por Renata Cássia e Marcelo Costa
“Você não é responsável por tudo o que acontece”, diz o psicanalista Giovani a um de seus pacientes no belo “O Quarto do Filho” (“La Stanza del Figlio”, 2000). O psicanalista é uma peça feliz em uma família pretensamente perfeita: Giovani, o pai, Paola, a mãe, e os dois filhos adolescentes, a menina Irene e o jovem Andrea, são o retrato perfeito da família que todos gostaríamos de ter.
Mas, e sempre existem os “mas”, a perfeição dura segundos, diria o poeta. No filme, o cineasta italiano Nanni Moretti (que interpreta o psicanalista Giovani) nos faz quase conformar-se com a felicidade da família que, pouco mais fosse retratada, chegaria a entendiar. Mas Moretti nos leva até o limite aceitável para, num passe de cuidado cinematográfico, nos trair a emoção. A morte do filho Andrea parte a união familiar como também o coração do público.
A afirmação do psicanalista acerca da responsabilidade sobres as coisas que acontecem, porém, parece valer apenas para seus pacientes. Quando perde o filho, Giovani passa a se sentir responsável e todo o discurso freudiano cai por terra abaixo.
A morte de um jovem rompe as barreiras da natureza – os velhos teoricamente deveriam morrer antes. Mexe com valores. Muda convicções. É isso que Moretti passa para o espectador: a dor de uma perda. Todos já perderam de alguma maneira e, talvez por isso, o filme nos pareça tão familiar.
Moretti filmou “O Quarto do Filho” logo depois de “Caro Diário” (1994). Na verdade, a idéia era antiga e só foi adiada porque não parecia correto filmar um filme fúnebre logo após o nascimento de seu próprio filho (comemorado com “Aprile”, de 1998). A história “grave” passada na Itália rendeu ao cineasta a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
O filme que começa com a história de uma família feliz – pai, mãe, um casal de filhos saudáveis – termina com a sensação de impotência diante do imponderável. Em uma cena, Moretti revolta-se com as palavras do padre durante a missa de sétimo dia rezada para Andrea (o filho morto). A frase é mais ou menos assim: “Se o dono soubesse quando sua casa vai ser roubada, tomaria conta dela”. O fato é que ninguém pode prever o futuro, evitar os acidentes, driblar o sofrimento. É isso que está escancarado na tela.
“O Quarto do Filho” emociona céticos e sensíveis e ainda tem o mérito de fazer o espectador rir e chorar ao mesmo tempo. Fala da vida e, como não podia ser diferente, toca na estreita barreira da morte. Talvez sirva como um aviso: aproveite as oportunidades, dedique-se a quem ama. Só quem não teve tempo de dizer “eu te amo” antes de uma pessoa querida morrer, sabe que a ficção muitas vezes enreda para a realidade. O tempo é, sempre, o aqui/agora. Aproveite da melhor forma possível.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne