Na rota dos vinhos na Argentina (parte 6)
Na segunda semana do tour 2017 por Mendoza, deixamos o bom Wine Aparts, hospedagem mais simples no centro da cidade, após quatro dias práticos e partimos para dois dias de Club Tapiz Hotel Restô, que fica em Maipú, dentro de uma das vinícolas da Tapiz – eu havia visitado o local no tour de 2014 e me apaixonado. Era segunda-feira, 01 de maio, e a grande maioria das vinícolas estaria fechada devido ao feriado do dia do trabalho, então relaxamos e fizemos o check-in tranquilamente, desfizemos as malas, comemos algumas empanadas da cozinha do restaurante e descansamos antes de visitar a única vinícola que conseguimos agendar no dia, a Trapiche.
Maior exportadora de vinho argentino, a Bodega Trapiche está localizada em Maipú em um prédio antigo, datado de 1912. Pedimos um taxi e duas retas e 13 quilômetros depois, ei-la. O tour foi agradável e, ao final, provamos um Trapiche Fond de Cave Sauvingnon Blanc 2016, um Costa & Pampa Pinot Noir 2014 e, mais interessante do trio, um Medalla Blend 2013. Foi legal conhecer o prédio e a história da vinícola, mas a sensação é de que a gente ainda não tinha enfiado o pé na jaca… ou melhor, nas uvas, não havia sentido a verdadeira Mendoza, e, já de volta ao Club Tapiz, fomos surpreendidos com o aviso de que toda noite há uma degustação orientada dos vinhos da casa para os hospedes. Partiu.
No bonito salão do hotel, o sommelier Alejandro conduziu uma degustação que mais pareceu um agradável bate papo. Éramos dois brasileiros (eu e Lili), dois holandeses e dois argentinos (de Buenos Aires), e Alejandro ficava alternando o foco buscando saber um pouco sobre cada um na mesa enquanto nos alternávamos entre um agradável Tapiz Torrontes e um ótimo Tapiz Malbec 2013 (o maravilhoso Tapiz Black Tears, uma das minhas paixões na última viagem, ficou de fora e, na correria de ir pra cá e pra lá, acabamos não bebendo-o. Uma pena). Dali partimos para mais vinho no restaurante da casa, que infelizmente não nos surpreendeu e ficou abaixo da nossa expectativa. Tudo bem, nada como um dia (e um vinho) após o outro…
Planejamos curtir viagem de maneira econômica com alguns trechos de bike, outros de ônibus e, os mais distantes, de BusVitivinicola (que nem é tão barato e vale mais para conhecer o Valle do Uco) e taxi. Nossos únicos “exageros financeiros” seriam esses dois dias no Club Tapiz e o jantar no restaurante 1884, mas acabamos cedendo a mais um “gasto extra”: no segundo dia de Tapiz (por indicação certeira da atenciosa Monica), contratamos um motorista para ficar conosco entre 9h30 e 17h30 levando-nos a quatro vinícolas (sendo que três delas eu já havia reservado antecipadamente). Foi das melhores decisões da viagem e um dos melhores dias.
Na terça-feira então, no horário combinado, o motorista Claudio Moreno nos pegou para o nosso dia de beber vinho. Meu plano inicial era passar na lendária bodega de Carmelo Patti e beber um vinho com o próprio Carmelo, um enólogo por vocação e, mais do que isso, um grande personagem da cena vinícola local. Ele não pede reserva antecipada nem nada, é só chegar chegando, mas, na manhã seguinte a um feriado, demos com a cara na porta. E como tínhamos horário marcado nas vinícolas seguintes, achamos por bem deixar para encontrar Carmelo na próxima vez que voltarmos.
Esperamos cerca de 30 minutos, que passaram voando com as histórias que Claudio, um excelente guia, nos contava sobre Mendoza. Por exemplo: olhando o mapa da cidade nos dias anteriores, percebemos a quantidade de praças no centro, e Claudio nos explicou que elas foram construídas após o terremoto de 1861, que deixou mais de 4 mil mortos na cidade, visando ser uma área de escape para um possível terremoto futuro (o último marcante foi em 1985). Não só isso: a cidade é toda baixa (há poucos arranha-céus) visando a segurança da população. Claudio também nos contou curiosidades sobre os plátanos que embelezam a cidade no outono e da divisão de água em Mendoza, um bem raro e muito importante numa cidade que, dizem, tem mais de 1000 bodegas, entre outras coisas.
Nossa segunda (primeira na verdade) foi na bela Bodega Alta Vista. Se você fez um tour de vinho, os outros vão ser todos bem parecidos, com pequenas aulas sobre processos e barricas. A diferença é a parte histórica e, claro, os vinhos, que aqui surpreenderam: abrimos com um refrescante Alta Vista Premium Torrontes 2015, seguimos com um Alta Vista Atemporal Blend 2013 (um dos favoritos da viagem) e com um Alta Vista Terroir Selection Malbec 2014. Para fechar, o badalado Alta Vista Alto 2010 (75% Malbec 25% Cabernet Sauvignon), a estrela da casa, excelente.
Dali partimos para, segundo Mônica, da Tapiz, a bodega mais procurada por brasileiros no momento: El Enemigo, projeto pessoal de Alejandro Vigil (apelidado em uma reportagem do jornal Clarin como “O Messi dos vinhos”), enólogo chefe da renomada Catena Zapata, e de Adrianna Catena, filha mais nova do lendário Nicolás Catena (“Na época da crise, quando o país quebrou no final dos ano 90, e todo mundo teve que vender suas bodegas para os estrangeiros, Nicólas era o único que não vendia, mas sim comprava. Dizem que ele fez um pacto”, brincou o motorista). O plano era fazer o tour, degustar os vinhos e almoçar, mas acabamos (com a fome e com a sede) fazendo apenas as duas últimas, que foram a grande surpresa da viagem.
O local é um charme, o almoço foi absolutamente excelente (um costela divina – e enorme) e os vinhos, os melhores das duas semanas: escolhi uma sequencia mais simples e Lili ficou com a sequencia Premium (e, claro, depois alternamos). Experimentamos o El Enemigo Chardonnay, Malbec, Bonarda e os sensacionais Gran Blend, Gran Agrelo e Gran Gualtallary. Lili percebeu que o Gualtallary e o Agrelo têm a mesma composição de 85% Cabernet Franc e 15% de Malbec, mas são bem diferentes. Como o “O Messi dos vinhos” estava por ali, questionamos e, gentilmente, ele puxou uma cadeira e nos deu uma pequena aula sobre rabiscando no papel toalha:
A) A diferença de altitude das vinhas de cada garrafa: a plantação de Agrelo está a 930 metros acima do nível do mar e a de Tupungato, onde é produzida a uva do Gualtallary, 1470 metros. “A cada 100 metros diminui um 1 grau de temperatura”, explicou. Ou seja, as vinhas de Tupungato estão em uma região quase seis graus mais fria.
B) O solo de Agrelo é rico em cascalho, com um pouco de argila e de areia do fundo do mar (você sabia que boa parte dessa região estava encoberta pelo oceano? Assim que a Cordilheira se forma, parte da região de Maipú surge e, por isso, em algumas calicatas no lado de cá da Cordilheira é possível encontrar conchinhas do mar enterradas a bilhões de anos) enquanto o solo de Tupungato tem bastante cascalho e pedras.
C) A posição de cada uma das vinhas em relação ao sol.
Conclusão da aula: “Basicamente o que vocês sentem de diferença é sol, solo e temperatura”. E brincou: “Um amigo meu, enólogo em Bordeaux, me disse certa vez: se você plantar Malbec aqui, o resultado será Merlot. Porque o solo é mais importante que a varietal”. É o famoso Terroir…
Ps. Ao ir para o caixa pagar a conta, com Alejandro próximo, presenciamos a cena de um fã pedindo para o enólogo autografar a garrafa: “Você é um artista”, ele disse, e Alejandro, que deve estar acostumado com os elogios, minimizou o gracejo com gentileza (e eu e Lili nos arrependemos de não ter pegado uma garrafa e feito o mesmo)…
A equipe e o próprio Alejandro haviam nos servido de vinho mais duas ou três vezes e esse delicioso exagero prejudicou a terceira vinícola do dia: satisfeitos com o belo almoço e com a aula de vinhos, partimos para a renomada Lagarde. Lili já havia entregado os pontos, mas lá fomos nós para mais seis vinhos e um espumante: Lagarde Extra Brut, Guarda Chardonnay 2015, Primeiras Viñas 2013 Cabernet Sauvignon, Altas Cumbres Torrontes 2015 (<3 Torrontes), Merlot 2014, Collection Cabernet Franc 2013, um dos meus favoritos da sessão ao lado da estrela da casa, Henry 1 2012. Ufa! O tour foi interessante, mas já estávamos mais pra lá do que pra cá, então hora de voltar pra casa, feliz e vinhamente bêbado.
Após a extensa oferta de vinhos do dia, cabulamos a degustação do hotel à noite (eu só torço para que não tenha entrado um Black Tears na roda justamente nesse dia – ou melhor, torço para a felicidade dos presentes) e fomos arrumar as malas, pois no dia seguinte partiríamos para o trecho final da viagem: dois dias em San Rafael com direito a tour por canyons e mais vinho, e mais dois dias em Buenos Aires (ok, um e meio), que rendera os bares que completam os 11 locais para se beber cerveja artesanal na cidade, assim como a melhor carne de todo o passeio. Fica para o próximo post.
Turismo: Na rota das vinícolas argentinas (aqui)
maio 29, 2017 No Comments