Dylan com café, dia 34: Bootleg Series 1
Bob Dylan com café, dia 34: Em novembro de 1969, Greil Marcus, um dos maiores jornalistas de música de todos os tempos, escreveu um longo artigo de cinco páginas na revista Rolling Stone chamado “Bob Dylan: Breaking Down The Incomplete Discography”. No texto, Marcus lamentava que “em oito anos, Bob Dylan lançou apenas nove álbuns” (!) e listava uma longa série de bootlegs não autorizados que ampliavam o alcance do olhar sobre a obra do (então) jovem bardo. A Columbia sinalizou o desejo de combater algumas fontes de pirataria colocando nas lojas, de forma desajeitada, um volume duplo das “Basement Tapes” (1975) que deve ter feito muito pirateiro rir, já que o material lançado não cobria nem 1/5 do que circulava entre os fãs. O segundo passo da gravadora foi um pouco mais ousado: 21 faixas raras presentes no box “Biograph” (1985), que serviram para atiçar a curiosidade de muitos fãs, mas era apenas a ponta de um gigantesco iceberg: cada disco novo de Bob Dylan (desde os anos 60!) surgia “acompanhado” de um álbum duplo pirata, muitas vezes triplo, com as raridades presentes nas sessões de gravação, desde canções acabadas e inéditas que ficaram de fora do disco por algum motivo até versões embrionárias que seriam retrabalhadas a exaustão até o último minuto a que Bob tinha direito de mexer ou mudar algo.
Parte desse material começou a ser mostrado ao mundo em 1991 com esse box (a gravadora chegou a cogitar lançar 10 CDs, mas acabou diminuindo para quatro, e finalmente para três CDs – divididos em cinco vinis, seu segundo lançamento quíntuplo, e três cassetes) caprichado que trazia nada menos que 58 faixas raras, algumas delas nunca ouvidas nem pelos melhores pirateiros do mercado! Lançado em março de 1991, “The Bootleg Series – Volumes 1/3” era, até então, o mais completo panorama da obra de Bob lançado pela Columbia Records registrando de maneira oficial desde canções que Bob havia gravado antes do primeiro álbum, em 1961, até o magnifico “Oh Mercy”, de 1989, aqui representado pela sobra “Series of Dreams”, uma faixa “fantástica e turbulenta”, segundo o produtor Daniel Lanois, que a queria no disco, “mas a palavra final era dele (Dylan)”. Tal qual ela há cinco pepitas de ouro do álbum “Infidels”, incluindo a velvetiana versão inicial de “Tight Connection To My Heart” (aqui listada como “Someone’s Got a Hold of My Heart”) e as sensacionais “Tell Me”, “Foot of Pride” e, principalmente, “Blind Willie McTell”, que fizeram o biografo Brian Hilton lamentar que Bob não tenha feito deste disco um álbum duplo (“Teria rivalizado com ‘Blonde on Blonde’”, acredita) e muitos momentos geniais que validam a máxima de que as “sobras” de Bob Dylan são melhores do que grande parte dos álbuns oficiais “dos outros”. Não é exagero.
Das 58 raridades, 25 são do período que vai de 1961 a 1963, desenhando um Dylan muito mais completo e complexo. Por exemplo, o material final escolhido para os dois primeiros discos – “Bob Dylan” (1962) e “The Freewheelin’ Bob Dylan” (1963) – era muito mais leve, com requintes de humor, enquanto o que ficou de fora exibe traços de amargura, raiva e frustração. Basta comparar a sarcástica e bem humorada “Talking New York”, gravada em novembro de 1961 e presente no disco de estreia, com a amarga e hostil “Hard Times in New York Town”, registrada em um quarto de hotel em dezembro de 1961, e inédita até 1991. “Subterranean Homesick Blues” surge numa versão demo acústica deliciosa, que serviu como guia para a banda eletrificada soltar os cachorros no arranjo. Outra guia comovente é a de “Like a Rolling Stone”, tocada por Bob em andamento de valsa para climatizar os músicos na sua grande criação. Há mais: da demo de “If Not For You”, do álbum “New Morning”, com George Harrison na guitarra (ele depois regravaria a canção no clássico “All Things Must Pass”, de 1970) a quatro lendários takes nova-iorquinos da obra prima “Blood on the Tracks” (1975) até uma pérola desconhecida das sessões do álbum (evangélico) “Shot of Love” (1981) chamada “Angelina”. Com cerca de quatro horas de duração, “The Bootleg Series – Volumes 1/3” merece atenção, dedicação e respeito. Mas, como descobriríamos futuramente, ainda é só a ponta do iceberg – só para se ter uma ideia, a versão pirata “The Genuine Bootleg Series” (dividida em quatro volumes de fácil acesso no Youtube – ou aqui: 1, 2, 3, 4) soma quase 10 horas de raridades. Mergulhe!
março 30, 2018 No Comments