Dylan com café, dia 78: Shadows
O ano de 2015 foi aberto com um novo álbum de Bob, seu 36º disco, e muitos se surpreenderam com a escolha inusitada do artista em revisitar, com seu fio rarefeito de voz, o repertório de canções de amor e abandono interpretadas pelo vozeirão de Frank Sinatra na virada dos anos 1950 para os 1960. As pistas, porém, já vinham sido deixadas pelo caminho, do disco de covers natalinas de 2009 (“Christmas in the Heart”) a integra enfim reeditada das Basement Tapes em 2014, oficializando também dezenas de covers das sessões no porão da Big Pink com a The Band em 1967. Isso sem contar que em todas as entrevistas no novo século, Dylan sempre afirmava que só ouvia “música antiga” (muitas delas recriadas e transformadas em “novas” nos discos “Modern Times” e “Love and Theft”, um titulo apropriado), mas regravar Frank Sinatra era o tipo de ousadia inesperada que surpreendeu a todos.
Gravando ao vivo em dois, máximo de três takes com sua banda no mesmo estúdio em que Sinatra registrou a maioria dessas canções (o Studio B da Capitol Records, no coração de Hollywood), Dylan registrou 23 canções, das quais 10 foram selecionadas para o álbum “Shadows In The Night” que, segundo Bob, visava retirar essas canções da sepultura e traze-las a vida novamente. Segundo o engenheiro de som Al Schmitt, Bob chegava ao estúdio com a banda, e ouvia a canção que iria regravar várias vezes até descobrir a maneira de fazer com que a canção soasse… nova. O resultado final é um álbum bonito que “mesmo quando vacila, mantém seu humor singular: apaixonado, assombrado, suspenso entre um presente inconsolável e todos os arrependimentos do passado”, segundo definição de Jon Pareles no New Tork Times. O crítico David Fricke, da Rolling Stone, achou o disco “noir” enquanto Stephen M. Deusner, no Pitchfork, escreveu que “o canto de Dylan é persuasivo sem ser excessivamente reverente”.
No Scream & Yell, Gabriel Innocentini definiu: “Esse é o mais recente exemplo de que ele é um dos artistas mais autoconscientes a surgir no universo popular”. Pessoalmente, acredito que é um disco bonito que, porém, tende a ser esquecido rapidamente, funcionando mais como um exercício de lembrança momentânea que o próprio tempo se encarrega de eclipsar – não a toa, na época do lançamento do disco em 2015, entre cinco e sete canções entraram no set list da Never Ending Tour (em meio a “Blowin’ in the Wind”, “Love Sick” e “Tangled Up in Blue”), sendo que hoje, três anos depois (e mais quatro discos de covers depois, temas dos próximos cafés) um ou outra aparece tímida no set – importante ressaltar que Bob manteve um belo registro vocal ao vivo, ainda que mais para Tom Waits que para Sinatra (como você pode ouvir no bootleg abaixo). Ainda assim, sucesso de vendas (número 7 na Billboard e 1 na parada inglesa transformando Dylan no campeão de vendas mais velho a alcançar o topo), “Shadows In The Night” era apenas a ponta do iceberg. Calma que vem mais…
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