Uma noite com PJ em San Francisco
São 20h40, e o show está atrasado 40 minutos. O público que esgotou os ingressos do charmoso Warfield, em São Francisco, começa a ecoar “PJ, PJ, PJ”, e de repente o grito se torna uníssono clamando pela presença da cantora. Ela surge virgem, de vestido longo branco, mas com bota de couro negro e um arranjo também negro nos cabelos. Sequer olha para a plateia, pega sua auto-harpa e começa a desfilar as canções desoladoras de “Let England Shake”.
A faixa título abre caminho no campo de batalha seguida de outras duas canções – “The Words That Maketh Murder” e “All & Everyone” – do excelente disco novo e dão o tom que será seguido durante 99% da noite: Polly Jean Harvey em silêncio entre as músicas, e partindo para o microfone não como se estivesse cantando, mas sim narrando desgraças. Chega a chocar a disparidade de público e artista. A plateia urra a cada número, feliz, mas as letras de “Let England Shake” não inspiram felicidade, mas realidade.
PJ segue seu caminho tortuoso sem prestar atenção as pessoas à sua frente, escoltada pelos cavaleiros Mick Harvey, John Parish e Jean-Marc Butty. Ela só larga a auto-harpa na quarta canção da noite, “The Guns Called Me Back Again”, b-side do single “The Words That Maketh Murder”. São 21 músicas no set list, sendo 13 do álbum novo (12 do disco mais um b-side), o que demonstra não só fé na qualidade do repertório de “Let England Shake”, mas também muita coragem.
A audiência, que parece ter aprovado o álbum, aplaude efusivamente cada canção, mas vai a loucura mesmo quando a cantora saca da escuridão alguma pérola empoeirada pelo tempo, como “The Devil” (“White Chalk”, 2007), “The Sky Lit Up” (“Is This Desire?”, 1998) e “Pocket Knife” (“Uh Huh Her”, 2004), mas, inevitavelmente, é a dobradinha matadora da parte final que faz o coração de boa parte dos presentes quase parar: “Down By the Water” e “C’mon Billy” (com PJ de harpa em punho) surgem redentoras, brilhantes, inesquecíveis.
Mais de 70 minutos se passam e a única coisa que o Warfield ouviu de PJ Harvey foram canções. E ela pesca mais três números de “Let England Shake” e fecha o show de forma emocionante, quase pastoral, com “The Colour of the Earth”, canção do ex-Bad Seeds Mick Harvey, que dueta com PJ de forma lírica. Nem um goodbye, nada. Ela apenas se curva para os 2300 presentes e leva suas botas negras em direção ao camarim. Fim do show.
O público não arreda o pé frente a frieza da cantora. Aplaude, urra, faz coro. Ela resiste. O público insiste, 2300 pessoas em pé, e, quase cinco minutos depois, PJ surge sorrindo e fala a primeira frase da noite: “Incrível. Vocês são campeões”. Apresenta a banda e retorna ao tempo em que, vestida de micro-saia preta e top, dizia que precisava de uma pistola. “Big Exit” surge intensa, escorada no riff cortante, abrindo caminho para “Angelene”, outro hit improvável.
O show termina em silêncio com… a apropriada “Silence”. A voz de PJ ecoa pela excelente acústica do Warfield – como se ela estivesse entoando um canto lírico – e a musa deixa o palco dizendo obrigado – pela primeira e única vez na noite – seguido de adeus. Leva consigo o coração de muita gente, e isso a reforça para a próxima batalha. Afinal, todo dia é uma guerra, e PJ sabe melhor do que ninguém disso. Esta noite, no Warfield, ela saiu vencedora. E nós também.
Set List
Let England Shake
The Words That Maketh Murder
All & Everyone
The Guns Called Me Back Again
Written on the Forehead
In the Dark Places
The Devil
The Sky Lit Up
The Glorious Land
The Last Living Rose
England
Pocket Knife
Bitter Branches
Down By the Water
C’mon Billy
Hanging in the Wire
On Battleship Hill
The Colour of the Earth
Bis
Big Exit
Angelene
Silence
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