texto por Marcelo Costa
“Roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido”. A frase cunhada por Rita Lee simbolizava um período em que o rock no Brasil vivia nos subterrâneos da indústria, brigando por espaço e reconhecimento. Os dois itens foram conquistados nos anos 80, em que uma geração alcançou as paradas de sucesso, fez história, loucuras e deixou um espaço para os mais jovens, que ainda não descobriram o que fazer com o território herdado. Mas o papo aqui não é sobre rock brasileiro. É sobre cinema, cinema brasileiro dos bons.
Por que a introdução? Oras, porque a frase acima soa perfeitamente adaptável ao bravo cinema brasileiro. Já faz um tempo que as telas de cinema tem recebido obras geniais assinadas por diretores brazucas. Mesmo assim, tirando um ou outro título que consegue chegar a grande massa, o cinema brasileiro parece caminhar nos subterrâneos da indústria, como um patinho feio rejeitado pela própria família. O velho ditado “santo de casa não faz milagre”.
Ok, se o santo não faz milagre em nossa casa, ele ilumina a casa dos outros e volta feliz, sorrindo, aos nossos braços. Bonito? Não. As coisas tinham que começar a ferver aqui. Falta um reconhecimento para uma leva de filmes que nada deve a muito cinemão hollywodiano porque vence no quesito “inteligência”. Mas é inegável que enche os olhos ver o cinema brasileiro sendo reconhecido no exterior.
Um dos últimos reconhecimentos do cinema brasileiro foi conquistado por este “O Invasor”. O filme foi o vencedor do prêmio de Cinema Latino-Americano da 20.ª edição do Festival de Sundance (“Amores Possíveis” havia trazido o mesmo prêmio para o Brasil em 2001), um dos principais festivais independentes do mundo. E, depois do sucesso de critica, agora é a vez do público encarar essa excelente produção de Beto Brant.
Brant traz outros dois excelentes filmes no bolso: “Os Matadores” e “Ação entre Amigos”. Nada de surpresas aqui, ok. “O Invasor” conta a história de três amigos de faculdade que, mais de 15 anos depois, dividem a sociedade de uma construtora de sucesso. Os negócios seguem bem até que Estevão (George Freire) desentende-se com Ivan (Marco Ricca) e Gilberto (Alexandre Borges). Como a grana envolvida é grande, o egoismo real dos dois últimos planeja um plano fatal para o primeiro. Para o servicinho é contratado um matador de aluguel. E aqui entra o titã Paulo Miklos.
Estreando na frente das telas, Miklos incorpora toda malandragem necessária e constrói a perfeição o personagem Anísio. Desde a primeira cena, em que só ouvimos a sua voz, até a última, em que, de cara feia, ele encara um dos sócios, Anísio é todo assustador. Suas falas, escritas pelo rapper Sabotage, são a voz das bibocas de São Paulo cobrando um lugar ao sol. O som, claro, só poderia ser o rap pesado de bandas como o Pavilhão 9 e Tolerância Zero.
Mas, crescer os olhos em Miklos é desmerecer a atuação magnifica de praticamente todo o elenco. Um dos grandes méritos do filme é centrar-se em um time de primeirissima qualidade que, além dos citados, ainda inclui Malu Mader, Chris Couto e Mariana Ximenes, além do próprio rapper Sabotage fazendo uma ponta.
O resultado é claustrofóbico. Ao apropriar-se da violência dos centros urbanos em que a máxima é sempre passar a perna no próximo antes que ele passe em você, Brant cria uma espécie de cinema verdade que bate forte no estômago, azeda a boca e assusta tanto quanto um moleque de 10 anos parado com uma pedra no sinal, pronto para quebrar o vidro do seu carro, ou perceber que a violência está tão próxima de nós quanto de um dos jornalistas mais famosos do país que se livra das estatisticas de morte por pura e suprema sorte. A prisão é enorme e ninguém está livre.
Por mais que italianos, norte-americanos, franceses e outros tentassem contar essa mesma história, provalvelmente poucos chegariam a crueza e verossimilidade de Brant. E esse é um mérito inegável que qualifica e engrandece “O Invasor”, desde já um dos grandes filmes de 2002.
Com “Abril Despedaçado”, de Walter Salles, que estréia ainda em abril, o público tem dois grandes motivos para prestigiar o cinema nacional. Beto e equipe fizeram o seu trabalho. O filme é excelente. Agora cabe a você, caro leitor, cumprir o seu papel. Já está mais do que na hora do cinema brasileiro alcançar as paradas de sucesso, fazer história, loucuras e abrir a porta para os mais jovens e, sem trocadilhos, invadir todo o país. O momento é esse. E é bom estar aqui presenciando o agora.
Assista, sem susto. E cuidado nos sinais. 🙂
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.