texto e entrevistas por Marcelo Costa
Após 30 anos de seu lançamento original, o clássico álbum que marca o encontro em estúdio da “maior cantora do Brasil” (grifo de Tom Jobim) com um dos maiores músicos brasileiros de todos os tempos (o próprio maestro) retorna com nova mixagem, em seis canais, em nova embalagem, e as mesmas e belas velhas canções e histórias que o tornaram um dos melhores discos da música popular brasileira. A versão em DVD Áudio 5.1 conta com duas faixas bônus.
“Elis & Tom” foi gravado, originalmente, entre 22 de fevereiro e 9 de março de 1974, em quatro sessões no estúdio MGM, em Los Angeles. A escolha de um estúdio gringo nada tem haver com a procura por um melhor som, uma melhor engenharia eletrônica: depois de proposto o projeto, se fez necessário ir até Tom Jobim, pois Tom não poderia se desligar de seus compromissos nos Estados Unidos. Um grupo reduzido de brasileiros, (“acho que doze”, relembra, hoje, Cesar Camargo Mariano, pianista, arranjador do disco e marido de Elis à época) partiu para a Califórnia para, entre coisas, assustar o maestro. Tom Jobim acreditava que o projeto seria algo grandioso e ficou surpreso ao saber que “a juventude” iria tomar as rédeas das gravações.
Em 1974, Tom estava com 47 anos, Elis com 28 e Cesar com 30. Quando soube que, além dos arranjos de Cesar, o grupo estava aguardando um trio de instrumentistas brasileiros (para formar com Cesar o quarteto que já acompanhava Elis no Brasil), Tom foi emblemático: “Parem este avião”. O maestro acreditava que a fauna de músicos locais poderia marcar presença nas gravações. No entanto, o grupo (Paulinho Braga na bateria, Luizão Maia no baixo e Helinho Delmiro na guitarra, acrescido dos violões de Oscar Castro Neves) conseguiu surpreender Tom Jobim.
Após ouvir as fitas originais, tarde da noite, na companhia de Cesar, Tom elogiou o projeto. Na manhã seguinte, ligou para o casal e os brindou com uma de suas belas metáforas. “Eu gosto de tomar banho de banheira, com água parada. Já vocês gostam de tomar banho de chuveiro, com água fresca. Fiquei um pouco assustado quando recebi tanta informação nova, trazida pelos jovens”. Para Cesar, o elogio se tornou inesquecível. “Tom Jobim era espirituoso, bem humorado, fantástico”, relembra o músico.
Após ter comemorado os 10 anos de carreira de contratados como Jorge Ben e Jair Rodrigues em 1973, a direção da Philips verificou que no ano seguinte a cantora Elis Regina estaria completando 10 anos no elenco da companhia. Depois dos estrondosos sucessos de “Casa no Campo” e “Águas de Março” nos anos anteriores, o então presidente André Midani perguntou a Elis o que ela queria de presente e logo ouviu: “Gravar um disco de músicas de Tom Jobim… com Tom Jobim”.
O pedido “derrubou” a direção da gravadora. “Acho que eles esperavam que ela pedisse um carro, um Mercedes, e não um novo disco”, brinca Cesar. Apesar do imenso sucesso de Elis, gravar um disco com Tom Jobim, a toque de caixa, era algo tremendamente dispendioso para os cofres da gravadora. O orçamento inicial não permitiria levar Elis, Cesar e Aloysio de Oliveira (produtor do disco) para os Estados Unidos, onde Tom morava há alguns anos. No entanto, diante da impossibilidade do maestro vir ao Brasil, Elis e Cesar foram para Los Angeles, onde Aloysio tinha um apartamento, e foram recepcionados no aeroporto por Tom – que os levou para tomar café em seu apartamento e, claro, para uma primeira reunião.
“Tom nos recebeu no aeroporto de pijama e com uma rosa na mão, de guarda-chuva sobre a garoa”, relembra César. “Ele já foi contando que tinha duas músicas entre as trinta mais enquanto os Beatles tinham quatro”. “Mas eles são quatro e eu sou um, né”, analisou sagazmente o maestro. Tom Jobim ficou assustado quando disseram que era Cesar quem iria fazer os arranjos. “Você??!! Mas como?”, disse Tom, para desespero do jovem. Sem pestanejar, Tom pediu à esposa que lhe passasse os telefones de Claus Ogerman e Dave Grusin, que se revelaram assoberbados ao serem procurados para um projeto tão em cima da hora.
Passada a tensão inicial, o estúdio se mostrou apaziguador para todos. Com o maestro Bill Hitchcok regendo a orquestra, o disco precisou de quatro dias para ser gravado. Tom participou dos dois primeiros dias de gravações, marcando presença em 8 das 14 canções originais do disco (e nas duas faixas bônus que engordam a edição em DVD deste relançamento). “Nós já tínhamos o projeto fechado muito antes”, conta Cesar. “Quando eu e Elis íamos dormir, ficávamos pensando que essa música seria legal entrar, aquela outra poderia ter um arranjo assim e tal”, completa. “Nós conhecíamos o Tom de bar, mas só fomos estreitar a amizade quando ele ofereceu ‘Águas de Março’ para a Elis, em 1971”, diz o músico. Tom tinha acabado de compor e (Roberto) Menescal ouviu e deu a sugestão de que Elis seria perfeita para gravá-la. Tom ofereceu a música e Elis a gravou, tornando-se um grande sucesso nacional.
“Elis & Tom” abre com o clássico “Águas de Março”. A nova mixagem traz uma curta vocalização de Elis antes da canção começar. Tom no “piano de pau”, Cesar no piano elétrico e Oscar Castro Neves no violão são acompanhados por Luizão, Helinho e Paulinho. Nesta nova versão de “Elis & Tom”, Cesar preferiu deixar algumas “sujeiras”, falas de Elis e Tom, barulhos de estúdio, como pés batendo no chão contando de tempo. Outra opção foi esticar o final de algumas canções. “As jams são muito legais. É quando o músico pára de ler a partitura e saem as coisas mais legais”, justifica o produtor.
“Pois É”, parceria de Tom com Chico Buarque, “Só Tinha de Ser Com Você”, “Triste” e “Brigas, Nunca Mais” contam apenas com Elis e seu quarteto, sendo que as três últimas ainda trazem Oscar no violão. “Modinha” foi arranjada por Tom e traz o maestro ao piano acompanhado pela orquestra. “Corcovado”, “Soneto de Separação” e “Retrato em Branco e Preto” tiveram arranjos de orquestra escritos por Cesar enquanto Tom toca piano nas três, dueta com Elis nas duas primeiras e toca violão em “Corcovado”. “O Que Tinha de Ser” e “Inútil Paisagem” são apenas Elis e Tom, voz e piano enquanto “Por Toda a Minha Vida” é só Elis e orquestra.
A versão de “Fotografia” contida na versão original do disco foi gravada em São Paulo, meses depois das gravações em Los Angeles e conta com Chico Batera na percussão. No DVD Áudio, duas faixas bônus engordam esta edição especial. Um take alternativo de “Fotografia”, em um arranjo gravado nas sessões da MGM e que conta com Tom Jobim na guitarra. “A gente já tocava esta versão desde 1970 nos shows e, quando chegamos lá, pensamos: ‘Vamos mostrar ela para o Tom’. A gravação, no entanto, acabou sendo deixada de lado, entrando uma outra versão, gravada em São Paulo. Uma versão de “Bonita,” escrita em inglês, também é um dos presentes desta reedição. “Elis tinha ficado grilada com a pronúncia”, diz Cesar. As duas bônus estão apenas na versão DVD Áudio do disco. O DVD Áudio, que roda em aparelhos de DVD vídeo, traz uma mixagem em 5.1 e o CD, uma nova mixagem estereofônica.
Mariano assegura que nada foi mexido no trabalho original. “Nós pegamos os tapes originais e mixamos de novo”, contou o músico. “Não mudei uma virgula”, diz, explicando que quem comparar a versão estéreo lançada em 1974 com a de 2004, não verá diferenças. Porém, terá surpresas quem puder ouvir o disco na versão 5.1. “É como se o ouvinte estivesse dentro do estúdio”, garante o músico.
A idéia de mixar o disco gravado em 1974 com a tecnologia atual surgiu de conversas de João Marcelo Bôscoli (presidente da gravadora Trama e filho de Elis Regina) e Max Pierre, vice-presidente artístico da Universal. A parte técnica foi desenvolvida por Cesar Mariano e pelo engenheiro de áudio Luis Paulo Serafim.
Por mais que seja um de seus discos prediletos em toda sua vida, Mariano admite que mexer neste material foi terrível. “Foi terrível, no bom sentido”, diz o músico. “(Na época) Muita coisa ficou mágica, não ficou real. Quando eu sentei para trabalhar com esse material agora, essa magia ficou real. Apareceram conversas, respirações dela (Elis), do Tom, do maestro, tornando todo o material muito vivo, como se a gente tivesse gravado isso hoje de manhã”, explica.
César diz que lembra até das posições dos instrumentos no estúdio da MGM. E conta que a emoção tomou conta do estúdio em que ele e Luis Paulo Serafim mixaram o disco para a edição especial. “Ele (Luis) tinha acabado de nascer quando essa obra saiu e participou deste processo de mixagem chorando o tempo todo de emoção ao ouvir aqueles músicos, muitos que já nem estão mais conosco”, conta Mariano.
Para João Marcelo, relançar “Elis & Tom” é como lançar um novo disco. “Para mim, estou lançando um novo disco de Elis Regina, e melhor, com Tom Jobim. É o melhor disco deste ano e do ano que vem. É a maior cantora de todos os tempos”, encerra João Marcelo.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.