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Dylan com café, dia 51: Live 1961-2000

Bob Dylan com café, dia 51: Não é fácil ser fã de Dylan. Sua discografia errática é composta por álbuns de estúdio de fácil alcance (ok, alguns nem tão fáceis assim), uma ampla série de bootlegs oficiais com edições deluxe raras (a do Vol. 12, por exemplo, conta com 18 CDs numa luxuosa edição limitada cujo preço flutua entre R$ 4 mil e R$ 9 mil!), uma interminável quantidade de álbuns piratas além de coletâneas oficiais que sempre oferecem uma nova mixagem permitindo maneiras diferentes de se olhar para uma mesma canção. Dentre estes itens raros vale destacar “Live 1961–2000: Thirty-Nine Years of Great Concert Performances”, uma coletânea oficial lançada pela Sony Music apenas no Japão em 2001 que compila 16 canções de Dylan em versões ao vivo durante quatro décadas. Dentre os registros, quatro são conhecidos: “I Don’t Believe You (She Acts Like We Never Have Met)”, ao vivo na Inglaterra, 1966, saiu no volume 4 das Bootlegs Series; “Knockin’ on Heaven’s Door” (1974) é a versão do álbum “Before The Flood”; enquanto “Shelter from the Storm” (1976) foi resgatada do álbum “Hard Rain” e a bela versão de “Slow Train” (1987) saiu do álbum de Dylan com o Grateful Dead.

Entre as raridades bacanas estão “To Ramona” (1965), outtake do filme “Don’t Look Back”; “It Ain’t Me, Babe” (1975) retirada da trilha sonora do filme “Renaldo & Clara”; uma versão de “Dignity” (1994) que ficou de fora das primeiras versões em CD do “Unplugged MTv”, e um cover de “Grand Coulee Dam”, que Dylan gravou com a The Band e saiu em “A Tribute to Woody Guthrie, Part 1”. Há, ainda, uma versão de “Born in Time” (1998), b-side do single “Love Sick”. Completam o álbum versões inéditas gravadas em Portsmouth, Inglaterra, 2000 (“Somebody Touched Me”, “Country Pie” e “Things Have Changed”), um take de “Cold Irons Bound” ao vivo em Los Angeles, 1997, e dois takes de início de carreira: o standart “Wade in The Water” foi retirado do cassete “Minnesota Hotel Tape 1961” (enormemente pirateado) enquanto “Handsome Molly” é um registro de uma apresentação no Gaslight, 1962, que foi lançado oficialmente em 2005 numa parceria com o Starbucks. Uma das coisas bacanas deste álbum é permitir ao ouvinte passear pelas diversas fases de Dylan acompanhando a mudanças de voz, de sonoridade e temática. Um item caprichado!

Especial Bob Dylan com Café

abril 27, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 50: I’m Not There

Bob Dylan com café, dia 50: A chegada aos 60 anos, em 2001, abriu o coração de Bob para o mundo. Até então pouco se sabia da vida do mais importante intérprete e compositor da língua inglesa no século 20. Fofocas de amigos, boatos de bastidores, depoimentos em entrevistas, aparições na TV, tudo servia para moldar um Bob Dylan que poderia até estar longe da realidade, mas era o máximo que fãs, jornalistas e pessoas comuns conseguiam obter para tentar entender uma das personas mais geniais e controversas de nosso tempo. O verdadeiro Bob Dylan se escondia em algum recanto da alma de Robert Allen Zimmerman, um garoto nascido em Minnesota, neto de imigrantes judeus-russos. Em questão de cinco anos, Dylan abriu seu baú de memórias e começou a mostrar fotografias de seu passado para o grande público. Foi assim com o lançamento do livro “Down the Highway: The Life of Bob Dylan”, excelente biografia assinada por Howard Sounes, que chegou ao mercado em 2001 (no Brasil recebeu o nome de “Dylan: A Biografia”, ganhando edição pela Conrad). Na sequência, em 2004, vieram o volume 1 de “Crônicas” (uma quase biografia escrita pelo próprio Dylan que relembra o passado em textos curtos – edição nacional da Planeta) e o imperdível documentário para a TV “No Direction Home”, de Martin Scorsese (já disponível em DVD). As Bootleg Series pegaram embalo e os discos de inéditas colocaram Dylan nas paradas (até o filme “A Máscara do Anonimato”, de 2003, entra no pacote).

Em 2007 foi a vez de o diretor Todd Haynes contribuir com o mito: “I’m Not There” funciona como uma inteligente cinebiografia e é o mais próximo que o público já chegou de Bob Dylan em todos estes anos. O subtítulo do filme diz tudo: “Inspirado nas várias vidas de Bob Dylan”. Para isso, o diretor dividiu a persona do Dylan em seis personagens, e todos eles transitam à vontade. Seja o Dylan trovador folk dos primeiros anos interpretado por Christian Bale (que também interpreta o Dylan cristão); seja o Dylan revolucionário que mudou o mundo em 1965 interpretado por Cate Blanchett (que atuação, que mulher!); seja o Dylan menino interpretado por Marcus Carl Franklin; seja o Dylan do casamento em farrapos do álbum “Blood on The Tracks” interpretado por Heath Ledger; seja o Dylan apaixonado por Rimbauld interpretado por Ben Whishaw; seja o Dylan Billy The Kid interpretado por Richard Gere. E tem gente que dizia que Camaleão era David Bowie. Junto ao filme surgiu uma trilha sonora indie e épica com 33 versões de canções de Dylan por uma turma fodaça: Eddie Vedder canta “All Along The Watchtower” acompanhado de uma banda base que conta com Medeski no órgão Hammond, o baixista da Never Ending Tour Tony Garnier, o baterista Steve Shelley (Sonic Youth) e os guitarristas Tom Verlaine (Television), Lee Ranaldo (Sonic Youth), Nels Cline (Wilco) e Smokey Hormel (Beck, Adele, Norah Jones) – essa banda ainda irá tocar com Karen O (Yeah Yeah Yeahs) numa versão de “Highway 61 Revisited”, Tom Verlaine em “Cold Irons Bound” e Stephen Malkmus em “Ballad of a Thin Man” e “Maggie’s Farm”.

O Sonic Youth cadencia a faixa título (que ainda surgirá numa versão inédita bônus com Bob Dylan & The Band), o Yo La Tengo soa Velvet & Nico numa versão suave de “Fouth Time Around” enquanto Mark Lanegan coloca seu vozeirão com aromas de Bourbon a serviço de “Man in the Long Black Coat”. Jeff Tweedy causa arrepios numa versão linda de “Simple Twist of Fate” (a montagem abaixo com cenas de “Paris Texas” deixa tudo ainda mais dolorido). Num dos grandes momentos do filme, Charlotte Gainsbourg entrega toda delicadeza de “Just Like Woman” acompanhada pelo grande Calexico, que também faz a cama para Jim James (My Morning Jackett) levar o ouvinte pra roça numa versão comovente de “Goin’ To Acapulco”, para o Iron & Wine em “Dark Eyes” e para Willie Nelson em “Señor (Tales of Yankee Power)”. Há ainda Black Keys (“The Wicked Messenger”), Hold Steady (“Can You Please Crawl out Your Window?”) e uma sensacional Cat Power com uma sensacional versão de “Stuck Inside of Mobile With the Memphis Blues Again” além de Antony & The Johnsons carregando “Knockin’ On Heaven’s Door” de tudo que ela precisa: baldes de tristeza. De todos os tributos que Bob Dylan recebeu até hoje esse é, disparado, o melhor. Veja o filme, ouça o disco.

Especial Bob Dylan com Café

abril 26, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 49: Modern Times

Bob Dylan com café, dia 49: Cinco após “Love and Theft” (2001), seu último disco de canções inéditas chegar ás lojas, Bob estava novamente em estúdio. Desde “Time Out of Mind” (1997) que Dylan via sua fama atual crescer entre um público mais jovem e ainda que achasse que estava “no inferno do esquecimento cultural”, as paradas o desmentiam: “Time Out of Mind” bateu na 10ª posição dos discos mais vendidos da Billboard enquanto “Love and Theft” chegou no número 5. O documentário “No Direction Home”, de Martin Scorsese, havia jogado mais lenha na fogueira preparando o território para o segundo turning point de Dylan no novo século, apropriadamente chamado de “Modern Times” (2006). Da banda que o acompanhava em “Love and Theft” e na Never Ending Tour restava apenas o baixista Tony Garnier, mas o sucesso daquele disco, com produção assinada pelo próprio Bob (sob o codinome de Jack Frost), fez com que ele novamente assumisse a responsabilidade. Lançado em agosto de 2006, “Modern Times” levava a um novo patamar a discussão de “amor e roubo” do disco anterior roubando (por amor) velhos blues, rocks e countrys de eras passadas e os recriando com novos versos e adaptações melódicas.

Do alto de seus 65 anos, Bob lançava um disco que não era para a molecada dançar na balada urrando as letras (para isso existia um – ótimo – single do Killers) muito menos para ser ouvido enquanto se passa manteiga no pão no café da manhã. Dylan precisa de mais atenção. “Modern Times” é um disco de temática quase antagônica, falando sobre sexo e morte. E também sobre amor. E também sobre um mundo que está se desintegrando na frente dos nossos olhos. Será tudo a mesma coisa? É um disco para se ouvir em um bar acompanhado de luzes que se misturam com a fumaça de cigarro num balé melancólico. Seu autor ousa relembrar que mesmo tendo vivido mais de seis décadas de vida, o mundo continua um lugar imperfeito, solitário e vazio. Mas o próprio, em entrevista ao jornal USA Today, atestava que não há nada de nostálgico no álbum. Ele estava falando do agora, do tempo sombrio que estávamos, todos, vivendo (ainda estamos!). Uma de suas inspirações foi o poeta romano Públio Ovídio Naso, nascido 43 anos antes de Cristo (os livros “A Arte do Amor”, “Black Sea Letters”, “Tristia – Vol 2” e “Tristia – Vol 4” emprestam versos para o álbum).

“Thunder On The Mountain” abre o disco no formato rock clássico, com direito a guitarra solando e um interlocutor que gostaria de saber onde encontrar Alicia Keys. A mesma levada pode ser ouvida na suave “Someday Baby” (uma canção inspirada em Muddy Waters que rendeu a Dylan mais um Grammy) e na soturna “The Levee’s Gonna Break” (também roubada pelo Led Zeppelin no álbum “IV”), com Dylan cantando de forma direta nesta última: “Se continuar chovendo, o dique vai quebrar” (uma ponte com “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”). O bluezaço “Rollin’ and Thumblin” (com jeitão Robert Johnson de ser e também gravada por Eric Clapton em seu famoso discos “Unplugged MTv”) acelera em direção ao rockabilly. De sotaque jazz, “Spirit on the Water” fala de pesadelos. “Eu estou suando sangue”, diz a letra. “When the Deal Goes Down”, cujo clipe traz a musa Scarlett Johansson, é uma balada folk que não revela em sua levada a temática pesada da letra que procura um sentido em estar vivo, e diz a certa altura: “Nós vivemos e nós morremos, e não sabemos porquê”. O clima se acalma na suavidade de “Beyond the Horizon”, que imagina: “Além do horizonte é fácil amar”. Lembra o Rei Roberto em sua fase pós-Jovem Guarda dizendo que “Além do horizonte existe um lugar bonito e tranqüilo pra gente se amar”.

O clima volta a pesar na arrastada “Nettie Moore” e fica ainda mais sombrio em “Ain’t Talkin’”, faixa que encerra o disco com Dylan contando “que não há nenhum altar nessa estrada longa e solitária”. Dentre todas estas, a que merece maior atenção é “Working Man’s Blues #2”, canção que atualiza para os tempos modernos um velho country de Merle Haggard. Enquanto o original versava sobre como o trabalho comprara o espaço da diversão (na letra, após uma semana de batente e muito cansaço, o cara planeja sair para beber uma cerveja quando o pagamento chegar), “Working Man’s Blues #2” avança criticando não só esse capitalismo que vendeu um sonho e acabou, no fim, comprando a alma de todos, mas também suas conseqüências, entre elas a mais visível: a divisão do povo em ricos e pobres. “Working Man’s Blues #2” consegue ser ainda, do alto de seus seis minutos, uma belíssima canção de amor. O resultado: “Modern Times” foi (30 anos depois!) o quarto disco de Bob Dylan a bater no número 1 da Billboard (os outros: “Planet Waves”, de 1974; “Blood on The Tracks”, de 1975; e “Desire”, de 1976) rendendo a ele o raro título de artista mais velho a emplacar um álbum no topo das paradas norte-americanas. “Modern Times” também apareceu no topo de diversas listas de Melhores do Ano (a do Scream & Yell, inclusive – deixando Raconteurs, TV On The Radio, Cat Power e Sonic Youth para trás) e foi a base do show que Bob fez no Brasil em 2008. Bob Dylan nunca havia deixado o cenário da música pop, mas, para muitos, essa foi uma volta aos holofotes. E que volta.

Especial Bob Dylan com Café

abril 25, 2018   1 Comment

Dylan com café, dia 48: Uncut 2

Bob Dylan com café, dia 48: No embalo do então recém-lançado documentário de Martin Scorsese, “No Direction Home”, que saiu em agosto de 2005, a badalada revista inglesa Uncut produziu em setembro um daqueles listões de melhores que só eles têm a manha de realizar com tamanho esmero e qualidade – não só pela lista, mas principalmente pelos convidados que participam dela: 100 Rock and Movie Icons on The Music and Films That Changed Our World reúne em 50 páginas da revista um time invejável de “colaboradores”. O método foi simples: a revista interrogou 100 artistas sobre obras revolucionárias da cultura pop, e colocou certa ordem nas escolhas de seu “júri”.

O especial começa com o número 100 sendo aberto por Chris Martin explicando sua escolha com um “Bem, eu vou ser meio nerd aqui” para citar uma palestra de Brian Eno e chegar a seu disco favorito: “The Soft Bulletin” (1999), do Flaming Lips (e você achou que não tinha nada em comum com o cara do Coldplay, hein), que ele diz ser uma obra como “Dark Side of The Moon”, do Pink Floyd, mas sendo “Light Side of The Moon”, porque carrega… humor. A lista segue com o ator Robert Downey Jr. escolhendo o álbum “Imperial Bedroom” (1982) de Elvis Costello & The Attractions na posição 96, Ian McCulloch (Echo and The Bunnymen elegendo a série “Sopranos” no número 88, Frank Black (Pixies) indo de “Clube da Luta” no número 86, Trent Reznor contando da emoção de ouvir uma canção sua, “Hurt”, na voz de Johnny Cash no número 85, Stephen Malkmus posando com sua cópia de “Daydream Nation”, do Sonic Youth no número 77, Dave Grohl babando ovo em “Physical Graffiti”, do Led Zeppelin, e por ai vai. A lista completa (e quem escreveu sobre) você confere aqui.

O Top 3 traz Ozzy Osbourne contando como “She’s Love You”, dos Beatles, mudou a sua vida! No número 2, Paul McCartney declara seu amor por Elvis Presley dizendo que “Heartbreak Hotel” é sua melhor gravação. No número… Bob Dylan. E Patti Smith relembra (num texto de página inteira) como foi ouvir pela primeira vez, aos 19 anos, o single “Like a Rolling Stone” na jukebox de um café em 1965 (o texto, na integra, pode ser baixado via Mediafire aqui). Para acompanhar o especial, a revista reuniu um time de luxo para recriar o álbum “Highway 61 Revisited” (que traz “Like a Rolling Stone”), e ainda que o resultado nunca vá arranhar o status de obra genial atemporal do disco original, há boas surpresas com o Drive-By Truckers desacelerando “Like a Rolling Stone”, Paul Westerberg fazendo de “It Takes A Lot To Laugh, It Takes A Train To Cry” um bluezão, Willard Grant Conspiracy esvaziando a sonoridade de “Ballad of Thin Man” e valorizando a letra, o American Music Club brilhando em “Queen Jane Approximately” e os Handsome Family levando “Just Like Tom Thumb’s Blues” para a roça num projeto de especial de revista e CD altamente recomendável (você acha facilmente no Ebay!)

Especial Bob Dylan com Café

abril 20, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 47: No Direction Home

Bob Dylan com café, dia 47: Em um dos capítulos do livro “Crônicas – Vol. 1”, publicado em outubro de 2004, Dylan relembra os tempos difíceis pré-“Oh Mercy” (1989), enfim um grande álbum que encerrava uma década praticamente perdida “por causa do excesso de distrações”, segundo ele. “Onde quer que eu vá, sou um trovador dos anos 60, uma relíquia do folk rock, um artesão da palavra de tempos passados, um chefe de Estado fictício de um lugar que ninguém conhece. Estou no inferno do esquecimento cultural”, diz. O primeiro dos três turning points no novo século a tirar Bob Dylan deste esquecimento cultural e coloca-lo no lugar em que ele sempre mereceu estar foi um documentário impecável dirigido por Martin Scorsese. Lançado em agosto de 2005, “No Direction Home” compilava em 208 minutos imagens raras (como a primeira exibição do momento em que alguém o chama de “Judas” num show em Manchester, 1966) e dezenas de takes de backstage e shows nas turnês de 1965/1966 além de entrevistas com personagens importantes do período como os músicos Pete Seeger, Maria Muldaur e Al Kooper, a ex-namorada Suze Rotolo (fotografada ao lado de Dylan na capa de “Freewheelin”), o promotor de música folk Harold Leventhal, o cineasta DA Pennebaker (diretor do obrigatório documentário “Don’t Look Back”) e o poeta beat Allen Ginsberg, além do próprio Bob Dylan (impressionantemente desnudado e à vontade a ponto de dizer, sobre o fim do relacionamento com Joan Baez, que “não dá para amar e ser esperto ao mesmo tempo”), entre outros.

O documentário foi acompanhado de uma “trilha sonora” deliciosamente torta em mais um volume imperdível de raridades cobrindo os 7 anos (de 1959 a 1966) que mudaram a música pop: “The Bootleg Series 7 – No Direction Home: The Soundtrack” compila 28 canções, apenas duas delas lançadas anteriormente, com o garimpo começando no CD 1 com a primeira gravação domestica de Bob, “When I Got Troubles”, datada de 1959, e seguindo com outra raridade: “Rambler, Gambler” (1960), canção tradicional gravada por Dylan numa rádio em Minneapolis. O hino “This Land Is Your Land”, de Woody Guthrie, surge numa versão de Bob ao vivo em 1961. Seguem-se takes do famoso álbum pirata “Minnesota Hotel Tapes” (1961), registros do programa de TV “Folk Songs and More Folk Songs” (1963) além de números no Newport Folk Festival (“Chimes of Freedom” em 1964 e “Maggie’s Farm” em 1965 mostrando a mudança do acústico para o elétrico que criou um caos na cena folk da época).

No CD 2, takes alternativos que engrandecem ainda mais os álbuns “Bringing It All Back Home” (1965), “Highway 61 Revisited” (1965) e “Blonde on Blonde” (1966) com versões de “It’s All Over Now, Baby Blue” (mais lenta, mais melódica, mais intensa), “She Belongs To Me” (também mais lenta, e aqui sem bateria, mas com baixo e guitarra), “Tombstone Blues” (frenética, pré-punk), “Desolation Row” (“Com Al Kooper tocando guitarra como o jovem Lou Reed”, observa o crítico John Harris), “Highway 61 Revisited” (numa baita versão de boteco, com slide e piano elétrico sensacionais), “Leopard-Skin Pill-Box Hat” (no modo blues lento e chapado) e “Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again” (também em marcha lenta chapada) além de “Visions of Johanna” (com os Hawks e Al Kooper). O livreto (com dezenas de fotos raras e registros alternativos das capas do período) tem texto assinado por Andrew Loog Oldham, o homem que cuidou dos Stones em seus anos de formação (1963/1967), e que aqui observa: “Na Inglaterra e na França, mais conhecidas como Europa, havia Dylan muito antes que houvesse Beatles e Rolling Stones. 43 anos depois, Dylan ainda move os peões”. Muitos fãs jovens conheceram Bob Dylan através deste documentário de Scorsese, que ganhou uma reedição comemorativa em 2016 com acréscimo de diversas cenas raras. Logo logo, esses novos fãs perceberam, na prática, que Dylan não pertence ao passado. “Modern Times”, seu segundo turning point no novo século (o terceiro será o Nobel de Literatura), vem ai, e é assunto para outro café.

Especial Bob Dylan com Café

abril 19, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 46: Reggae Tribute

Bob Dylan com café, dia 46: Num episódio famoso da cultura pop, em 1979, Serge Gainsbourg baixou em Kingston para gravar um disco de inéditas reggae com os ainda desconhecidos Sly Dunbar (bateria) e Robbie Shakespeare (baixo). O resultado foi “Aux Armes Et Cætera” (1979), um dos maiores sucessos da carreira de Gainsbourg, disco de platina triplo na França ancorado numa versão rastafári de “A Marselhesa” que fez com que a extrema direita francesa o ameaçasse de morte. O sucesso foi tanto que Serge levou Sly & Robbie para a turnê na França, e os colocou no mercado. Serge gravaria outro álbum com a dupla (“Mauvaises Nouvelles des Étoiles”, 1981), mas quem cruzaria Sly & Robbie em 1983 seria Dylan, que contrataria a cozinha jamaicana para o belo álbum “Infidels”, que ainda teria Mark Knopfler e Mick Taylor. Os Wailers já haviam gravado “Like a Rolling Stone” em 1966, mas a ilha jamaicana ainda não tinha mergulhado profundamente na música de Dylan até que o produtor Doctor Dread, fundador da RAS Records, montou uma super banda base (com Sly na bateria, mas sem Robbie no baixo, substituído por Glen Brownie, que acompanhou de Jimmy Cliff a Ziggy Marley, mais Dwight Pinkney na guitarra, entre outros) e convidou um time de estrelas para recriar o repertório de Bob.

Lançado em 2004, “Is It Rolling Bob? A Reggae Tribute To Bob Dylan” traz a capa de “Bringing Back All Home” numa divertida versão Jamaica, com Bob bolando um baseado, uma dreadlocker ao fundo, capa de discos de reggae no chão, um foto de Bob Marley sobre a lareira e até uma cerveja Red Stripe. Gravando em Kingston no padrão Jamaica (um CD reggae, o outro dub), o primeiro disco traz 13 versões e um excelente remix de “I and I” (uma das grandes faixas de “Infidels”) enquanto o segundo toasteia oito versões (“I and I” inclusa). Destacam-se Toots Hibbert (líder da mítica Toots & the Maytals) numa versão poderosa que transforma “Maggie’s Farm” em um grito de guerra escravo; Gregory Isaacs brilha numa pungente “Mr. Tambourine Man”; Nasio Fontaine surge acompanhado por Drummie Zeb & The Razor Posse na religiosa e ótima “Gotta Serve Somedbody” enquanto Sizzla banca o MC agitando “Subterranean Homesick Blues” e Michael Rose (do Black Uhuru) em “The Lonesome Death of Hattie Carroll” (“Uma canção particularmente forte para a história de escravidão na Jamaica, esmagada entre pobreza e violência”, observou a resenha do Guardian) num disco curioso, divertido, reflexivo e descompromissado, como um bom baseado.

Especial Bob Dylan com Café

abril 18, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 45: Philharmonic 64

Bob Dylan com café, dia 45: Aproveitando que Dylan permanecia na estrada com a Never Ending Tour sem dar sinais de entrar em estúdio, a Columbia Records seguia fuçando o baú e encontrando raridades que eram itens de colecionador entre pirateiros desde os anos 60. Após lançar o show mítico de 66 em Manchester e a bela compilação da The Rolling Thunder Revue Tour 75, as Bootleg Series voltam no tempo: em 1964, Dylan ainda era uma estrela em ascensão após um primeiro disco que ninguém ouviu (“Bob Dylan”) e três álbuns seguidos que sacudiram a ala folk e os pensadores (“The Freewheelin’ Bob Dylan“, “The Times They Are a-Changin’” e “Another Side of Bob Dylan“), mas ainda não havia feito o crossover de público, estando encaixotado na ala dos cantores de protesto.

Sabendo do potencial de seu pupilo e já antevendo o que viria meses depois, o empresário Albert Grossman ia dando campo para Bob crescer, e se em 1961 Dylan passava o chapéu em apresentações no Greenwich Village, em 1964 já tocava em locais glamorosos como o Carnegie Hall. Grossman, então, reservou uma data no Phillarmonic Hall (hoje Avery Fisher Hall), casa de Leonard Bernstein e da Filarmônica de Nova York. A Columbia iria registrar o show prevendo lança-lo, mas Bob vivia um momento tão prolifico na carreira que dois meses depois entraria em estúdio para começar sua revolução com “Bringing It All Back Home”, e este show de 31 de outubro de 1964 já estaria datado e seria arquivado (e amplamente pirateado na década seguinte, mas de registros do público, não destas masters originais).

Lançado e março de 2004, “The Bootleg Series 6 – Concert at Philarmonic Hall” traz o Dylan dos primeiros anos, voz, violão e gaita, rindo da fama e provocando a audiência com canções novas. Das 19 músicas apresentadas por Bob neste show, sete ainda não haviam sido lançadas oficialmente, três delas ainda nem gravadas: “Gates of Eden”, “It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding)” arrepiante e “Mr. Tambourine Man” (as três apareceriam em “Bringing It All Back Home”) – das outras quatro, uma canção de Joan Baez (que auxilia seu protegido em quatro números aqui) e outras três que só ganhariam lançamento oficial nas bootleg series já nos anos 90, como “Talkin ‘John Birch Paranoid Blues”, uma talking blues em que Dylan tira sarro de um anticomunista que, de tão paranoico, começa a procurar “reds” em todos os cantos da casa, e não achando nenhum, começa a procurar em si mesmo. Interessante observar como “A Hard Rain’s A-Gonna Fall” mudaria dessa versão acústica em 1964 para a nervosamente eletrificada no ao vivo “Hard Rain”, de 1976. É o último registro antes da tempestade elétrica que viria em 1965. E é um grande show.

Especial Bob Dylan com Café

abril 17, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 44: Uncut

Bob Dylan com café, dia 44: em 2002, visando comemorar os 40 anos de carreira de Bob, a importante revista britânica Uncut convidou um extenso grupo de artistas para elencar as 40 melhores músicas do homem. Junto à revista, em duas capas diferentes, dois CDs atualizavam o repertório de Dylan em 31 covers, 8 deles exclusivos da revista. Na reportagem de 31 páginas (disponibilizada na integra em 2015 no site da Uncut: leia aqui), 80 artistas apontam suas canções favoritas: Jon Spencer escolheu “Ballad of Thin Man”, Jeff Tweedy foi de “John Wesley Harding”, Damon Albarn de “Rainy Day Women #12 e #35”, Isobel Campbell e Ian McCulloch escolheram “Love Minus Zero / No Limit” enquanto Tom Waits cravou “The Lonesome Death of Hattie Carrol” e Lee Ranaldo escolheu “Visions of Johanna”. O top 3 das 40 músicas votadas foi composto por “A Hard Rain’s A-Gonna Fall” em terceiro (com voto do ator Jack Black e também de Mike Scott, do The Waterboys), “Tangled Up In Blue” em segundo (com voto de Natalie Merchant) e “Like a Rolling Stone” no número 1 (votada por Pete Yorn, Grant Lee-Phillips e Gerard Love, do Teenage Fanclub, entre outros), com 22 pessoas escrevendo sobre a música (“Foi uma das primeiras músicas do Dylan que ouvi”, relembra Ian McCulloch. “Se fosse “Gates Of Eden” provavelmente teria me assustado”) numa bela introdução à obra genial de Bob (em 2013, a Rolling Stone Brasil lançaria uma edição com um top 100 de músicas, mas sem CDs). Na parte musical do especial da Uncut em 2002, a revista resgata a bela versão de Cat Power para “Paths of Victory” (do álbum “The Covers Record”, 2000) mais releituras de “Shelter From The Storm” por Cassandra Wilson (de “Belly On The Sun”, 2002) “Every Grain of Saint” por Emmylou Harris (de “Wrecking Ball”, 1995) e “Hurricaine”, por Ani DiFranco (do EP “Swing Set”, 2000). Entre o material gravado especialmente para a revista estão uma respeitosa “Don’t Think Twice, It’s All Right” com Johnny Marr, uma grande versão de “Girl From The North Country” com os Waterboys, uma entorpecida “Sitting On A Barbed Wire Fence” por Thurston Moore e Kim Gordon, “Visions of Johanna” com Lee Ranaldo, “I Shall Be Released” por Paul Weller, e “Positively 4th Street” por Paul Westerberg, entre outras. Vale a pena ir atrás!

Especial Bob Dylan com Café

 

abril 16, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 43: Masked

Bob Dylan com café, dia 43: um ano após “Love and Theft”, Bob juntou a banda da Never Ending Tour para gravar uma série de canções que ele pretendia usar na trilha sonora de um filme que estava fazendo com o cineasta Larry Charles, um dos famosos roteiristas das primeiras cinco temporadas da série Seinfeld. Sob codinomes (Dylan como Sergei Petrov e Charles como René Fontaine), a dupla assina o roteiro do confuso, fraco e bagunçado “A Máscara do Anonimato” (“Masked and Anonymous”), filme lançado em 2003 que conta com um elenco estelar que trabalhou com os salários mínimos do sindicato apenas para ter a oportunidade de estar com Bob. Entre as estrelas estão nomes Jeff Bridges, Penélope Cruz, John Goodman, Jessica Lange, Luke Wilson, Bruce Dern, Ed Harris, Val Kilmer, Giovanni Ribisi, Mickey Rourke, Christian Slater e Susan Tyrrell. Há clássicos na história do cinema feito com apenas dois grandes atores, mas essa constelação, infelizmente, não consegue consertar um roteiro ruim.

“Masked and Anonymous” conta a história de Jack Fate (Bob Dylan), um músico outrora famoso, filho de um ditador (que aterroriza um pobre país terceiro-mundista da América) convocado por rebeldes para se apresentar num concerto beneficente contra seu pai. Surrealista e autobiográfico, “A Máscara do Anonimato” padece de tosquice, mas as músicas ao vivo da trilha foram um bom resultado do equivoco do filme. Acompanhado de sua banda (“atuando” no filme), Bob gravou cerca de uma dúzia de canções no primeiro registro oficial ao vivo da nova formação da Never Ending Band (com Charlie Sexton na guitarra) sendo que nove delas aparecem no filme e quatro (“Down In The Flood”, “Diamond Joe”, “Dixie” e “Cold Irons Bound”) foram lançadas no CD da surreal trilha sonora, que junta covers de Dylan cantadas por diferentes artistas de diferentes nacionalidades: os japoneses Magokoro Brothers recriam “My Back Pages”, o italiano Francesco De Gregori interpreta “Non Dirle Che Non E’ Cosi’ (If You See Her, Say Hello)” e o grupo de rap italiano Articolo 31 improvisa sobre a base de “Like a Rolling Stone” numa trilha que ainda conta com Grateful Dead, Shirley Caesar, Jerry Garcia (solo) e Los Lobos. Uma trilha curiosa para um filme desastroso.

Especial Bob Dylan com Café

 

abril 15, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 42: Rolling Thunder Revue

Bob Dylan com café, dia 42: em 1969, o jornalista Greil Marcus escreveu um longo texto na Rolling Stone lamentando que Bob Dylan, nos anos 60, tenha lançado “apenas” 9 discos em 8 anos. Corte para os anos 2000, que vão ver apenas três discos inéditos de Dylan na primeira década. Porém, se o material novo não será tão farto (ou melhor, estará adaptado às necessidades do mundo moderno), o baú de raridades trará surpresas maravilhosas aos fãs do homem. Após encantar o público com a reedição imperdível do show no Royal Albert Hall, em Manchester, 1966 (o show do “Judas!”), no volume 4 das Bootleg Series em 1998, a Columbia voltou a produzir ouro no formato de compact disc a laser em 2002 quando compilou em dois CDs (e um DVD extra bônus) alguns dos momentos mais brilhantes da mais brilhante turnê de Bob Dylan, a The Rolling Thunder Revue 1975 – ou como compara o biógrafo Brian Hilton, uma turnê que se equivale a mítica turnê de 1966, mas se lá havia uma batalha entre banda e público toda noite, aqui os shows são pura celebração de amor.

Lançado em novembro de 2002, “The Bootleg Series Vol. 5: Bob Dylan Live 1975, The Rolling Thunder Revue” é uma volta a um tempo que não existe mais. Bob vislumbrou a ideia da turnê quando estava em férias na Córsega e a inspiração surgiu das trupes italianas de “commedia dell-arte”, uma forma de teatro popular que aparece no século XV, na Itália, e se desenvolveu posteriormente na França, e cujo intuito era opor-se (muitas vezes por necessidade) a comédia erudita com apresentações realizadas em ruas e praças, companhias itinerantes de estrutura e esquema familiar e atores que seguiam apenas um roteiro simplificado e tinham total liberdade para improvisar e interagir com o público. Ao chegarem a cada cidade, pediam permissão para se apresentar nas suas carroças ou em pequenos palcos improvisados. Com exatamente esse mesmo mote, quando voltou à Nova York, Bob Dylan juntou um grupo de músicos do Greenwich Village, convidou alguns amigos e caiu na estrada (com dois álbuns matadores fresquinhos de base de repertório: “Blood on The Tracks” e o ainda não lançado – mas já gravado e tocado na tour – “Desire”) no mesmo modelo italiano: as casas de shows, pequenas e intimas, eram reservadas sob pseudônimo, e a banda aparecia disfarçadamente e começava seu “teatro”: Bob Neuwirth fazia seu set, T-Bone Burnett dava um pitaco, Dennis Hopper declamava um poema, Mick Ronson (que havia deixado a banda de David Bowie para acompanhar Dylan) tocava “Life On Mars” e Bob Dylan então surgia para um set acústico. Meia hora depois, Roger McGuinn assumia o lugar de Dylan, tocava algumas coisas do Byrds e passava a função para Joan Baez, que tocava durante cerca de 40 minutos. Dylan então voltava para encerrar a noite em formato banda com mais uma hora de show! No total, mais de 3 horas de espetáculo noite após noite.

Na teoria apaixonada dos hippies, lindo. No papel, porém, as contas não estavam fechando, o que tornou esses primeiros 30 shows (de outubro a dezembro de 1975) únicos. Bob queria que essa turnê durasse para sempre, mas ela não resistiu nem até o natal de 1975, e quando a trupe retornou a estrada em 1976, num modelo de shows em estádios e grandes ginásios, a magia já tinha se perdido (e sido registrada no canto de cisne da turnê, o álbum “Hard Rain”). A inocência, as máscaras pintadas fellinianas, os duetos imperdíveis, a voz de Dylan em seu auge (“Ele nunca cantou dessa forma, nem antes, nem depois”, escreveu o jornalista Peter Doggett), a emoção genuína da The Rolling Thunder Revue 1975 surge compilada nas 22 canções (retiradas de quatros shows) destes dois CDs (uma pena não ser um lançamento quádruplo ou quíntuplo, afinal o CD duplo não faz justiça ao espetáculo de três horas), todas da primeira perna da tour, quando sonhar ainda era possível. Assim como o show de 66 em Manchester, esse é outro momento mágico da música moderna digitalizado para a posteridade. Deleite-se.

Ps. Muitas imagens dessa turnê aparecem no filme “Renaldo & Clara” (1978), escrito por Dylan e Sam Shepard, e dirigido por Bob. São quase quatro horas de projeção com cenas de shows, entrevistas  documentais e vinhetas dramáticas de ficção que refletem as letras e a vida de Dylan à época.

Especial Bob Dylan com Café

abril 11, 2018   No Comments