Posts from — agosto 2018
Dylan com café, dia 81: The Gaslight
Bob Dylan com Café, dia 81: O acervo de raridades de Dylan é imenso, e ainda que as Bootleg Series tenham dado vazão a uma enorme quantidade de material antes só encontrado no mercado de piratarias (e a versão com 18 CDs do volume 12, “The Cutting Edge 1965–1966”, talvez seja o maior exemplo), muita coisa ainda não foi oficializada pela Columbia Records, principalmente o que diz respeito à fase inicial de Bob. Entre os álbuns piratas mais famosos desse período estão as “The Minnesota Hotel Tapes 1 e 2” e “Live Finjan Club, Montreal 62” (estes três CDs circulam “oficialmente piratas” devido a lei de direitos autorais do Reino Unido) além de uma série de três fitas gravadas no Gaslight Café, no Greenwich Village, entre setembro de 1961 e outubro de 1962.
Deste último, o primeiro bootleg veio à tona em 1973 com 17 canções das sessões de 1962 (a sessão de 1961 é facilmente encontrada hoje em dia, inclusive engordando como extra uma versão em CD das “The Minnesota Hotel Tapes”). Em 2005, a Columbia Records pinçou 10 faixas das 17 das sessões de 1962 para oficializar neste “Live at The Gaslight 1962”, lançado numa parceria da gravadora com a rede de cafés Starbucks – uma 11ª, “No More Auction Block”, apareceu em “The Bootleg Series Volumes 1–3”, então seis permanecem inéditas (entre elas, versões para “Kindhearted Woman Blues”, de Robert Johnson, “Ain’t No More Cane”, de Leadbelly, e “See That My Grave’s Kept Clean”, de Blind Lemon Jefferson).
Das 10 que aparecem neste CD, três são faixas autorais da fase inicial de Dylan, sendo que duas delas apareceriam em “Freewheelin”, de 1963 (os clássicos “A Hard Rain’s A-Gonna Fall” e “Don’t Think Twice, It’s All Right”, tocados com paixão e crueza adolescente) e a terceira, “John Brown”, só seria oficializada no “MTv Unplugged” (1995). As outras sete são canções tradicionais como “Cocaine Blues” (1929), “Rocks and Gravel” (adaptação de Dylan para “Solid Road”, de Brownie McGhee, e “Alabama Woman”, de Leroy Carr, num arranjo que combina as duas músicas em uma só), “Barbara Allen” (canção folclórica escocesa de 1665!) e “The Cuckoo” (originalmente gravada por Clarence Ashley em 1920), entre outras. Uma pepita de ouro e de história.
agosto 29, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 80: Fallen Angels
Aproveitando para dar uma pausa nos discos de material autoral (algo semelhante ao que fez no começo dos 90 com a dobradinha “Good as I Been to You”, de 1992, e “World Gone Wrong”, de 1993), Bob entrou com sua banda em estúdio em 2014 e registrou 23 canções de outros autores, a grande maioria delas gravada por Frank Sinatra na virada dos 50 para os 60, pinçando 10 delas para o seu novo álbum. “Shadows of Night” (2015), o disco em questão, foi o oitavo lançamento (em 36) de Bob a bater no número 1 da parada britânica (um feito que grandes álbuns como “Blonde on Blonde”, “Blood On The Tracks”, “Oh Mercy” e “Time Out of Mind” não alcançaram), posicionando-se ainda em sétimo no ranking da Billboard. Se ele havia tirado 10 de 23 para o álbum, restavam 13 no HD da gravadora, certo? O natural seria seguir o embalo e prensar essas “sobras” no acetato e lançar como um disco novo, mas ninguém pode chamar Dylan de preguiçoso, porque ele voltou ao estúdio durante 2015 e 2016 para registrar, novamente, uma leva de 12 canções, 11 delas gravadas por Sinatra (a única exceção: “Skylark”), para seu 37º disco, “Fallen Angels” (2016), lançado 13 meses depois de “Shadows of Night”.
A rigor, Bob (que assina novamente a produção do álbum com o codinome Jack Frost) enxugou o set up de gravação eliminando metais (trombone e trompete, mas mantendo a trompa) do disco anterior e concentrando-se na banda que o acompanha religiosamente na estrada (Charlie Sexton e Stu Kimball nas guitarras, Donnie Herron na steel guitar e na viola, Tony Garnier no baixo, George Recile na bateria) com o acréscimo especial de um terceiro guitarrista, Dean Parks. E só. A “mudança”, porém, como era de se esperar, não afeta o clima suave do disco, “uma espécie de livro de memórias sentimental” (como descreveu o crítico da revista Mojo), que soa uma sequencia direta do anterior. Ou seja, quem gostou de “Shadows”, ganhou “Fallen Angels”. Quem não gostou, teve uma segunda chance de revisão, com “Melancholy Mood”, “Young at Heart”, “It Had To Be You” e “On a Little Street in Singapore” colocando esse álbum em discreta vantagem, ainda que ambos soem um delicado passatempo nostálgico.
agosto 27, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 79: Cutting Edge
Dentro do processo de “auto-pirateação” proposto pela série Bootleg de Bob Dylan (iniciada em 1991 com o primeiro lançamento triplo), este volume 12 é, provavelmente, o ponto mais alto de qualidade, não só porque cobre um dos principais momentos da carreira de Bob (o período de 65/66 em que ele abandona o gueto folk e se transforma em um grande pop star devido a tríade mágica de álbuns “Bringing It All Back Home”, “Highway 61 Revisited” e “Blonde on Blonde”), mas porque a liberação do material deste período foi praticamente completa, permitindo um mergulho aprofundado nas ideias musicas de Dylan nesses longos dois anos revolucionários.
Lançado em novembro de 2015, “The Bootleg Series Vol. 12: The Cutting Edge 1965–1966” foi apresentado em três versões: a mais simples era o tradicional CD duplo da série com 36 takes alternativos de clássicos como “Just Like a Woman”, “Desolation Row” e “Subterranean Homesick Blues” somando 145 minutos numa edição “best of” do box; a versão Deluxe compilava seis CDs num mergulho mais aprofundado sobre a gravação de diversas faixas do período (o CD 3, por exemplo, praticamente decupa toda a gravação de “Like a Rolling Stone” em 20 faixas); e, por fim, uma sonhada Collector’s Edition trazia em 18 CDs e 9 compactos de 7 polegadas praticamente todo o material gravado por Dylan no período somando quase 20 horas de gravações (vendido a 600 dólares na época do lançamento, essa caixa limitada e numerada – abaixo – hoje em dia pode ser encontrada entre R$ 4 mil e R$ 10 mil).
Via de regra, as críticas reforçam que o volume duplo mais simples compila os melhores momentos dos 18 CDs (a curiosidade mais interessante dos 20 tracks de “Like a Rolling Stone”, por exemplo, está presente no CD duplo, um fragmento em arranjo de valsa que mudou o rumo da gravação), mas o box sêxtuplo traz itens interessantes para fãs principalmente no CD 2 (com variações de “It Takes a Lot to Laugh, It Takes a Train to Cry”) e no CD 5 (com takes de “Visions of Johanna”, “She’s Your Lover Now” e “Leopard-Skin Pill-Box Hat”). Ou seja, a versão dupla funciona realmente como um Best Of dos dois boxes seguintes, mais indicados para fãs e completistas. Porém, ouça com atenção essa versão dupla, pois ela aprofunda o olhar de maneira muitas vezes poética sobre vários clássicos do período mais fértil da carreira de Dylan. Para mim, um dos pontos mais altos das “Bootleg Series”.
agosto 23, 2018 No Comments
10 discos favoritos em 10 dias: Dia 9
O pequeno Martín só chega em dezembro, mas já começou a mudar não só a rotina da casa, como também a própria casa. Na busca por criar um ambiente especial para ele, mudamos o toca-discos que ficava no “quartinho” (que será dele) para a sala, e isso alterou radicalmente a rotina de ouvir música em casa, pois o vinil voltou a ser inserido no dia-a-dia (Lili agora chega à noite, deita no sofá com Martín na barriga e fica ouvindo discos), já que antes, com o toca-discos no quarto, eventualmente ouvíamos vinil lá (eu sempre mantive um toca-discos fuleiro – tipo Crosley – do lado do computador pra ouvir algum material que chega ou matar a saudade de algo que não se encontra na rede). Dai que nesse exercício de escolher 10 discos favoritos (atendendo a um convite do Otávio), eu quis fugir dos discos óbvios evitando falar, mais uma vez, de The Clash, Echo and The Bunnymen, R.E.M., Pixies e Wilco, por exemplo, e centrando foco em discos e artistas que eu amo, mas que na maioria das vezes não tem o devido respeito que merecem.
Como é o caso do grupo carioca João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, que lançou cinco discos fenomenais nos anos 80 (que, juntos, devem ter vendido quase 1 milhão de cópias), cravou no mínimo uns 10 grandes hits em rádios nacionais (e em novelas da Globo), mas tem quase nada de sua discografia encontrável em streaming, o formato “da moda” (apenas a coleta “Hot 20”, lançada em 2000, encontra-se online, sendo que das 20 músicas, só 12 estão disponíveis). O disco de estreia deles, “Os Maiores Sucessos de João Penca & Seus Miquinhos Amestrados”, foi lançado em 1983 pela RCA e vendeu 100 mil cópias no embalo do sucesso da paródia “Calúnias (Telma Eu Não Sou Gay)”, cantada no álbum por Ney Matogrosso.
Eles entraram na minha vida, porém, com o segundo álbum, “Okay My Gay” (1986), que traz um caminhão de hits (“Popstar”, “Lágrimas de Crocodilo”, “Romance em Alto Mar” e “Universotário”, que traz Lulu Santos, um Miquinho eventual, na guitarra solo) e outras faixas que mereciam ter sido (a versão de “Heartbreak Hotel”, vertida para “Cachet”, e a atualização da jovemguardiana “Festa de Arromba” para “Lual de Arromba” é um achado: “E de sarongue, Gretchen botava lenha na fogueira / Não dava bola pro Lobão falando pelos cotovelos… a noite inteira”). E ainda tem “Escrava Sexual” e “Menino Prodígio”. Esse álbum vendeu 250 mil cópias no ano do Cruzado.
“Além da Alienação” (1988), o terceiro álbum, é meu menos favorito deles, e mesmo assim muitas faixas ecoaram no meu quartinho em Taubaté, principalmente “A Louca do Humaitá”, o single “Banana Split” e “Jazz Jazz”. Dai surge meu álbum favorito deles, “Sucessos do Inconsciente”, que cravou nas rádios “Matinê no Rian” (com participação de Paula Toller) e, principalmente, “S.O.S. Miquinhos”, um “merdley” que sacaneava praticamente toda a Jovem Guarda, mas na parada de casa foi praticamente o disco todo número 1: “Menino Justiceiro”, “Larga Meu Pé”, “A Surra”, “O Par”, “O Velho Tubarão”, “Johnny Pirou” e “Cozinho de Noite” estão mais no meu inconsciente do que muitos hits massivos daquele final de década.
O disco derradeiro, “Cem Anos de Rock’n Roll” (1990), repetiu o êxito dos álbuns anteriores (com os hits: “Papa Umama”, “Suga Suga”, “Esse Meu Cabelo Rock”) e inclui mais algumas faixas no meu “the best” pessoal da banda (“Ma Beibe, Beibe” e “O Bom e Velho Rock and Roll”). Passei a década final do século passado indo e voltando aos discos do Miquinhos, e quando o novo século surgiu, tratei de gravar um CDR com mais 25 músicas que não estavam na coletânea “Hot 20” (lançada em 2000) para deixar a mão quando a saudade batesse. Curiosamente, nunca os vi ao vivo (uma resenha antiga na revista Bizz era só elogios). A banda ficou inativa quase todos os anos 90 e voltou para shows esporádicos em 2007, pendurando a chuteira logo na sequencia. Porém, ainda hoje eles soam rockabilly, doo-wop e surf music para ouvir, dançar e se divertir (e os vinis são bem encontráveis por ai! Procure!).
agosto 22, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 78: Shadows
O ano de 2015 foi aberto com um novo álbum de Bob, seu 36º disco, e muitos se surpreenderam com a escolha inusitada do artista em revisitar, com seu fio rarefeito de voz, o repertório de canções de amor e abandono interpretadas pelo vozeirão de Frank Sinatra na virada dos anos 1950 para os 1960. As pistas, porém, já vinham sido deixadas pelo caminho, do disco de covers natalinas de 2009 (“Christmas in the Heart”) a integra enfim reeditada das Basement Tapes em 2014, oficializando também dezenas de covers das sessões no porão da Big Pink com a The Band em 1967. Isso sem contar que em todas as entrevistas no novo século, Dylan sempre afirmava que só ouvia “música antiga” (muitas delas recriadas e transformadas em “novas” nos discos “Modern Times” e “Love and Theft”, um titulo apropriado), mas regravar Frank Sinatra era o tipo de ousadia inesperada que surpreendeu a todos.
Gravando ao vivo em dois, máximo de três takes com sua banda no mesmo estúdio em que Sinatra registrou a maioria dessas canções (o Studio B da Capitol Records, no coração de Hollywood), Dylan registrou 23 canções, das quais 10 foram selecionadas para o álbum “Shadows In The Night” que, segundo Bob, visava retirar essas canções da sepultura e traze-las a vida novamente. Segundo o engenheiro de som Al Schmitt, Bob chegava ao estúdio com a banda, e ouvia a canção que iria regravar várias vezes até descobrir a maneira de fazer com que a canção soasse… nova. O resultado final é um álbum bonito que “mesmo quando vacila, mantém seu humor singular: apaixonado, assombrado, suspenso entre um presente inconsolável e todos os arrependimentos do passado”, segundo definição de Jon Pareles no New Tork Times. O crítico David Fricke, da Rolling Stone, achou o disco “noir” enquanto Stephen M. Deusner, no Pitchfork, escreveu que “o canto de Dylan é persuasivo sem ser excessivamente reverente”.
No Scream & Yell, Gabriel Innocentini definiu: “Esse é o mais recente exemplo de que ele é um dos artistas mais autoconscientes a surgir no universo popular”. Pessoalmente, acredito que é um disco bonito que, porém, tende a ser esquecido rapidamente, funcionando mais como um exercício de lembrança momentânea que o próprio tempo se encarrega de eclipsar – não a toa, na época do lançamento do disco em 2015, entre cinco e sete canções entraram no set list da Never Ending Tour (em meio a “Blowin’ in the Wind”, “Love Sick” e “Tangled Up in Blue”), sendo que hoje, três anos depois (e mais quatro discos de covers depois, temas dos próximos cafés) um ou outra aparece tímida no set – importante ressaltar que Bob manteve um belo registro vocal ao vivo, ainda que mais para Tom Waits que para Sinatra (como você pode ouvir no bootleg abaixo). Ainda assim, sucesso de vendas (número 7 na Billboard e 1 na parada inglesa transformando Dylan no campeão de vendas mais velho a alcançar o topo), “Shadows In The Night” era apenas a ponta do iceberg. Calma que vem mais…
agosto 21, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 77: Basement Complete
Sempre pairou uma magia mística sobre as “Basement Tapes”, as fitas gravadas das sessões de Bob Dylan na companhia da The Band tocando no porão de uma casa rosa entre junho e outubro de 1967, um ano após Bob sofrer um acidente de moto e tirar férias das turnês até 1974. O primeiro a desdizer essa mística foi o próprio Robbie Robertson: “As sessões foram feitas com bom humor. Era algo entre o ultrajante e o cômico. Foi um tanto irritante quando as músicas começaram a ser pirateadas. Lançamos o disco (em 1975) na base do ‘já que estão documentando isso, que seja em boa qualidade’”. Do outro lado, o crítico Greil Marcus dizia que “certas linhagens fundamentais da linguagem cultural americana foram resgatadas e reinventadas” naquelas sessões. Hummm.
Veja bem, o material era de qualidade tão duvidosa que ao selecionar canções para o álbum duplo lançado em 1975, Robbie incluiu oito canções da The Band entre as 24 faixas, quatro delas nem gravadas no porão da Big Pink, para tentar levantar a qualidade do álbum. Em seu texto na The New Yorker em 1999, Alex Ross dava a real: “Dylan estava farto do papel de messias e produziu dezenas de números dolorosos da velha escola (no porão da Big Pink)”. Dúvidas? Em novembro de 2014, dentro das Bootleg Series, a Columbia Records enfim liberou a integra das sessões totalizando 138 músicas divididas em seis CDs, e como bem definiu a crítica de Sasha Frere-Jones na The New Yorker, “para cada momento de revelação há cinco descartáveis”.
Ou seja, é possível dizer que existem no máximo uns 25 números que realmente interessam neste compêndio, o que lança luz muito mais sobre os exageros da crítica da época do que, necessariamente, sobre o próprio material, já que Dylan & The Band não o estavam gravando com a finalidade de lança-lo, e sim de registrar demos para serem oferecidas a outros artistas e se divertirem destroçando clássicos do rock e do folk (de John Lee Hooker a Johnny Cash, de Hank Williams e Pete Seeger a Curtis Mayfield). Observado e ouvido com distanciamento, “The Bootleg Series Vol. 11: The Basement Tapes Complete” é um passatempo interessante (principalmente para Dylan e a The Band). Criticamente não deve nem ser levado em consideração, pois não exibe um milésimo da genialidade pré (“Bringing It All Back Home”, “Highway 61 Revisited” e “Blonde on Blonde”) e pós (“Blood on The Tracks”) “Basement Tapes”. São alguns grandes músicos se divertindo num porão. E só. Divirta-se também, mas sem exageros (de preferência seguindo esse faixa a faixa esclarecedor publicado no site oficial de Dylan em 2014).
agosto 20, 2018 No Comments
10 discos favoritos em 10 dias: Dia 8
Quando o Scream & Yell surgiu online, no segundo semestre de 2000, eu ouvia alt country no café da manhã, no almoço e no jantar, muito por “Being There” (1996) e “Summerteeth” (1999), que eu tinha “descoberto” juntos no final do século. Comecei a ir atrás de outras coisas, e logo cheguei primeiro ao bonito “Strangers Almanac” (1997) e depois a “Faithless Street” (1995), os dois discos de estúdio do Whiskeytown, e consequentemente ao maravilhoso “Heartbreaker” (2000), estreia solo de Ryan Adams, que seria um dos grandes nomes de 2001 com o álbum “Gold”. Quando “Love is Hell” (2004) voltou a me fazer prestar atenção em Ryan Adams, junto a ele veio este “Pneumonia”, e fiquei “doente” novamente. Gravado em uma antiga igreja em Woodstock convertida em estúdio (o Dreamland) em 1999 por Ethan Johns (filho da lenda Glyn Johns, que ainda produziria os dois primeiros solos de Ryan), “Pneumonia” foi engavetado assim que a gravadora Outpost Records deixou de existir em meio à fusão das majors Polygram e Universal. Após dois discos elogiados, mas de vendagem tímida, o Whiskeytown queria fugir do gueto alt country produzindo um disco duplo de pop songs clássicas que os distanciasse da combinação Uncle Tupelo + Replacements (principalmente do disco de estreia). Com Ryan Adams no piano, a entrada do multi-instrumentista Mike Daly na banda (que divide 7 das 15 canções do álbum com Ryan) e participações de James Iha (Smashing Pumpkins) e Tommy Stinson (Replacements), “Pneumonia” flagra um Whiskeytown já despedaçado (só dois integrantes da formação original permaneceram após a malfadada turnê de divulgação de “Strangers Almanac”: Ryan e Caitlin Cary) que começava a abrir caminho para a carreira solo de Adams num disco pungente e melancólico cujo titulo buscava algo que simbolizasse se apaixonar e sucumbir ao amor. Lançado em 2001 (a banda havia terminado em 1999) como uma esquenta (que passou meio batido) para o segundo solo de Ryan, o platinado “Gold”, este “Pneumonia” merecia sorte melhor, mas resiste brilhantemente à passagem do tempo com faixas bonitas como “Don’t Be Sad”, “Crazy About You”, “Mirror Mirror”, “Don’t Wanna Know Why”, a havaiana “Paper Moon” e a baladaça “What the Devil Wanted” partindo corações.
agosto 19, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 76: World Tours
O mundo das biografias não autorizadas populares é, na maioria dos casos, um ambiente de extrema pilantragem e canalhice em que um determinado autor reúne algumas entrevistas “bombásticas” de dois tipos de pessoas: gente que no máximo cruzou a mesma rua que o biografado, quando muito, e familiares e amigos que entram nessa pelo dinheiro, afinal, se o biografado é rico e famoso, qual o problema de se ganhar alguns trocados nas costas dele, não é mesmo.
Este “Bob Dylan – World Tours 1966/1974” (2005) também é pilantragem, mas é diferente das outras porque parece feito de coração. É sério. O diretor Joel Gilbert se vangloria de ter a melhor banda cover de Bob Dylan do mundo, a Highway 61 Revisited, e centrou o foco de seu documentário no fotógrafo Barry Feinstein, que acompanhou Dylan em seu início de carreira e em suas duas maiores turnês mundiais, além de ser responsável por fotos clássicas tais como todas deste post além das capas dos álbuns “Freewheelin” (1962), “The Times They Are A Changin‘” (1963) e “No Direction Home”, trilha sonora do documentário de Martin Scorsese.
Como já comentando por aqui, a famosa turnê de Bob Dylan em 1966 (que culminou no grito de “Judas” vindo da plateia durante um show em Manchester, na Inglaterra, flagrado no álbum “The Bootleg Series – Volume 4: Live 1966 The Royal Albert Hall Concert”, lançado em 1998) o trazia pela primeira vez alternando um set acústico, para deleite dos antigos fãs, com um barulhento set elétrico (acompanhado pela futura The Band), uma heresia que deixava algumas pessoas tão transtornadas que princípios de confusão sempre aconteciam nessa parte da apresentação. A turnê terminou abruptamente após um acidente de moto de Dylan, e, traumatizado, ele aproveitou para tirar 8 anos de férias das turnês, só retornando em 1974.
Buscando mapear esse período, “Bob Dylan – World Tours 1966/1974” traz entrevistas com o cineasta D. A. Pennebaker (diretor do obrigatório “Don’t Look Back”, documentário oficial da turnê de 1966), do jornalista Al Aronowitz (que apresentou Dylan aos Beatles), e de A. J. Weberman, o cara que remexia o lixo de Dylan nos anos 70, foi processado pelo músico, e está criando um dicionário para se entender Bob Dylan. No fim das contas, vale pelas excelentes fotos de Barry Feinstein, pela cara-de-pau de Joel Gilbert e por trechos impagáveis, como a reconstituição do (suposto) acidente de moto que afastou Dylan das turnês e da mídia em 1966.
agosto 16, 2018 No Comments
10 discos favoritos em 10 dias: Dia 7
Acho que os portugueses do Deolinda foram a minha última paixão musical avassaladora. A primeira vez que ouvir falar deles foi quando o amigo e jornalista lisboeta Pedro Salgado resenhou o show que o grupo fez em 2011 no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para o Scream & Yell. Ler a emoção do Pedro presenciando este concerto de 25 canções, que seria lançado numa versão luxuosa em CD duplo e DVD (no centro da foto), me fez ir atrás do som desses tugas. Comecei a pesquisar mais e quanto mais lia, mais me apaixonava por essa banda que havia surgido nos intensos anos de crise econômica portuguesa, e que tinha algumas de suas músicas entoadas por manifestantes em passeatas contra o governo (notadamente os hinos “Um Contra o Outro” com seu refrão instigante – “Sai de casa e vem comigo para a rua” – e, principalmente, “Movimento Perpetuo Associativo” além de “Parva Que Sou”, inédita presente no disco ao vivo).
A popissima “Mal por Mal”, que abre o disco de estreia (“Canção ao Lado”, de 2008) virou o primeiro hit deles em casa, e depois vieram “Fon Fon Fon”, “Movimento” e a maravilhosa “Garçonete na Casa de Fado” (um dos grandes momentos das duas passagens deles pelo Brasil, São Paulo em 2013, Rio em 2016) mais algumas pérolas do segundo disco, “Dois Selos e Um Carimbo” (2010), notadamente mais “português” (e basta ouvir a hilária “A Problemática Colocação de um Mastro” para entender). Por volta dessa época (2011/2012) eu já tinha criado um elo de ligação pessoal entre uma das bandas que mais amo no Brasil, o Pato Fu, com o Deolinda, duas bandas com compositores letristas brilhantes (Pedro da Silva Martins e John Ulhoa) que escrevem letras com sacadas humoradas geniais que encontraram em duas mulheres poderosas a melhor maneira de passar a mensagem (Ana Bacalhau e Fernanda Takai).
Os discos seguintes do Deolinda, aguardados da mesma maneira que eu aguardava um disco novo da Legião nos anos 80, apenas corroboraram a genialidade do quarteto: “Mundo Pequenino” (2013) é um disco menos tuga e mais mundial, e traz consigo talvez as melhores letras da banda: “Concordância” (“Sou um sujeito, procuro um verbo e um bom complemento direto / Quero frases afirmativas e não viver em voz passiva”, crava Ana no refrão), “Gente Torta”, as brilhantes “Há de Passar” (“Tenho vontade de dizer aquilo que penso, mas tenho medo / Tenho vontade de exigir o que mereço, mas nem me atrevo”), os hits “Musiquinha” e “Seja Agora”, as divertidas “Doidos” (se Lou Reed tivesse gravado “Goodnight Ladies” em Sintra ela soaria assim) e “Semáforo da João XXI” (que narra o romance inevitável entre uma garota que ouvia Bach e um garoto que ouvia The Clash) e, minha favorita, “Pois Foi” (e vale assistir ao vídeo que o Bruno Capelas fez do show em São Paulo para sacar a beleza da letra e da interpretação de Ana – assim como ler a entrevista que ele fez com a banda em 2013).
No disco seguinte, a banda pisou no freio, e lançou o seu “Daqui pro Futuro” (o disco de 2007 do Pato Fu, e não impressiona a coincidência das duas vocalistas estarem gestando um bebê durante as gravações), o delicado “Outras Histórias” (2016), que me cativou ainda mais (e ganhou uma posterior edição deluxe dupla) tornando-os um dos cinco artistas que mais ouvi nos últimos cinco anos, segundo minha LastFM (à frente deles apenas Manics, Bruce Springsteen, Wilco e Dylan) e meu disco favorito deles hoje em dia. Em 2017, após 10 anos de atividades, o grupo anunciou uma pausa na carreira. Ana Bacalhau saiu em carreira solo e os outros músicos se envolveram em outros projetos. E enquanto eles não voltam, você tem tempo de se apaixonar por estes quatro discos… como eu me apaixonei sete anos atrás. Arrisque.
agosto 16, 2018 No Comments
25 discos 2018 da APCA e 10 meus
O jornalista Pedro Antunes divulgou em sua coluna no Estadão, hoje, a lista dos 25 discos do primeiro semestre de 2018 para os votantes da cadeira de música popular da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Assim como no ano passado, a votação da APCA em Música será dividida em duas fases: na primeira, os votantes Alexandre Matias, José Norberto Flesch, Lucas Brêda, Marcelo Costa e Roberta Martinelli debatem e apontam os 25 discos do primeiro semestre. Em novembro, o juri aponta os 25 discos do segundo semestre, e estes 50 vão para a reunião final que apontará o disco do ano na opinião dos críticos de música da associação – além de outras categorias como artista do ano, revelação, show e projeto especial, entre outros (confira os vencedores do ano passado).
Para a lista deste primeiro semestre foram selecionados pelos cinco votantes 109 álbuns relevantes na opinião dos jurados. Cada um dos cinco votou em 25 discos, e o primeiro corte da lista caiu para 40 álbuns. Dai em diante, através de muito debate, o juri chegou ao consenso dos 25 discos escolhidos pelo grupo no primeiro semestre (apresentados abaixo em ordem alfabética!). No total são 8 discos independentes (bancados pelos próprios artistas, e ai se inclui Cordel e Rashid, que são selos deles mesmos), dois de majors (um da Universal, outro da Warner), três de selos médios (Deck, SLAP e Som Livre) e vários selos independentes, com destaque para dois discos do Selo Risco, dois da EAEO e dois da YB. Confira!
E como a produção musical do primeiro semestre foi excelente, deixo abaixo 10 discos favoritos pessoais meus que merecem atenção (mesmo não estando na lista acima):
02. Duda Beat – Sinto Muito (Independente)
03. Lestics – Breu (Independente)
04. Manoel Magalhães – Consertos em Geral (Independente)
05. Marcelo Perdido – Brasa (Independente)
06. Maria Bacana – A vida boa… (Independente)
07. Moons – Thinking Out Loud (Balaclava Records)
08. Poty – Percepção (Independente)
09. Ronei Jorge – Entrevista (Independente)
10. Titãs – Doze Flores Amarelas (Universal)
agosto 10, 2018 2 Comments