por Marcelo Costa
O The Delgados está entre o que de melhor se faz em música na Escócia, em um ano em que as bandas escocesas são as melhores do mundo. Formado em Glasgow, 1995, após quatro álbuns (incluso um ao vivo na BBC) e uma quantidade enorme de singles e eps, a banda lançou “The Great Eastern” (2000), um dos mais belos trabalhos do ano.
O álbum foi lançado pela Chemikal Underground, selo que a própria banda criou para lançar seus discos, e o de amigos. No Brasil sai pela Roadrunner, que também lançou “Peloton” (1998), o álbum anterior.
O som tosco e urgente dos primeiros singles e de “Domestiques” (1996), o disco de estreia, foi, aos poucos, sendo deixado de lado, processo que já fizera do álbum anterior (ainda no meio termo entre barulho e silêncio) um dos grandes destaques de 1998/1999. Parece que a sofisticação no som da banda chega ao ápice agora. A combinação da bateria detalhista de Paul Savage, do baixo preciso de Stewart Henderson, e da delicadeza das vozes de Emma Pollock e Allun Woodward, ambos guitarristas, é de tocar a alma.
Extremamente bem arranjado, “The Great Eastern”, título tirado de uma hospedaria para alcoólatras em Glasgow, foi indicado para disputar o Mercury Prize (o mais conceituado prêmio de música da Europa) e soa como poesia em forma de canção, como melodia em forma de verso, como cobertor em dia frio, como vento de fim de tarde, como sussurro no ouvido. Um fio de voz que dá vontade de guardar no bolso. O álbum foi produzido por David Fridmann (Mercury Rev e Flaming Lips) que soube reunir os sons de acordeões, harpas, pianos, sinos, violinos, violas, guitarras e mais um mundo de coisas, e ainda soar extremamente único.
O trabalho gráfico do disco é de rara beleza ressultando numa das capas mais bonitas do ano. Musicalmente, começa com “The Past That Suits You Best”, canção sussurada. Os instrumentos se misturam. As vozes também. A bateria surge e depois desaparece. A letra, estranha, diz que “passaram quarenta dias estranhos desde que estamos limpos”. A faixa é longa. Alguns efeitos parecem querem resgatar conversas. O clima vai e volta.
“Accused of stealing”, a segunda, começa com guitarra limpa e cadenciada. Emma pede para que contemos nossos segredos e é difícil não atender ao pedido diante de sua voz. No meio a cadência muda, e a gente vai junto. Parecem duas canções dentro de uma. “American Trilogy”, por sua vez, traz a voz de Allun, pianos, efeitos e guitarras num crescendo intimista e maravilhoso.
A próxima, “Reasons for Silence” explica o que o título propõe com violão e bateria e pianos em destaque enquanto “Thirteen Gliding Principles” resgata o som do álbum anterior, “Peloton”, com guitarras e distorção e bateria a frente. É cantada em dueto intercalado e traz uma letra genial – “você partiu (onde nós começamos) você bateu o chão (as crianças viram) você escolheu (ataque de coração)”.
Um piano traz “No Danger” que começa lenta, mas logo fica tão contagiante quanto a letra que se desculpa dizendo “eu sei o que me tornei pelas marcas em seus braços”. “Aye Today” é mais lirismo e mais poesia enquanto “Witness” é um declaração de saudade. “Knowing when to run” parece perdida no tempo. Os teclados remetem à um passado distante, a danças de salão, enquanto a letra contrasta dizendo ser esse o nosso tempo.
E, finalmente, “Make your move”, uma canção linda que traz sorrisos, fecho de ouro para um álbum sublime.
Sublime. Simplesmente sublime.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne