O Rock Nacional Renasce em Curitiba
por
Marcelo Costa
Blog
01/07/2004
Especial para o Portal Terra
Quase onze anos atrás, em abril de 1993, uma matéria de quatro
páginas na principal revista de música do país (a finada Bizz)
atestava que Curitiba estava inundando de sangue fresco o rock
nacional. Apelidada de "Novos Vampiros", a cena curitibana de
93 acabou ficando à margem, enquanto surgia o mangue beat (atraindo
a mídia) e o forrocore dos Raimundos se transformava em sucesso
de vendas (atraindo o público). Muita coisa aconteceu desde
então, e em tempos de maré braba na indústria, as luzes voltam-se
para a "cidade modelo" novamente. Vários grupos da cidade -
da MPB ao punk, do reggae ao psychobilly - conseguem mostrar
que ainda é possível fazer boa música no Brasil.
E quem pensa em movimento, com um som predominando, está muito
enganado. "Sempre digo que Curitiba não tem uma cena, mas várias
cenas paralelas", conta Ivan Santos, um dos responsáveis pelo
selo/projeto De Inverno e músico da banda OAEOZ. O De Inverno
já lançou trabalhos independentes de mais de 15 bandas curitibanas,
com destaque para o folk-rock do Sofia e o clima pesado e denso
do Cores D Flores, banda capitaneada por Marielle Loyola, ex-Escola
de Escândalo, Arte no Escuro (ambas de Brasília anos 80) e Volkana.
Segundo Ivan, "segmentos como o hardcore, psychobilly e o reggae
têm público garantido e se auto-sustentam. Já as bandas mais
difíceis de serem classificadas tem dificuldade de se encaixar
em um público".
Outros destaques da cidade são o elogiado Trio Quintina (MPB),
o Wandula (pop experimental), a Poli (rock alternativo), o OAEOZ
(progressivo, jazz, psicodelia), o Poléxia (pop rock), o Loxoscelle
(hard rock), o Faichecleres (rock'a'nalha) e o Criaturas (rock
regressivo). Deste pacote, três nomes se destacam com bons CDs
lançados recentemente: a Pelebrói Não Sei? (punk-rock hardcore),
o Terminal Guadalupe (pós-punk) e a Relespública (único nome
da cena de 93 ainda na ativa).
Com dois discos lançados, a Pelebrói Não Sei? é uma das jovens
bandas mais respeitadas no cenário independente de Curitiba.
Canções como Odontalgia e Céu Sem Cor tocam nas rádios FM da
cidade e são cantadas em coro pelo público fiel do grupo. O
Terminal Guadalupe também lançou dois álbuns, mas de forma caseira.
Os discos Burocracia Romântica e Girassois Clonados mostram
um repertório inspirado em que reinam baladas românticas como
Vaso Quebrado e a bela Favas Contadas ao lado de porradas rock
como Breu e Pé na Tábua. Talvez, a banda da cidade que tenha
mais potencial radiofônico.
Já a Relespública é quase que uma unanimidade na cidade. A banda
surgiu em 1989, lançou o excelente As Histórias São Iguais,
terceiro CD da carreira, no final de 2003, e une a fúria rock
ao charme mod com pitadas da boa e velha pós-punk. Fãs do grupo,
os integrantes do Ira! marcam presença em dose dupla em As Histórias
São Iguais. O vocalista Nasi canta em duas canções e o guitarrista
Edgard Scandurra cedeu ao grupo uma música inédita, A Fumaça
é Melhor Que o Ar.
Relespública
"A Relespública surgiu em 1989, quando o Fabio Elias (vocal
e guitarra) e eu (Emanuel Moon-bateria), com apenas 12 e 13
anos fizemos nosso primeiro ensaio na sala da minha casa (à
la White Stripes). Nós só sabíamos tocar Envelheço na Cidade
do Ira!, e passamos a tarde inteira repetindo a música", relembra
o baterista em entrevista.
"Poucos meses depois, apareceu uma chance de tocar durante o
recreio do nosso colégio e foi a deixa para o Ricardo Bastos
(baixista) entrar na banda, já que ele morava no mesmo prédio
do Fábio desde que nasceram. O Ricardo estava indo comprar uma
prancha de Surf no dia anterior ao show, mas o Fábio o convenceu
a comprar um baixo (risos). Desde então nós três sempre fomos
o coração da Reles", explica.
A estréia fonográfica foi em 1993 com o compacto Mod, um EP
em vinil gravado pelo selo curitibano Bloody Records, ainda
com o vocalista original, Daniel Fagundes, que faleceu em um
acidente de carro aos 16 anos, em 1994. Em 1995, logo depois
da banda se recuperar do acidente, foi lançado o cd demo Venda
Proibida, mostrando um pequeno pedaço de um show ao vivo no
campus da Universidade Federal do Paraná.
Na seqüência, em 1998, saiu o primeiro CD de estúdio, E O Rock'n'Roll
Brasil !?, de forma independente. O disco tinha sido inteiro
finalizado pelo trio (Fabio, Moon, Ricardo), mas antes dele
ser prensado a banda se transformou em um quinteto (Roger Gor
nos teclados e Kako nos vocais), formação esta que gravou O
Circo Está Armado, produzido por Rafael Ramos e "lançado" pela
gravadora Universal em outubro de 2000.
Três anos de silêncio e a banda retornou independente em 2003
com o CD As Histórias São Iguais, um dos cinco melhores álbuns
do rock nacional no ano passado. Baladas sixties, rock de garagem
e o mod de grupos como The Who/The Kinks/Ira! ganha brilho nas
composições da Reles. O vocalista do Ira!, Nasi, divide os vocais
com Fabio Elias em duas canções: Boatos de Bar e A Fumaça é
Melhor Que o Ar, está última, uma canção de Edgard Scandurra
dos primórdios do Ira!, que até então permanecia inédita.
A balada emocional Nunca Mais, tão sixtie quanto jovem guarda,
traz o título do álbum enquanto Garoa e Solidão, um dos grandes
momentos do disco, mostra o verdadeiro som da banda. "Está música
foi o embrião do CD, pois quando a banda voltou a ser um trio,
algumas incertezas surgiram quanto ao futuro. Poucas pessoas
acreditavam que a Reles ainda tinha algo para mostrar quando
o Fábio apareceu com está ótima canção (uma balada até então)
e a banda entrou em estúdio, junto com o produtor Marcelo Crivano,
para gravá-la para uma coletânea. O verdadeiro som da Reles
reapareceu de imediato! A pegada punk meio oitentista junto
com a letra que trata de um cotidiano tipicamente curitibano
acenderam o público e, a partir daí, foi só escolher o repertório
e começar a gravar", conta Moon.
O baterista afirma que o grupo tem mais de 60 músicas inéditas
e que um disco novo já começa a ser planejado. "A previsão é
gravar o novo disco ainda esse ano, para lançamento em abril
de 2005. Os ensaios do novo repertório já começaram", diz o
baterista. Moon define a Relespública como "um reles Rock'n'Roll
totalmente feito para o público. Pura diversão de três caras
que tem algo legal a dizer, através de muitos, muitos decibéis".
Terminal Guadalupe
"O Terminal Guadalupe começou como um projeto", contou Dary
Jr., vocalista e guitarrista da banda. A TG nasceu praticamente
das cinzas de um ex-grupo de Dary, a lorena foi embora..., nome
que chegou a ser elogiado em jornais do Rio e de SP, conseguindo
contato com algumas grandes gravadoras, até encerrar as atividades
por diferenças musicais.
"Era outubro de 2002", continua Dary. "Eu tinha co-escrito o
roteiro de um curta-metragem e, no meio do caminho, decidi compor
a trilha sonora. O problema é que fiz música demais e estava
sem banda, pois a lorena foi embora... tinha acabado três meses
antes. Pedi ajuda à Poléxia. O Fabio Elias, da Relespública,
também participou da gravação", conta o músico. A formação que
gravou o álbum só fez um show, em agosto de 2003, o mesmo que
marcou a entrada de Allan Yokohama (guitarra e vocal). Rubens
K (baixo) e Fabiano Ferronato (bateria) entraram em outubro
do ano passado, depois de vários testes com outros músicos,
completando a formação atual do grupo.
No som da TG, resquícios do movimento pós-punk inglês se misturam
ao rock nacional dos anos 80, com um apelo pop de primeira qualidade.
"A gente flerta com outros movimentos e gêneros (britpop, progressivo,
world music, música romântica italiana dos anos 60, jazz, MPB,
hardcore, heavy metal, grunge), mas, no fundo, no fundo, é tudo
rock nacional dos anos 80 para os dias de hoje", tenta definir
Dary Jr.
Os dois CDs do grupo foram lançados de forma independente. Burocracia
Romântica - Trilha Sonora Original (2003) traz onze músicas
intercaladas com trechos de áudio do curta-metragem homônimo.
O curta faz parte do CD, que ainda traz um making of do filme
e o clipe da faixa-título. "É uma canção sobre a impossibilidade
das relações, sobre o 'quase', inspirada na obra do cineasta
italiano Michelangelo Antonioni e do escritor paranaense Jamil
Snege, já falecido. Por um tempo, foi como me defini, um burocrata
romântico", explica Dary.
No começo de 2004 a banda lançou Girassóis Clonados, coletânea
que junta algumas canções da trilha sonora e inclui músicas
da lorena foi embora..., além de uma versão acústica de Chance,
que vinha como faixa-bônus no CD da lorena. Dois apartes: o
nome lorena foi embora... foi inspirado na jornalista Lorena
Calábria enquanto Terminal Guadalupe é a estação de transporte
coletivo que atende aos moradores da região metropolitana de
Curitiba. "É um entreposto de sonhos", conta Dary. "Durante
o dia, as pessoas têm a sensação de que vivem no Primeiro Mundo,
no centro da cidade, onde os serviços funcionam. Mais tarde,
voltam para as cidades-dormitório, para a realidade. O Terminal
Guadalupe é onde começa e acaba o mito da cidade perfeita",
conclui.
Pelebrói Não Sei
"Nossos primeiros passos foram dados em 1995", explicou o vocalista
Oneide Dee Diedrich. "Foi na volta de uma viagem de Curitiba
(eu morava em Foz do Iguaçu), quando conheci um cara (o Joça,
guitarrista) no ônibus. Ele estava com uma camiseta dos Ramones
e isso bastou para algum tempo depois formarmos a banda", emenda
Oneide. Completam a Pelebrói, Guilherme na bateria e Paulo no
baixo.
Oneide é considerado por músicos e jornalistas locais um showman.
"É impossível ficar um minuto sério ao lado dele", entrega o
vocalista do Terminal Guadalupe, Dary Jr. A Pelebrói Não Sei?
lançou seu primeiro disco em 2001, de forma independente. Positivamente
Mórbido traz, ao menos, dois clássicos curitibanos dos anos
2000: Odontalgia ("Passo os meus dias sempre em frente a TV
/ Minha dor de dente é você") e Céu Sem Cor. Nesta última, uma
baladinha chicletuda, Oneide conta a história de um cara que
foi abandonado pela namorada: "Agora que eu lavo a roupa você
me deixou / E tudo que era alegria agora é um céu sem cor /
Agora que preparo a janta você me largou".
"Essa música eu escrevi já há algum tempo, nem pretendia que
ela fosse gravada. Era algo como uma baladinha pra tocar em
churrasco, mas acabamos gravando e foi surpreendente a resposta
do público", conta Oneide. O sucesso da canção foi tanto que
ela mereceu uma segunda versão, no novo álbum do grupo, Lágrimas
Alcoólicas, lançado no fim de 2003 pela Barulho Records (que
também lançou o début do grupo), um misto de gravadora e produtora
que está capitaneando a cena hardcore / punk-rock curitibana.
No momento, a Pelebrói Não Sei? prepara um videoclipe e se diverte
nos shows. "Nós somos uma banda que se diverte um monte, adora
o que faz e principalmente acredita na farsa do bom e velho
PunkRock&roll", encerra a conversa Oneide.
Cores D Flores
Mariele Loyola, vocalista veterana da cena rock brasileira,
apresenta o novo álbum do Cores D Flores, sua nova banda. Para
quem acompanhou o rock nacional dos anos 80 e o trash metal
do início dos 90, o nome de Mariele é bastante conhecido.
A vocalista integrou a última formação da mítica banda candanga
Escola de Escândalos em 1985. Após o fim do grupo, entrou para
o Arte no Escuro, lançando um álbum homônimo pouco depois, produzido
por Gutje, baterista da Plebe Rude. A próxima investida da cantora
foi assumir os vocais do Volkana, uma banda de trash-metal.
Após deixar o grupo, Mariele deixou de compor e foi morar em
Curitiba. A volta surgiu em um 'empurrão' dos amigos do Capital
Inicial. Mariele voltou a compor e lá se vão cinco anos de Cores
D Flores.
"Nasci em Curitiba, fui pra Brasília com 11 anos conheci o povo
das bandas lá e assim tudo começou", conta a vocalista por email.
"Casei com um músico, claro, e tive um filho que também é músico.
Minha família voltou para Curitiba e eu fui ficando. Voltei
pra Curitiba quando a pessoa mais importante em toda minha vida
morreu, meu irmão. Ele até participou do disco do Volkana, pois
era um excelente cantor lírico. Minha família pirou e eu fui
ficando por aqui para dar uma força. Entrei numas de parar de
cantar e já estava casada com o Macoy (guitarrista do Cores),
quando fui no show do Capital ver os amigos. O Loro (Jones),
o Dinho (Ouro Preto) e o Geraldo (ex-Escola de Escândalos) ficaram
na minha orelha dizendo que eu não devia parar. No dia seguinte
eu fiz a música Com Cores de Flores e daí começou tudo de novo",
resume a história.
O Cores D Flores lançou, no final do ano passado, seu mais recente
trabalho, Entre Cores e Pesadelos, pelo selo independente curitibano
De Inverno Records. Entre as guitarras pesadas de Macoy e os
belos vocais de Marielle está a síntese do som do Cores, em
uma definição barulho/silêncio que muito agrada a vocalista.
"Peso e melodia vivem em minha alma e no ar que respiro, tenho
até um pouco do protesto punk adolescente ainda dentro de mim",
explica Mariele.
A pré-produção do álbum consumiu dois meses, principalmente
na adaptação dos novos músicos. Agora, além de Macoy na guitarra
e Mariele nos vocais, o Cores conta com Marcus Gusso (baixo)
e Deni T. (bateria). A vocalista explica a fórmula para conseguir
chegar ao excelente resultado do CD. "A gravação foi do jeito
que a grande maioria das bandas independentes fazem: pouco dinheiro
e tempo em estúdio, mas muita raça. Acho que o nome resume bem
a realidade do momento do disco, pois foram vários momentos
de sonhos e pesadelos para que a criança chegasse. Ele é uma
compilação dos cinco anos da banda, é a nossa timbragem, tem
nossos momentos de introspecção, nossos medos, nossas alegrias",
explica.
A cantora não renega seu passado, e elogia o titã Charles Gavin,
pelo trabalho de remasterização do acervo da gravadora Warner.
"Para mim tem tudo a ver, são minhas raízes e eu nunca vou negá-las.
Mas seria ótimo se um diretor de uma grande gravadora tivesse
visão suficiente de mercado pra relançar um disco como o do
Arte no Escuro, que continua atual. Eu sinto isso na molecada.
Eles gostam desse tipo de som e sentem necessidade de informação,
e graças aos Deuses eles vão atrás, eles buscam a história do
rock nacional", acredita Mariele. O álbum do Arte no Escuro
continua inédito no formato CD. Charles Gavin remasterizou apenas
a música Beije-me Cowboy para uma coletânea da gravadora. "Charles
Gavin é o cara. Que tal um Titã para a direção de uma multinacional???",
investe a vocalista.
E como é fazer rock no Paraná? "Cara, tem muita coisa legal
por aqui. Acredito muita na nova geração, eles têm mais personalidade,
mais recursos tecnológicos pra informação e criação¿, analisa
a vocalista. Mariele ainda encontra tempo para produzir um programa
de rádio. "É o Geração Pedreira, apresentado na 96 Rádio Rock
local. Só rola bandas curitibanas. Esse nome Geração Pedreira
é meio que uma griffe aqui pois é o nome de um projeto cultural
com apoio aos artista paranaenses criado pelo nosso ex-governador
Jaime Lernner", conta a vocalista, antes de ironizar o atual
governo. "O projeto foi rapidamente eliminado pelo nosso atual
governador, um cara super legal. Sabia que ele tirou os programas
de rock da Tv educativa local??? É!!! Em declaração a imprensa
ele disse que rock não é cultura. Eu o amo!", ironiza.
O Cores D Flores segue em plena atividade na capital paranaense.
Mariele conta que acha um charme receber cartas, e diz que o
disco está 'viajando muito'. "Cara, tudo vai bem com as vendas
via correio. O CD já foi para o Recife, Manaus, Sampa, interior
de São Paulo e Paraná, Brasília e vai indo, indo até para o
exterior", conta. O site oficial do grupo traz fotos, novidades
e muito mais sobre o Cores D Flores. Para conversar com a banda,
o endereço é via correio: Rua Raposo Tavares, 670 - Curitiba/PR,
CEP: 82100-000 A/c Mariele Loyola.
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