"O Aviador"
por
Marcelo Costa
Fotos - Divulgação
maccosta@hotmail.com
10/02/2005
Será que
esse avião vai decolar? Se essa pergunta fosse feita para
o jovem Howard Hughes nos anos 30, a resposta certamente
seria: é claro que vai voar. Porém, adaptada para 2005
(metaforicamente), a pergunta deixa dúvidas pairando no
ar: será que O Aviador vai dar o tão sonhado Oscar
de Melhor Diretor para Martin Scorsese? Não dá para garantir
a estatueta do diretor, mas as 11 indicações do filme permitem
sonhar com alguns vôos altos. Porém, não custa nada lembrar: O
Aviador é uma cinebiografia de um homem que, muito
provavelmente, poucos americanos nem se lembravam que existiu
(imaginem o resto do mundo).
Howard Hughes se tornou multibilionário aos 18 anos. Aos 20 comandava
a maior empresa de perfuração de petróleo dos Estados Unidos. Aos 25
anos já havia produzido um filme ganhador do Oscar, Hells Angels,
nos primórdios do cinema. Aos 27 era dono de um estúdio de cinema ao
mesmo tempo em que fabricava aviões para o governo americano e para a
TWA, sua companhia aérea. Aos 30 bateu o recorde de velocidade área pilotando
um avião projetado por ele mesmo. Aos 33 anos, se tornou o homem mais
rápido a voar ao redor do mundo. Após o feito, foi recebido com uma chuva
de papel picado em um desfile na Broadway.
Além desses méritos, Hughes "colecionava" beldades em seu currículo,
estrelas como Katharine Hepburn, Jean Harlow, Bette Davis, Ginger Roggers,
Rita Hayword e Ava Gardner. Isso entre os anos 20 e 40, período que o
filme engloba da vida do aventureiro (o nome de Marilyn Monroe aparece
mais para frente na biografia do homem). Detalhe importante que não pode
ser esquecido: Hughes era louco.
Louco é o que deviam pensar as pessoas que conviviam com suas excentricidades.
Na verdade, o aviador sofria de transtorno obsessivo-compulsivo, o hoje
popular TOC. Porém, naquela época, comer a mesma quantidade de ervilhas
toda noite (dispostas de maneira calculadamente milimétrica no prato),
não era a coisa mais comum do mundo. A doença, no entanto, acabou absorvendo
a genialidade aventureira de Hughes, que acabou consumido por transtornos
psiquiátricos que o levaram à loucura e ao isolamento. E ao esquecimento,
até que Scorsese o retirasse do limbo e o fizesse voar novamente em um
grandioso filme.
Leonardo DiCaprio encarna o controverso personagem. Qualquer outro ator
pareceria tolo ao beber leite em uma boate enquanto todo mundo entorna
as mais diversas variações alcoólicas, mas não DiCaprio. O papel parece
ter sido feito de encomenda para o ator, que esbanja maturidade artística.
Da mesma forma, Cate Blanchett arrasa na reencarnação de Katharine Hepburn,
exagerada nos trejeitos, nos sorrisos, nas falas, na beleza, em tudo.
Kate Beckinsale, no entanto, suaviza demais o mito Ava Gardner, enquanto
Jude Law faz uma pequena (e barulhenta) participação como Errol Flynn.
Porém, mais do que qualquer outra coisa, O Aviador é um filme
dirigido e produzido por Martin Scorsese, um dos maiores diretores de
cinema em todos os tempos, que nunca levou para casa um Oscar de Melhor
Diretor, apesar de ter concorrido à estatueta quatro vezes – Gangues
de Nova York (2002), Os Bons Companheiros (1990), A Última
Tentação de Cristo (1989) e Touro Indomável (1980) – e ter
dirigido o clássico Táxi Driver, além de filmes como Cassino,
A Época da Inocência, Depois de Horas e A Cor do Dinheiro,
entre outros.
E é aqui que a questão se torna mais ampla. O Aviador é um filmaço,
mas não dá para dizer que é o melhor de Scorsese. O diretor consegue,
no filme, aliar apuro técnico, um roteiro fluente, ótimas atuações e
uma história interessante e envolvente, além de brindar o público com
a cena de acidente de avião mais impactante de todos os tempos, mas tropeça
ao deixar de lado o fim da vida de Howard Hughes (que inclui envolvimentos
com Bush pai, Nixon e uma interessante "teoria da conspiração" com
Marylin Monroe e o presidente Kennedy, e mais, muito mais), e estender
demais a película (mais de 200 minutos de projeção).
Mais do que qualquer coisa, O Aviador entra na história de Scorsese
como o nono, décimo, décimo-primeiro melhor filme de sua genial carreira
(e o filme vai caindo um posto a cada filme que a memória nos traz de
volta). Há genialidade, há cinema, há técnica, mas faltam atributos que
façam de O Aviador um clássico, o que, realmente, ele não é. É claro
que a Academia não premia clássicos, às vezes nem o Melhor Filme do ano,
mas Scorsese merecia o grande reconhecimento por um grande filme, não
por um filmaço que se esvazia da memória 100 metros depois da sala de
exibição.
Tudo isto posto, Scorsese é apontado como favorito ao Oscar de Melhor
Diretor por O Aviador. Merece mais pela carreira do que pelo filme,
e tem a seu favor o fato de 2004 ter sido um ano sem "grandes filmes".
Clint Eastwood o ameaça com a crescente popularidade que Menina de
Ouro vem alcançando. Se perder novamente, Scorsese permanecerá fazendo
companhia a outros gênios do cinema que nunca foram agraciados pela Academia,
gente como Stanley Kubrick, Ridley Scott, Ingmar Bergman, Spike Lee e
Mike Leigh (a lista continua e é enorme). E ainda terá mais um filme
para poder empatar em "frustrações" com o diretor mais injustiçado
de Hollywood, Alfred Hitchcock, que foi indicado ao Oscar de Melhor Diretor
em seis ocasiões, por filmes como Janela Indiscreta (1954) e Psicose (1960),
mas nunca levou a estatueta dourada para casa. A sorte está lançada.
E então? Esse avião voa ou não voa?
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Site Oficial do filme
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