalmente quando nos apaixonamos).
Essa fuga de estereótipos e arquétipos é o que torna os Gatinhos personagens tão populares e cativantes. Como (a maioria de) nós, eles não se encaixam facilmente em categorizações, embora às vezes tentem. E a condução narrativa e as histórias de Laerte são tão envolventes e divertidas que dispensam teorias como a dessa matéria, basta uma leitura para criar o hábito.
Problemas? Como em tudo, sempre há. Além de não trazer tiras inéditas (se bem que é, de fato, uma coleção de republicações), o preço não é dos mais acessíveis: R$ 23,00 em média. Por um livro que não tem nem 100 páginas, é um pouco salgado demais. Mas parece que o encolhimento do mercado de bancas acabou gerando esse efeito colateral de transformar os quadrinhos em artigos de luxo.
Mas tudo bem. Nós, homens, adoramos colecionar bugigangas e exibi-las aos amigos, tal qual o Gato…
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell
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