Faixa a faixa por Julio Costello
Acontece com toda banda importante depois de conceber uma obra-prima: como fazer para suprir as expectativas de um novo trabalho? Terrível a angústia gerada pelo desejo de não decepcionar o público, a crítica especializada e, porque não, a si próprios. Aconteceu com o Nirvana depois de Nevermind, Radiohead depois de Ok Computer, Mercury Rev, depois de Deserter’s Songs. Agora chegou a vez dos Flaming Lips. A especulação não é pequena.
Recapitulemos:
Corria o ano de 1999 e o mundo pop andava as voltas para incensar um novo “Ok Computer” – um ano antes, o eleito tinha sido o já referido “Deserter’s Songs” do Mercury Rev, banda irmã dos Lips (ambas de Oklahoma City) – e eis que o grupo publica o seu “The Soft Bulletin”, eleito o álbum do ano em muitas publicações.O Flaming Lips deixava de ser apenas um outsider e passava à redenção, sendo celebrado em quase todos os veículos de cultura pop. E todos os elogios eram merecidos: um disco repleto de melodia, senso pop e muita criatividade, fiel ao estilo “nosense” do grupo – que sempre preferiu uma boa piada à violência. “The Soft Bulletin” conclamava uma revolução pictórica reproduzida também nas bem sucedidas e catárticas apresentações da banda.
Agora a banda lança “Yoshimi Battles the Pink Robots” e antes que apareça a inevitável pergunta, eu respondo: sim o Flaming Lips conseguiram fazer outro grande disco, nada inferior ao “Soft Bulletin”. Grande na concepção, na delicadeza das melodias e, sobretudo, na dinâmica das canções, mais psicodélicas e atmosféricas que as do disco anterior. As letras continuam poéticas, tragicômicas e insólitas. “Yoshimi Battles the Pink Robots” analisa profundamente dilemas e problemas existenciais motivados pela perda recente de uma amiga de Osaka, Japão e de uma historinha com enredo bem peculiar: a garota Yoshimi deverá combater os temíveis robôs cor-de-rosa. Dura lição para a mocinha que se conflita entre o matar e o morrer escolhendo, obviamente, a primeira alternativa.
O estranho nome do álbum é, na verdade, uma homenagem a uma garota chamada Yoshimi P-we, baterista dos Boredoms e da Free Kitten (de Kim Gordon, do Sonic Youth). Ela faz os vocais (gritos, na verdade) da faixa “Yoshimi Battles the Pink Robs p. 2” e é amiga de longa data dos Lips. “Yoshimi” aposta na sonoridade ambient já utilizada pelo grupo em “Sundelly Everything Has Changed” e “Feeling Yourself Desintegrate”, ambas do disco anterior. O grupo optou por batidas eletrônicas e intervenções de violão e teclados, o que deu muito espaço para as habilidades de Steven Drodz, multi-instrumentista do grupo. O álbum está sendo lançado hoje, 16 de julho, nos Estados Unidos. Chegou ontem às prateleiras europeias e provavelmente nunca aterrize em lojas brasileiras como lançamento nacional. Se você quer conhecer faixa a faixa um dos prováveis concorrentes a melhor álbum de 2002, aventure-se. “O teste começa agora”.
Fight Test
Uma voz grave anuncia: “O teste começa agora”. O público que veio assistir ao combate está afoito querendo a luta. Uma base dançante com violão, bateria e baixo permite Coyne dissertar sobre os efeitos e conseqüências de uma luta, de um combate. No final a voz grave retorna para anunciar: “o teste acaba agora”.
One More Robot/Sympathy 3000-21
Hipnótica. Um riff de baixo sedutor aliado a uma batida climática e harmonias vocais. A letra fala de um robô que “aprendeu a ser muito mais que uma máquina”. O robô é programado para destruir seus oponentes nos combates. Mas o modelo deste é único, trata-se de um 3000-21, que possui um circuito que possibilita reação às emoções sintéticas.
Yoshimi Battles The Pink Robots pt. 1
Apresentação da heroína Yoshimi, faixa preta em caratê, pronta para destruir os robôs malvados que ameaçam as pessoas de sua cidade. Os robôs estão prontos para atacar. Mas o cantor está confiante na habilidade de Yoshimi para destruí-los, pois segundo ele “será trágico se os robôs malvados vencerem”. A canção tem violões, percussão eletrônica, teclados – diálogos percorrem toda a melodia e finaliza com um ruído que continua no início da faixa seguinte.
Yoshimi Battles The Pink Robots pt. 2
A luta propriamente dita. Estrutura um pouco eletro-jazzística, não há vocais, somente sons de uma platéia alvoroçada, ávida do combate. Muitas interjeições, gritos dos combatentes. E finalmente a vitória de Yoshimi contra os terríveis robôs cor-de-rosa.
In The Morning Of The Magicians
Melodia deslumbrante, bateria e teclados climáticos para versos que avaliam as dimensões do amor e seus conceitos (“O que é amor? O que é ódio?”), questiona a veracidade desse sentimento. Talvez a faixa mais bela do disco.
Ego Tripping At The Gates Of Hell
Outro grande momento do disco. Baixo pulsante e sopros delicados. A letra fala sobre momentos raros de felicidade em que estamos ausentes: “Esperei você me amar / mas seu amor nunca veio”, isso porque estamos absorvidos demais com nosso ego.
Are You A Hypnotist??
Lindíssima. Lembra algumas faixas do “Soft Bulletin”. A bateria trip hop incessante, o onipresente teclado e a voz plácida de Coyne garantem momentos de transe e tem o poder de elevar o ouvinte aos espaços celestes. O vocalista pergunta qual o mistério de uma pessoa que sempre o trapaceia, seduzindo-o constantemente, como se fosse um hipnotzador.
It’s Summertime – Throbbing Orange Pallbearers
Inicia-se com um groove de baixo dando espaço a dedilhados de guitarra e base de violão. Melancólica, a canção é uma homenagem a uma amiga falecida na primavera de 2000, e o verão do título da canção é um encorajamento para as pessoas que a conheceram. Afinal, o milagre cósmico da vida continua em suas infinitas estações.
Do You Realize?
Primeiro single do álbum. Canção comovente que remete a composições de Lennon (Mind Games, por exemplo). A letra é um libelo humanista em que Coyne indaga ao ouvinte se ele percebe a grandeza do universo e a precariedade da vida humana: “Você percebe que possui o rosto mais bonito? / Você percebe que estamos flutuando no espaço? / Você percebe que a felicidade o faz gritar? / Consegue imaginar que todas as pessoas que você conhece um dia morrerão? / E em vez de você dizer adeus / deixe-os saberem que você compreende que a vida é breve / é difícil fazer as coisas boas durarem/ e que percebe que o sol nunca se põe / que é só uma ilusão causada pela terra que gira ao seu redor”.
All We Have Is Now
A essa altura o ouvinte constata que o álbum tematiza a fugacidade da vida, e tudo que temos é o presente, o agora.
Approaching Pavonis Mons By Balloon – Utopia Planitia
Instrumental. O ouvinte fica livre para refletir um pouco mais sobre as idéias contidas nas letras do álbum, enquanto a harmonia dos trompetes serve de trilha sonora para seus devaneios. Final perfeito.