por Marcelo Costa
M. Night Shyamalan não deve gostar de “O Sexto Sentido” (1999). Em seu terceiro filme, Shyamalan conseguiu a benção de público e crítica ao criar uma história sensacional de um menino que via pessoas mortas. O grande problema é que após o imenso sucesso surgem as cobranças. Deste então, o cineasta indiano não conseguiu arranhar o status de genial de “O Sexto Sentido”, e lá se vão cinco anos e três filmes.
Não é que ele tenha dado errado em seus filmes seguintes. “O Corpo Fechado” era uma fábula sobrenatural amparada em quadrinhos que tem lá seus atrativos enquanto “Sinais” discutia a (perda da) fé contando com a presença de alienígenas. Ambos os filmes trazem bons momentos, mas não conseguem se manter impecáveis por todo o percurso, caso de “O Sexto Sentido”.
“A Vila” (2004), porém, é diferente. Não que seja um filme perfeito (não é), mas terminada sua Trilogia do Medo (“Sexto Sentido”, “Corpo Fechado” e “Sinais”), Shyamalan volta seus olhos para o mundo real, observa as coisas a sua volta e escreve uma bela metáfora dos tempos modernos. Há suspense, afinal, essa é a especialidade do diretor, mas aqui a história é muito mais importante do que o jeito em que ela é contada.
Uma comunidade vive em uma vila assombrada por “aquela-que-nós-não-ousamos-dizer-o-nome”. Há um limite até onde as pessoas podem ir e esse limite precisa ser respeitado, caso contrário, “aquela-que-nós-não-ousamos-dizer-o-nome” poderá invadir a vila e dizimar todos os moradores. Para que isso não aconteça, os fantasmas ou “seja-lá-o-que-forem” fizeram um pacto de respeito pelo território. Os humanos não invadem o deles e eles não invadem o território dos humanos. Há, ainda, rituais de oferenda de animais. A cor vermelha está proibida na vila, enquanto o amarelo é o sinal de proteção.
Tudo isso funciona até um dos jovens (Joaquin Phoenix) querer arriscar a vida, ultrapassar a floresta dos “malditos-mostros-blá-blá-blá” para chegar até uma cidade próxima e comprar remédios e outras coisas de extrema necessidade no povoado. O conselho não aprova, o jovem se arrisca a invadir, os monstros surgem.
Aqui, estamos – mais ou menos – na metade do longa e é quando as peças começam a se encaixar. O amor entra em cena, a loucura também. E a realidade. É quando o manto se cai e a metáfora se completa utilizando o medo como objeto de manipulação da comunidade. Ou, para ser mais direto, como os Estados Unidos de George W. Bush. É o medo sendo utilizado como manipulação de mentes.
Com um bom elenco que traz Adrien Brody como deficiente mental, Ivy Walker como Bryce Dallas Howard, filha cega do líder da vila, Edward Walker (William Hurt), Sigourney Weaver como Alice Hunt, mãe de Lucius (Joaquin Phoenix) e M. Night Shyamalan como chefe da patrulha, A Vila não surge clássico como “O Sexto Sentido”, mas é urgente para o momento que estamos vivendo. Crítica e público vão viver esperando que o cineasta indiano aplique outra de suas “histórias-que-só-se-desvendam-no-final”. Até acontece em “A Vila”, porém, enquanto isso, o medo (algo com que Shyamalan lida com particular excelência) toma conta do mundo. É de se assustar realmente.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.