Dylan com café, dia 70: Howard Sounes
Bob Dylan com café, dia 70: A vida de Bob Dylan é um mistério que centenas de biografias ainda não conseguiram dar conta. Na verdade, quando mais se descobre sobre Bob Dylan, menos se sabe sobre Bob Dylan. Vários bons biógrafos deitaram-se sobre o tema e, como observou um crítico do New York Times, se “Bob Dylan: An Intimate Biography” (1971), de Anthony Scaduto, falhava no estudo do personagem e no exagero; “No Direction Home” (1986), se beneficiava da amizade de Robert Shelton com Dylan, mas não dos atributos críticos de Shelton; enquanto “Bob Dylan” (1991), de Bob Spitz, também pecava na formulação crítica; e “Bob Dylan: Behind the Shades” (1991), de Clinton Heylin, falhava tentando encontrar um real “Dylan” em meio às máscaras que o definem. Em 2001, quem decidiu se lançar sobre a vida de Robert Zimmerman foi o jornalista britânico Howard Sounes, que em 1998 colocara nas lojas “Vida e Loucuras de um Velho Safado”, bio de Charles Bukowski (lançada no Brasil pela Editora Conrad). Ao contrário de Robert Shelton e Bob Spitz, Howard Sounes carrega as tintas na crítica, algumas vezes com ranço, o que, inclusive, dificulta bastante confiar em outros livros do autor como “A Intimidade de Paul McCartney” (em que por vários trechos ele compara Macca com Dylan visando diminuir o ex-beatle) e o polêmico “Two lives of Lou Reed: Notes from the Velvet Underground” (2015). Este “Down The Highway – The Life of Bob Dylan”, de 2000 (lançado no Brasil em 2001 como “Dylan, a Biografia” pela Editora Conrad), porém, é um dos livros mais equilibrados do autor – pese provavelmente o fanatismo que faz com Sounes diminua todos os demais perante Bob. Na época, Sounes se vangloriava de corrigir equívocos de nascimentos dos filhos de Dylan, de descobrir um casamento e um filho não divulgados pela imprensa e de mapear seus imóveis ao redor do mundo, dados que acrescentam ainda mais lenha na confusão do mito. O ponto alto desta boa biografia, porém, é o tempo que o escritor se dedica às sessões de alguns álbuns (em conversas com diversos músicos que acompanharam Bob): “Shot of Love” (1981) e “Empire Burlesque” (1985) são dissecados com o mesmo carinho que “Blood on The Tracks” (1975) e a mítica trilogia “Bring It All Back Home” (1965), “Highway 61 Revisited” (1965) e “Blonde on Blonde” (1966). Em alguns momentos, o texto escorrega para a fofoca (e o The Sun sorri) e a especulação como quando Bonnie Beecher (namorada e Bob Dylan dos tempos do colégio em Minneapolis – época da qual saíram duas fitas famosas, “The Minneapolis Party Tape” e “The Minneapolis Hotel Tape”) tentou falar com Bob em um show nos anos 90, mas teria sido ignorada por Bob e pelos seguranças e sentiu-se humilhada (“O marido de Bonnie – e amigo de Bob – tentou faze-la sentir-se melhor dizendo que Bob havia passado direto por George Harrison da mesma maneira”; Sounes acrescenta: “Bob pode nem tê-la visto: sem seus óculos, que ele se recusa a usar no palco por pura vaidade, Bob é praticamente cego”). Tendo discernimento para avaliar as opiniões de Sounes e de muitos (ex-)amigos do homem, “Bob Dylan, a Biografia”, é um passatempo bastante agradável que ajuda o leitor a se situar na obra de Bob, e se perder sobre quem ele realmente é.
Trecho de “Dylan – A biografia”, de Howard Sounes
O ontem se foi, mas o passado continua vivo. O homem tinha uma nadar estranhamente lépido, como uma marionete manipulada por cordas invisíveis. Sua cabeça parecia se mover com um ritmo próprio. Ele usava roupas mal-ajambradas que o faziam parecer um peixe fora d’água em uma área elegante de Manhattan, tendo quase a aparência de um sem-teto. Contudo, vistas mais de perto, as roupas pareciam novas. Ao ser olhado mais próximo ainda, o rosto pálido, a barba por fazer, esse homem de meia-idade e corpo franzino parecia familiar. Sob o chapéu, o nítido nariz adunco, as feições delicadas emolduradas por um filete de barba. Ao coçar o nariz, notam-se as unhas compridas e sujas. Ao olhar para atravessar a rua, os olhos que se via eram de um azul quase tão intenso quanto o dos ovos do tordo norte-americano.
—”É o Bob Dylan!”
As pessoas freqüentemente o reconheciam, berrando animadamente saudações, quase não acreditando que estavam vendo uma lenda na rua. Bob odiava quando elas o agarravam, mas ele era, no fundo, um educado cidadão do interior e não se importava em dar um alô. Quando falava — talvez somente para dizer algo como “Aí, cara, como é que é?” – sua voz era tão característica, com as palavras saindo aos trancos do diafragma e então parecendo deslizar através do nariz quase cômico, enfatizando a palavra errada na frase e encurtando outras palavras, que só podia ser Bob Dylan. Bob foi até a esquina da 57″‘ Street com a Lexington Avenue e entrou em um pequeno bar, o Irish Pavilion. Tommy Makem, o dono, era um velho amigo do início dos anos 1960 – quando Bob era aprendiz em seu ofício -, um irlandês de fala mansa que tinha tocado canções folk tradicionais com os Clancy Brothers nos bares de Greenwich Village, em Nova York. Makem não via Bobby – como o conhecia – há muitos anos. “Não havia ninguém com ele, nenhum motorista, nenhuma companhia, ninguém. Estava só”, relembra ele. Makem acomodou Bob em uma mesa reservada, onde ele não seria visto por outros fregueses. Depois foi buscar seu banjo e subiu ao palco para o show. Makem tocou as antigas baladas que Bob adorava, canções vigorosas como “Brennan on the moor” e a melancólica “Will you go, Lassie, go”. Houve um intervalo antes da segunda parte e ele foi até onde Bob estava comendo e bebendo alguma coisa. “Se estiver a fim de cantar uma música, me avise”, disse. Mas Bob preferiu ficar sentado em silêncio, sozinho. Ele estava se divertindo imensamente. O Irish Pavilion o fazia lembrar de seus primeiros dias em Nova York e das pessoas que lá conhecera, artistas como John Lee Hooker, “Cisco” Houston e “Big” Joe Williams. Para ele, esses homens eram monumentais: tinham inspirado e influenciado toda a sua carreira. Depois que a platéia se dispersou, Makem puxou uma cadeira e conversou com Bob enquanto os funcionários varriam em volta das mesas. Era do passado que Bob queria falar – velhos amigos dos velhos bares, pessoas que ele não via fazia trinta anos, e antigas lembranças, como a da noite em que ele correu até a casa do irlandês na 6th Avenue, entusiasmado com uma música que escrevera.
“Deus, deviam ser 2 e meia ou 3 horas da madrugada”, diz Makem. “Foi até lá para me mostrar a letra de uma longa balada sobre um assassinato que tinha escrito para a melodia de alguma música que ouvira Liam [Clancy] e eu cantarmos. Havia uns vinte versos nela, ele cantou a música toda. Eu pensei, Deus, que coisa interessante esse cara está fazendo”. Poucas semanas depois da inesperada visita de Bob ao Irish Pavilion, na primavera de 1992, Tommy Makem recebeu uma carta da gravadora de Bob, a Sony Music. Ele estava sendo convidado a se apresentar em um show comemorativo dos 30 anos da carreira de Bob (embora, na verdade, ele viesse gravando há 31). Bob não tinha dito nada quando eles se encontraram, mas isso era típico dele; nunca fora muito falante. Makem não tinha certeza, a princípio, de que tipo de show se tratava. Pelo jeito contido com que Bob perambulava sozinho pela cidade, vestido como um vagabundo, podia-se pensar que seus dias de grande astro tinham acabado, e que uma comemoração de sua carreira seria realizada em um teatro modesto em um lugar qualquer com alguns velhos amigos. “Foi extremamente glamoroso, um evento muito maior do que eu imaginara”, diz Makem. “Foi gigantesco.” O palco do Show de Comemoração do 30º Aniversário de Bob, como foi chamado, foi o Madison Square Garden, o enorme complexo esportivo em Manhattan. Quando foi anunciado que Bob se apresentaria juntamente com alguns dos nomes mais famosos da música, 18 mil lugares foram vendidos em uma hora. E olha que os promotores do evento estavam cobrando entre 50 e 150 dólares por pessoa, preços recordes. Quando chegou ao Riliga Royal Hotel, onde os músicos estavam hospedados, Makem descobriu que a lista de convidados incluía não apenas antigos cantores folk como também superastros como Eric Clapton e George Harrison, amigos de Bob.
julho 16, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 69: Bangladesh
Bob Dylan com café, dia 69: No dia 01 de agosto de 1971, Bob subia em um palco pela terceira vez em cinco anos, mais precisamente desde o acidente de julho de 1966, para um concerto beneficente organizado por George Harrison no Madison Square Garden, em Nova York. Antes disso, Dylan tinha se apresentado apenas junto com a The Band no Carnegie Hall num tributo em homenagem a Woody Guthrie em janeiro de 68, e no Festival da Ilha de Wight em agosto de 69, por uma quantia enorme de dinheiro (50 mil dólares) conseguida por seu então empresário, Albert Grossman (este show está presente no volume 10 das Bootleg Series). “Depois de uma série de desastres naturais e uma sangrenta guerra civil, o recém-criado estado de Bangladesh estava enfrentando um desastre humanitário em 1971”, conta Howard Sounes em “Dylan, a Biografia”, lançada em 2002 no Brasil. “O músico Ravi Shankar levou a situação do povo de Bangladesh à atenção de George Harrison na esperança de que ele pudesse fazer alguma coisa para ajudar. Depois do sucesso de um disco (“All Things Must Pass”) e de um single no primeiro lugar das paradas, o ex-beatle organizou dois shows beneficentes monumentais no Madison Square Garden, um de tarde, outra na noite de 01 de agosto de 1971 (com cerca de 20 mil pessoas em cada sessão). Os shows seriam gravados para um álbum ao vivo e um filme, e os lucros iriam para a UNICEF”, explica Sounes.
Após uma primeira parte da apresentação (com participação de Eric Clapton, Ravi Shankar e Billy Preston), assim que terminou de tocar sua “Here Comes The Sun”, George olhou para o set list preso no corpo de sua guitarra e o próximo número trazia apenas a palavra “Bob” seguida de uma interrogação: “Eu olhei ao redor e Bob parecia tão nervoso, mas ele veio”. E então Harrison anunciou seu convidado especial: “‘Gostaria de chamar um amigo de todos nós, o senhor Bob Dylan’. Bob entrou em cena usando brim, com um violão Martin pendurado no ombro e uma armação de gaita em torno do pescoço. Ele estava muito parecido com o cantor folk dos velhos tempos, e foi recebido com entusiasmo, acompanhado na guitarra por Harrison, no baixo por Leon Russel e no pandeiro por Ringo Starr”, completa o biógrafo. Neste dia, Bob tocou “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”, “It Takes a Lot to Laugh, It Takes a Train to Cry”, e poderosas versões de “Blowin’ in the Wind” e “Just Like a Woman” além de “Mr. Tambourine Man”, todas lançadas no lado cinco do vinil triplo que se seguiu (a versão em CD trouxe de brinde ainda “Love Minus Zero/No Limit”, com intro de “If Not For You” – que chegou a ser testada na passagem de som), e que fez um imenso sucesso, conquistando ainda um Grammy de Melhor Álbum do Ano em 1973. “Bob adorou a emoção de se apresentar após um longo período de inatividade”, pontua Howard Sounes, mas demoraria ainda mais três anos para que ele voltasse às turnês. Curiosidade: uma das fotos do show, de Bob conversando com George, foi usada em uma coletânea de Dylan lançada no mesmo ano (cortando Harrison da foto).
julho 9, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 68: George Harrison
Bob Dylan com café, dia 68: No dia 01 de maio de 1970, Bob Dylan entrava no estúdio B da Columbia Records, em Nova York, para dar início ao processo de gravação de um novo disco, “New Morning”, que seria lançado em outubro do mesmo ano. Naquele dia, porém, Bob tinha um acompanhante especial no estúdio: George Harrison. “Let It Be”, o disco derradeiro dos Beatles, seria lançado uma semana depois, no dia 08 de maio, mas George – tanto quanto Paul e John – já estava dedicado a carreira solo, preparando o vindouro disco triplo “All Things Must Pass”, que sairia em novembro de 70. Bob e George estavam em pleno processo de pesquisa e construção de novos discos (George entraria no estúdio Abbey Road no dia 26 de maio para começar a gravar), mas o encontro de 01 de maio visava uma primeira grande aproximação, que aumentaria em “The Concert For Bangladesh” (1971, vídeo abaixo) e se concretizaria nos anos 80, com o Traveling Wilburys.
Em três horários de gravação (14h30 às 17h30; 18h30 às 21h30 e 22h30 às 01h30 do dia seguinte) somando 12 horas de estúdio, a dupla – escudada por Charlie Daniels (baixo) e Russ Kunkel (bateria) com Bob Johnston no teclado em três faixas – registrou 26 músicas em 37 execuções, com foco no trabalho em faixas como “Sign on the Window” e “If Not for You”, ambas com cinco takes, e “Time Passes Slowly”, tocada quatro vezes. A grande maioria do set, porém foi de relaxamento com Dylan na guitarra, piano e voz e George Harrison na guitarra e backing tocando canções de Carl Perkins (“Matchbox” e “Your True Love”), Everly Brothers (“All I Have to Do Is Dream”), Sam Cooke (“Cupid”) e Phil Spector (“Da Doo Ron Ron”) além de canções de Dylan (“Just Like Tom Thumb’s Blues”, “Gates of Eden”, “Rainy Day Women#12 & 35” e “One Too Many Mornings”, entre outras) e até “Yesterday”, de Lennon & McCartney, cantada por Bob. Era para ser uma sessão secreta, mas eis que a revista Rolling Stone que chegou às bancas no dia 28 de maio entregava o encontro dizendo que “Dylan e Harrison se deram bem, e passaram a maior parte do tempo com Dylan cantando canções dos Beatles e George cantando canções de Dylan”.
A reportagem ainda avisava que o destino do material era desconhecido, e pouco dessas sessões apareceram oficialmente nos últimos 50 anos: um dos takes de “If Not for You” marcou presença no primeiro volume (triplo) das Bootleg Series, do começo dos anos 90. Outros dois números, “Working on a Guru” e “Time Passes Slowly”, apareceram em “The Bootleg Series Vol. 10 – Another Self Portrait” (2010). E só (ainda que alguns acreditem que a versão de “Sign on the Window” usada em “New Morning” seja dessa sessão com George não creditado). Dylan continuaria trabalhando no material antes mesmo do polêmico “Self Portrait” chegar às lojas em junho enquanto George iria levar “If Not for You” e uma parceria com Dylan, “I’d Have You Anytime”, para o álbum “All Things Must Pass“. Se nunca circulou oficialmente, o conteúdo das sessões ganhou dezenas de versões em bootlegs (ainda que 14 das 37 gravações tenham sido liberadas) e é facilmente encontrável na web transformando-se num item bastante interessante para fãs (de Dylan e dos Beatles).
julho 1, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 67: Woodstock 94
Bob Dylan com café, dia 67: Não é segredo que os produtores do primeiro Woodstock, em 1969, desejavam ardentemente a participação de Bob Dylan no festival. Porém, Dylan vivia uma fase tranquila e familiar na época (representada pelo álbum “New Morning”) e, desde o acidente de moto de 1966 (e o final antecipado e turbulento daquela turnê), evitava grandes audiências. Já em 1994, o cenário era outro. Visando festejar 25 anos do primeiro Woodstock, os organizadores foram atrás de Bob, que havia recuperado o olhar carinhoso da crítica com o excelente “Oh Mercy” (1989), mas sentia suas novas canções próprias tão frágeis que decidiu embarcar em uma série de discos de covers de countrys rurais (“Good as I Been to You”, de 1992, e “World Gone Wrong”, de 1993), ainda que o establisment pop começasse uma série de homenagens (as “The Bootleg Series” se iniciam em 1991 e o grande show “The 30th Anniversary Concert Celebration” é de 1993). Porém, feliz surpresa, Bob aceitou o convite da produção do Woodstock 1994, deu uma pausa na Never Ending Tour e preparou um show especial, que, das 12 canções, traz apenas duas músicas “recentes”: a abertura com “Jokerman” (do álbum “Infidels”, de 1983) e “God Knows” (de “Under the Red Sky”, de 1990).
Entre as outras 10 faixas, apenas clássicos sessentistas do quilate de “Just Like a Woman”, “Masters of War”, (uma versão lenta de) “It’s All Over Now (Baby Blue)”, “Rainy Day Women” e “Don’t Think Twice”, entre outras. A execução é boa, ainda que Bob, como de praxe, não exiba tanta paixão na execução. Aliás, nas três primeiras faixas, ele canta apressado, como se tivesse prestes a perder o último trem para o paraíso, mas depois e o show flui bem e agradavelmente. Registrada em diversos álbuns ao vivo de Dylan (de “Before The Flood” a “Live at Budokan”, de “Real Live” a “MTV Unplugged”), “All Along the Watchtower” surge novamente hendrixiana (Bob sempre disse que a versão de Jimi Hendrix, lançada seis meses após sua gravação original, era sua predileta e desde então toca a música no arranjo do guitarrista) num bom DVD que faz uma ponte interessante entre os demais registros ao vivo de Dylan, e que, devido ao sucesso da apresentação, abriu as portas para o “Unplugged MTV” em 1995. O homem (que nunca foi embora) estava de volta.
junho 27, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 66: Tom Petty
Bob Dylan com café, dia 66: Antes de decidir ignorar as turnês temáticas de álbum formando uma banda para uma Never Ending Tour em junho de 1988, Bob Dylan foi para o palco dezenas de vezes acompanhado pelos músicos mais variados e é possível encontrar facilmente bootlegs em vídeo de todas as suas turnês pós 74. A de 1986, que levou o nome de “True Confessions Tour”, tinha que banda de apoio Tom Petty & The Heartbreakers, e se os discos do período (“Empire Burlesque” / “Knocked Out Loaded”) mostravam um Dylan musicalmente completamente perdido, nos shows as coisas ainda funcionavam (dependendo da noite, dependendo do humor do homem).
Transmitido pela HBO em 20 de junho de 1986, o material que compõe o DVD “Hard to Handle” saiu de dois shows em Sidney (o quinto e sexto de seis shows naquela cidade em fevereiro de 1986), na primeira perna da turnê (Nova Zelândia, Austrália e Japão), e reduz o set de, em média, 30 canções (com direito a quatro números solo de Tom Petty e cerca de quase três horas de duração), para apenas 10 cavalos de batalha, hinos do quilate de “Just Like a Woman”, “Like a Rolling Stone”, “Ballad of a Thin Man”, “It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding)“, “Knockin’ on Heavens Door” e “Girl From The North Country”. O DVD é aberto com a cristã “In The Garden”, do álbum “Saved” (1980), e Dylan provoca: “Essa música é sobre o meu herói. Cada pessoa tem um herói e qual seria o herói de vocês? Mel Gibson? Michael Jackson? Bruce Springsteen?”.
Do material então recente Dylan saca “I’ll Remember You” e “When the Night Comes Falling from the Sky”, num poderosa versão com um coral soul de arrepiar. As imagens são básicas, mas o som é bom e dá uma perfeita ideia da evolução de Dylan no palco e comparação com os shows do DVD “The Other Side of The Mirror – Live at Newport 1963 / 1965”, da turnê “Hard Rain” (1976) e do vindouro “Woodstock 94”, o próximo café. A boa dica é ir atrás dos bootlegs oficializados dessa turnê, como “Across The Borderline, Austrália” ou “This Land Is Your Land: The Classic 1986 Buffalo, New York, 04 July” (os dois com 31 canções).
junho 18, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 65: Don’t Look Back
Bob Dylan com café, dia 65: 50 anos se passaram e “Don’t Look Back” continua sendo não só o melhor documentário sobre Bob Dylan, mas um dos melhores documentários de rock já feito em todos os tempos (para o British Film Institute, é um dos 10 documentários de rock essenciais na história). Lançado em 1967, “Don’t Look Back” traz o cineasta DA Pennebaker acompanhando Dylan na turnê britânica de maio de 1965, sua última turnê acústica antes da tempestade sônica que iria começar no Festival de Newport, em junho, e se alastrar por todos os lugares, culminando novamente em uma turnê inglesa (e no grito de “Judas” em Manchester, 1966). Ou seja, “Don’t Look Back” flagra Bob Dylan pré-celebridade pop, tendo que lidar com jornalistas despreparados (é famoso o trecho do filme em que ele desanca um repórter da Time Magazine) num meio musical que ainda carecia de profissionalismo (chega a soar cômico ver seu manager, Albert Grossman, tendo que improvisar em cima da hora teatros para os shows e aceitar cachês abaixo de valores de mercado). A cena de abertura do filme serviu como uma espécie de videoclipe (que se tornaria um clássico) para a música “Subterranean Homesick Blues”, na qual Bob exibe e descarta uma série de cartões contendo palavras e frases selecionadas das letras (incluindo erros intencionais e trocadilhos) com Allen Ginsberg fazendo uma aparição. Joan Baez também é vista no filme (numa situação que soa um rompimento do casal) além de Marianne Faithfull, Donovan e John Mayall, entre outros.
“Trata-se de um documentário sobre fama e como ela ameaça a arte. Também é sobre a imprensa e como ela categoriza, aprisiona, esteriliza, universaliza ou convencionaliza de maneira vaga um original com Dylan”, observou a crítica da Newsweek na época. “Muito poucas pessoas mudam o mundo”, pontou Joseph Baldassare, curador de uma exposição em Londres sobre o filme em 2016. “Para mim há antes de Elvis e depois de Elvis, antes de Cassius Clay e depois de Muhammad Ali, e antes de Bob Dylan e depois de Bob Dylan. Em ‘Don’t Look Back’, temos o raro ponto de vista de ver esse momento um pouco antes”, opina. “O filme é magnético”, classificou o Guardian. “Ao mesmo tempo em que apresenta trechos fascinantes de um músico tocando no auge de seus poderes, o drama fora do palco é igualmente cativante”, compara, e explica: “Chegando à Inglaterra, Dylan é todo polido e charmoso diante de um circo da mídia com a intenção de transformá-lo em algo fácil de entender. Mas à medida que a turnê caótica continua, ele se torna cada vez mais irritado e agressivo”, conclui. Documentário essencial, “Don’t Look Back” foi relançado em 2015 dentro da série The Criterion Collection numa versão 4K restaurada com trechos extras e muitos bônus em um segundo DVD com mais de uma hora de imagens inéditas.
junho 13, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 64: Minneapolis Tape 2
Bob Dylan com café, dia 64: Robert Allen Zimmerman nasceu em Duluth, Minnesota, em 24 de maio de 1941. Em 1947, os Zimmermans mudaram-se para um bairro de classe média na vizinha Hibbing, uma cidade de 16 mil habitantes a beira da maior mina de ferro a céu aberto do mundo. Na escola, Bob formou algumas bandas e, após a formatura do ensino médio em 1959, frequentou a Universidade de Minneapolis, onde encontrou uma cena boêmia florescendo na quadra conhecida como Dinkytown. Inspirado pela leitura da autobiografia de Woody Guthrie, “Bound for Glory”, Dylan abandonou a faculdade no primeiro ano e partiu para Chicago (já assistiu a “Inside Llewyn Davis”, filme de 2013 dos irmãos Coen?), depois Madison, no Wisconsin, antes de chegar ao Greenwich Village nova-iorquino num inverno frio e cheio de neve. A vinda para Nova York, no entanto, tinha como intuito principal uma visita ao doente Woody Guthrie, que estava internado em um hospital em Nova Jersey para tratar da coreia de Huntington, doença hereditária que causa a morte das células do cérebro (Guthrie iria morrer em 1967). Bob se aproximou de Guthrie e, também, da cena folk do Greenwich Village, e se fixa em Nova York em janeiro de 1961.
Durante o ano de 1961, porém, Bob visitaria a família em Hibbing algumas vezes, sempre passando por Minneapolis, onde encontrava Bonnie Beecher, uma garota que ele conheceu na faculdade (e que inspirou a canção “Girl from the North Country”). Numa dessas passagens, em maio de 1961, Bob teria se apresentado em um café, onde foi gravada uma fita caseira hoje conhecida como “The Minneapolis Party Tape”. Em novembro, Bob gravou nos estúdios da Columbia o repertório que iria compor seu álbum de estreia (que só sairia em março de 1962), e em dezembro (sete meses após a primeira sessão em Minneapolis), Bob estava de volta a Dinkytown, e uma segunda fita foi registrada, desta vez no apartamento de Bonnie – por isso conhecida como “The Minneapolis Hotel Tape”. A evolução musical de Bob entre a primeira fita (em maio) e a segunda (em dezembro) é imensa e intensa. Nesta sessão de final de ano, Bob está cantando muito melhor e dominando violão e gaita, incandescente num repertório de canções tradicionais que destacam o quarteto de covers de Woody Guthrie “VD Blues”, “VD Waltz”, “VD City” e “VD Gunner’s Blues”, cujo tema central é doença venérea (VD). Nesta edição bootleg autorizada via lei de direitos autorais do Reino Unido há, ainda, a inclusão de seis músicas de um show no Gaslisgh Café em setembro de 1961 – outro show, mas de 1962, será lançado pela Columbia em 2005 em parceria com o Starbucks – que traz algumas das primeiras composições autorais de Bob (“Man on The Street”, “Talking Bear Mountain Picnic Massacre Blues” e “Song to Woody”) em outro documento histórico. Imperdível.
junho 11, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 63: Speaks
Bob Dylan com café, dia 63: Alguns meses depois de sua polêmica apresentação elétrica no Newport Folk Festival 65 (em junho), do single “Like a Rolling Stone” bater no número 2 da Billboard (em julho) e do lançamento do álbum “Highway 61 Revisited” (em agosto), Bob Dylan participa de uma concorrida coletiva de imprensa em São Francisco (em dezembro) respondendo a perguntas de repórteres de três jornais, jornalistas da mídia local e convidados como Allen Ginsberg, o produtor Bill Graham, o crítico musical Robert Shelton, Eric Weil, o ator Claude Mann e o comediante Larry Hankin. Filmada pela KQED em 3 de dezembro de 1965 (e lançada na integra de seus 53 minutos em DVD pela Eagle Rock), “Dylan Speaks” é um dos documentos em vídeo mais legais sobre Bob Dylan acessíveis ao público.
Totalmente na defensiva, Bob Dylan se utiliza de evasivas, ironia e sarcasmo (sendo que, mais de 40 depois, possa se perceber a inocência como ingrediente decisivo no subtexto de cada resposta) para conduzir uma conversa que vai tomando forma dramática até que um repórter coloca o homem na parede: “Mr. Dylan (detalhe: Dylan tinha 24 anos!), o senhor parece relutante em falar sobre o fato de ser um artista popular?”. E Dylan rebate: “O que você quer que eu diga?”. E o repórter continua: “Não entendo porque você está relutante, parece que está constrangido (em explicar o que te faz popular)”. E Dylan faz um gracejo sarcástico / dramático, mas o repórter não desiste: “Você não faz ideia por que é popular?”. E Dylan parece, finalmente, soar tenso e tenta explicar: “Não lutei por isso. Aconteceu, como todo o resto. Foi um acontecimento, e você não determina um acontecimento”.
Esse é um dos grandes momentos, mas há vários, como quando ele responde a Ginsberg (“Eu não faria isso com você – se você estivesse aqui no centro das atenções” – risos) ou disfarça sobre o estilo que música que faz: “Não toco folk rock. Diria que faço música matemática, música de visão”… Em outra resposta que se tornou histórica, alguém questiona: “Você se considera um cantor de protesto ou um cantor de rock and roll?”. E Dylan se sai com essa: “Penso em mim como um homem que canta e dança”. Como observou o crítico do Guardian na época do lançamento deste DVD (2009), “o ‘real’ Bob Dylan provavelmente nunca será visto, mas essas entrevistas nos aproximam um pouco mais do homem”. Essencial (assista na integra abaixo).
junho 7, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 62: Newport
Bob Dylan com café, dia 62: Entre o lançamento de “The Freewheelin’ Bob Dylan” (o disco de 1963 que traz “Blowin’ in the Wind”, “Masters of War” e “A Hard Rain’s a-Gonna Fall”) e “Highway 61 Revisited” (com “Like a Rolling Stone”, “Ballad of a Thin Man” e “Desolation Row” em 1965) se passaram apenas dois anos, tempo que bastou para que Dylan enterrasse o cantor folk de protesto e se tornasse uma persona pop inigualável. Isso fica fácil de constatar ouvindo os sete primeiros discos do homem (incluindo também “Blonde on Blonde”, de 1966), mas também pode ser deliciosamente vislumbrado na tela através do DVD “The Other Side of The Mirror”, lançado em 2007 e que flagra Bob ao vivo no Newport Folk Festival nos anos de 1963, 1964 e 1965.
Produzido e dirigido por Murray Lerner, que já tinha usado várias imagens presentes aqui em “Festival” (1967), mas aproveitou para resgatar takes inéditos para esta produção, “The Other Side of The Mirror” é um daqueles documentos históricos que mereciam estar em um museu com todas as honrarias da Grande Arte. No lugar certo, na hora certa, Murray Lerner registra a primeira aparição de Dylan no festival de Newport, na tarde de 26 de julho de 1963. Ele parece tímido, está de calça jeans, camisa e explica cada canção que apresenta. Começa com “North Country Blues” e recebe Joan Baez para interpretar “With God On Our Side”. No set noturno, mostra uma versão poderosa de “Talkin’ World War III” e recebe The Freedom Singers, Joan Baez e Peter, Paul and Mary num coro de “Blowin’ In The Wind” diante de uma plateia imensa, a se perder de vista.
Em 1964, Bob já é uma estrela nacional. Introduzido por Pete Seeger, o cabelo está mais cheio e a jaqueta já denota uma mudança. Ele abre com “Mr. Tambourine Man” no set da tarde. Já à noite, vê Johnny Cash cantar “Don’t Think Twice, It’s All Right” e recebe Joan Baez para interpretar “It Ain’t Me Babe” antes de fechar com “Chimes of Freedom”. Assim que o set termina, o público exige que Bob volte ao palco, e o apresentador tem dificuldades para conter a audiência, um prenúncio que 1965 seria incontornável de qualquer forma, mas Dylan retorna pelo terceiro ano consecutivo com canções novas num set acústico durante a tarde, e surpreende ao adentrar à noite com uma banda eletrificada e ensurdecer a audiência com versões intensas de “Maggie’s Farm” e “Like a Rolling Stone” enquanto todo o festival o vaiava e o mesmo apresentador do ano anterior sofria para conter a ira do público. Bob retorna no bis para acalmar a audiência e mastiga cada silaba da letra de “It’s All Over Now, Baby Blue”, acústica para delírio dos presentes, porém, a história da música pop já havia sido reescrita naquela mesma noite e nunca mais seria a mesma.
junho 4, 2018 No Comments
O Google Maps de Bob Dylan
Para festejar os 72 anos de Bob, em 2013, o site Slate montou um mapa interativo com referências a trechos de dezenas de músicas de Dylan. O resultado você confere aqui. Dica boa do Dylanesco!
junho 2, 2018 No Comments