texto por Marcelo Costa
“Superfantástico”, Vários (Som Livre)
“Superfantástico – Quando eu era Pequeno…” é, como diz o subtítulo, uma coletânea de artistas fazendo versões para “clássicos” do cancioneiro infantil via programas de televisão. Impossível ser imparcial quando o Capital Inicial enche de guitarras “A Casa”, de Vinicius de Moraes (aquela do “Era Uma Casa Muito Engraçada, Não Tinha Teto Não Tinha Nada”), composta para o especial Arca de Noé de 1980, da Tv Globo, ou Érika Martins, da Penélope, preenchendo com sotaques bjorkianos a melodia grudenta de “Superfantástico”, tema do Balão Mágico (1982), em um dueto com Arnaldo Antunes. Além destas duas, destacam-se os mineiros do Pato Fu colocando barulhinhos em “O Relógio” (outra da Arca de Noé de Vinicius), o Biquini Cavadão com “O Carimbador Maluco” (tema do especial “Plunc Plact Zun”, de 1982), Frejat encarnando poesia com “Cinto de Inutilidades” (tema do Globo Cor Especial de 1972), Branco Mello voltando a ser criança em “Vigilante Rodovoário” (tema do programa homônimo de 1962) e até Kelly Key soando passável com “Doce Mel” (tema do Xou do Xuxa – 1986). O prêmio hors-concours fica com o Los Hermanos, emocionando com “Hollywood” (tema dos Saltimbancos Trapalhões), letra perfeita de Chico Buarque. Amparado na inocência de anos que não voltam mais, “Superfantástico – Quando eu era Pequeno…” surge como uma empreitada descompromissada e altamente recomendável.
“Auto-Fidelidade”, Ritchie (Deck Disc)
Pouco mais de dez anos sem trabalho inédito (excetuando o “super grupo” Tigres de Bengala com Vinicius Cantuária, Claudio Zoli, Dadi, Mu e Billi Forghieri que lançou trabalho homônimo em 1993) e o autor de “Menina Veneno” retorna com disco novo, sem apelar com regravações ou acústicos. “Auto-Fidelidade” são 14 faixas inéditas (cinco delas cantadas em inglês) em que o pop rock suave, bem tocado e bem interpretado, direciona o trabalho. Para a empreitada, Ritchie reuniu um time luxuoso de músicos de estúdio, incluindo Marcelo Sussekind (violões e guitarras), Humberto Barros (teclados), Christiaan Oyens (Lap Steel, Metalofone) e Marcos Suzano (percussão), entre outros. Nas letras, o velho parceiro Bernardo Vilhena (de “Menina Veneno”, “A Vida Tem Dessas Coisas” e “Vôo de Coração”) assina a balada rock “Lágrimas Demais” (“Mais um dia se passou assim, sem ter fim nem começo”), a levemente funkeada “Sede de Viver” e o pop leve com gaita deliciosa “Ninguém Sabe O Que Eu Sei”, além de “Jardins de Guerra”, com boas guitarras. O melhor poeta pop da atualidade, Alvin L (responsável pelas letras do Capital Inicial), assina a nickhornbiana “Auto-Fidelidade” (“Eu tambem quero o amor perfeito / Desde que ele seja mesmo o amor / Mas eu nunca quis deixar de ser quem eu sou”) e “Lua, Lua”, enquanto Erasmo Carlos escreve “Eu não sei onde foi que eu errei… / Só queria amar você…” na jovem guarda de “Onde Foi Que Eu Errei/”. Composto ao violão (ao contrário de seus seis álbuns anteriores, em que as composições partiam do teclado), “Auto-Fidelidade” surge honesto e de extremo bom gosto, pop perfeito para tocar em rádios, caso essas não estivessem dominadas pela cultura do jabá. Mas mais do que um registro, a volta de Ritchie (assim como a de Leoni) com um bom trabalho a margem de modismos merece ser recebida com aplausos.
“Eu Não Peço Desculpa” – Caetano Veloso e Jorge Mautner (Universal)
Sem lançar um disco afiado desde o mediano “Tropicália 2”, parceria com Gilberto Gil em 1993, Caetano Veloso ampara-se em outro parceiro (o “maldito” Jorge Mautner”) para recriar seu “samba, suor e cerveja”, embora a tríade que move esse “Eu Não Peço Desculpa” seja “modernidade, humor e morte”. A modernidade é cuidada com bons arranjos que atualizam a música brasileira em um resultado bastante superior a “Tropicália 2” (que buscava uma pretensa modernidade, mas soava forçado resvalando no óbvio). Aqui, o descompromisso justifica a empreitada. Assim, beats eletrônicos e barulhinhos se misturam a violões e percussão. O resultado é excelente. Tematicamente, então, a coisa é divertidissima. Da abertura com “Todo errado” (uma marcha rancho brega deliciosa), a faixa que traz o título do álbum e que diz “Psicótico, Neurótico, Todo Errado / Só Porque eu Quero Alguém que Fique 24 Horas Do meu Lado”, passando pelo sambinha “Feitiço” (que praticamente resume o disco: “nosso samba tem feitiço tem farofa, tem guitarra de rock and roll, batuque de candonblé, tem mangue beat, berimbal, tem hip hop, Vigário Geral, tem regaee pop, Fundo de Quintal, Capão Redondo, Candeal…”), a eletrônica “Manjar de Reis”, um samba a lá Caetano, “Tarado”, e uma recriação/atualização hilária de Carlinhos Brown, “O Namorado” (tem namorado) tudo soa atual e divertido. Entre 14 canções, versões para “Maracatu Atômico” de Mautner (com Caetano exigindo mais do que sua voz permite) e “Cajuína” de Veloso (com Mautner denso e poético até não poder mais) além do samba exaltação às mulheres “Hino do Carnaval Brasileiro”, de Lamartine Babo. Buscando apenas registrar um trabalho conjunto (que de parceria mesmo foram só três canções) sem procurar mudar o mundo (coisa que Caetano vem impregnando em seu discurso de forma chata já há um bom tempo), mas atendo-se apenas ao momento musical do parceiro, “Eu Não Peço Desculpa” é um delicioso registro de música descompromissada e, assim, de qualidade. Ponto para Caetano Veloso. Mautner? “Salve o nosso guia ‘pro’ que der e vier, salve o nosso guia Jorge Mautner” (em “Urge Dragon”).
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.