por Victor Hugo Lopes
“Sua mãe cuida dele a maior parte do tempo. Demonstra seu afeto carregando-o, fazendo-lhe elogios quando ele merece e participando de muitas de suas atividades. Ele responde ao seu pai porque, ao vê-lo, sorri e gosta que seja carregado. Ele dá a conhecer seus desejos gritando alto no começo, depois chorando, se a primeira técnica não funcionar.” Trata-se dos primeiros dias de um astro do rock que tombou inerte 27 anos depois com um tiro de espingarda na boca. Parece estranho, mas são palavras de uma tia sobre o vocalista do Nirvana, Kurt Cobain, ainda bebê.
A primeira biografia decente de um dos maiores nomes da música pop finalmente foi lançada no Brasil. “Mais Pesado Que O Céu” (“Heavier Than Heaven”, Editora Globo), de Charles Cross, é a história definitiva sobre a vida do líder do Nirvana. O autor fez mais de 400 entrevistas, escutou milhares de fitas e teve acesso exclusivo aos 28 diários de Cobain. O resultado final é primoroso. Elucida muitas dúvidas sobre a conturbada relação do músico com família, amigos, sucesso, drogas e iniciação sexual frustrada.
Charles Cross é jornalista e ex-editor da Rocket, primeira revista a dar capa para a banda. O livro é mais que um objeto exclusivo aos fãs. Retrata uma geração inteira. E dissolve a mítica imagem de Kurt como um ranzinza psicótico e resmungão. Está mais para um cara que viu a família ser despedaçada diante de seus olhos e que carregou consigo o sentimento de ser culpado. A revolta e angústia gerou grandes canções e converteu jovens aos clamores do rock, embora o próprio Cobain perdesse progressivamente o interesse pela fama.
O autor concedeu entrevista ao S&Y por e-mail. Atencioso, respondeu as perguntas de forma ágil. Cross toca na introspectiva alma de Cobain em algumas palavras, calorosas na maioria. Não deixa de mostrar uma alegria de (re)conhecer o talento do músico logo no início. Mesmo assim reconhece que o mistério em torno de Kurt não vai cessar tão cedo. “Ele é um cara difícil de entender. Gastei quatro anos pesquisando sua vida e ainda não sei se o entendo melhor.”
Como foi seu primeiro contato com o Nirvana?
Como editor da Rocket, uma revista de música, havia ouvido falar deles logo no começo. A Rocket fez a primeira história de capa sobre a banda. Eu segui a carreira do Nirvana desde o início.
Como foi a pesquisa para escrever o livro?
Muito trabalhosa. Eu passei quase quatro anos nela. Fiz centenas de entrevistas, escutei milhares de fitas e viajei por todo o mundo para pesquisar o livro.
No livro, você diz que a primeira vez que Kurt usou drogas foi quando rompeu o namoro com Tobi Vail. Foi o início do fim? Courtney Love tem alguma culpa, como acreditam alguns fãs?
Não penso que culpa é algo que possa ser atribuído em uma questão como o vício. Acho que só podemos culpar o próprio Kurt pelas escolhas que fez, tanto a escolha de usar drogas quanto a de tirar sua própria vida. Mas continua sendo pensado popularmente que Courtney iniciou Kurt na heroína e claramente isso não é verdade.
É possível entender o espírito de Cobain através de suas letras?
Acho que Kurt colocou muito de si mesmo em suas letras. Se podemos entendê-lo por elas ou não, não tenho certeza. Ele é um cara difícil de entender. Gastei quatro anos pesquisando sua vida e ainda não sei se o entendo melhor.
Layne Staley, vocalista do Alice In Chains, morreu em circunstâncias semelhantes às de Cobain. Pode ter sido mais que coincidência? Por quê?
Isso é uma coincidência e nada mais. Apesar da espiral descendente ter sido a mesma. Os dois tinham muito acontecendo por eles e ambos escolheram drogas no lugar da vida.
Os boatos que a revista Vanity Fair publicou sobre a gravidez de Courtney pertubaram Kurt. Como foi a situação em casa?
Eles sempre tiveram um relacionamento tumultuado. Isso foi desde o começo. A atenção da imprensa certamente se somou a isso, como o faria com qualquer família. É verdade que Kurt chegou a pedir o divórcio, mas Courtney também o havia feito. Acho que qualquer relacionamento entre dois viciados terá altos e baixos semelhantes. No entanto, tenho certeza que Kurt amava a Courtney o melhor que ele podia.
A faixa “You Know You’re Right” foi divulgada em vários sites. Conte um pouco sobre o impacto que isso causou nos EUA.
Bem, apenas trechos foram divulgados. Não é o mesmo que o lançamento completo. Os fãs do Nirvana parecem gostar da faixa. Eu mesmo gosto da música e penso que é uma das melhores do Kurt.
Quando o esperado box set do Nirvana vai ser lançado?
Prevejo que o veremos tão logo a disputa judicial se resolva (Courtney entrou na Justiça para evitar que os ex-membros da banda, Dave Ghrol e Krist Novoselic, lançassem o material). Mais com relação a quando, eu também gostaria de saber.
O mitológico conflito entre Kurt Cobain e Eddie Vedder era baseado em quê?
Nunca houve na realidade uma briga. Isso foi algo criado pela mídia para vender jornais. Kurt realmente criticou a música do Pearl Jam algumas vezes, mas nunca teve nada pessoal contra Vedder e no fim de sua vida penso que você pode seguramente chamá-lo de um amigo.
Kurt realmente não pagou os US$ 600 que pegou emprestado com Jason Everman para gravar o álbum “Bleach”?
Correto. Ele nunca o pagou.
O que os demais membros do Nirvana sentiram em relação ao livro?
Eu não sei. Não sei se perguntaram a eles a respeito. Mas não escrevi o livro para fazê-los felizes. Eu o escrevi para meus leitores, que são tudo em que um biógrafo pode pensar.
Como Frances Bean Cobain sente-se hoje em relação à morte do pai?
De todas as notícias que ouço, ela parece uma jovem garota bem ajustada e talentosa. Veremos o que acontecerá quando ela se tornar uma adolescente.
Kurt escreveu um bilhete sobre sua banda aos seus avós durante um Natal. Ele parecia estar buscando o sucesso. Depois de famoso, ele se esquivava. Por quê?
Isso, de algumas maneiras, é o grande mistério de Kurt Cobain e o motivo pelo qual penso que o livro é tão fascinante. O Kurt tinha duas facetas que não poderiam nunca entrar em acordo. Mas dessa forma, era como todos nós. Quantos de nós vão à academia mas param para tomar sorvete no caminho para casa? Kurt levou isso a um extremo. Ele dirigia um Volvo (um marca conhecida por ter carros familiares nos EUA), mas tomou uma overdose de heroína. É loucura e não faz nenhum sentido, mas é também uma fragilidade muito humana.
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