texto por Renan Guerra
Co-produção de Argentina, França, Brasil e México, “Pornomelancolia” (2022) foi dirigido pelo argentino Manuel Abramovich e acompanha o dia a dia do mexicano Lalo Santos. Apesar de ser classificado como documentário, esse filme obscurece os limites entre documentário e ficção, ficcionalizando histórias pelas quais o próprio Lalo passou e intercalando com outros momentos ficcionais que foram criados artificialmente para o filme. E essa não-definição entre o que é real e o que é ficcional tem tudo a ver com a própria história que acompanhamos: Lalo começa a postar seus nudes no Twitter, aos poucos se vê ganhando público e decide participar da gravação de um filme pornô gay envolvendo o heroi mexicano Emiliano Zapata. Essa experiência na indústria pornô, bem como suas produções caseiras para a internet, são o ponto de partida para que o público acompanhe o dia a dia de solidão de Lalo em contraponto ao lifestyle que ele vende na internet.
Lalo Santos é um personagem real e foi realmente descoberto por Abramovich no Twitter. O diretor argentino se interessou pelo fato de que entre fotos nuas e vídeos de sexo, Lalo compartilhava em suas redes as suas opiniões sobre tópicos como o uso dos corpos na indústria pornô, a solidão do homem gay e a sua experiência de pessoa vivendo com HIV/AIDS. Além de Lalo, todos os outros atores pornôs do filme também são atores pornôs na vida real e “Pornomelancolia” é uma espécie de dois filmes em um, pois o filme que acompanhamos ser gravado na tela, o tal pornô com Zapata, é uma produção real da Meco Filmes, produtora mexicana de filmes pornôs gays.
É bastante interessante a extrutura que Abramovich dá ao seu filme: primeiro somos observadores solitários desse cotidiano de Lalo, depois somos inseridos em seus diálogos e trocas com seus colegas de profissão e, para além disso, somos mergulhados em diferentes formatações de tela: o filme ora está em seu tamanho normal, ora está em formato de tela de celular, com os stories, os posts e as DMs de Lalo servindo também a essa narrativa que é construída pelo filme. Lançado há poucos meses no Festival de San Sebastian, “Pornomelancolia” já traz em sua história certa carga de polêmica, pois o protagonista Lalo Santos se recusou a ir a esse lançamento e relatou seu desconforto com a própria experiência de produção do filme.
“Pornomelancolia” não é essencialmente um filme sobre a vida real de Lalo, porém ele faz uso de muitas experiências e vivências do ator e influencer. Em seu twitter, Lalo fez uma thread explicando que em muitos momentos do filme ele teve que reencenar passagens dolorosas de sua própria vida que envolvem sua intimidade familiar, seu status de saúde enquanto pessoa vivendo com HIV/AIDS e todas as suas experiências na indústria adulta. Ele considera que, em muitos momentos, se sentiu pressionado e, atualmente, acha que não foi a melhor saída participar de um filme que visa discutir a questão do sofrimento e da saúde mental desses profissionais sem que ele próprio tivesse algum auxílio profissional durante essa gravação. O ator acredita que a presença de um psicólogo ou terapeuta teria sido fundamental para que ele passasse por essa experiência da melhor forma.
Essas informações de Lalo são a parte do filme e são extremamente válidas, de todo modo, para quem apenas tem a experiência de assistir ao longa-metragem, o que filme passa é uma sensação de delicadeza, de um olhar cuidadoso com as pessoas que produzem conteúdo pornô na atualidade – isso pode não ter se reverberado nos bastidores do filme, mas ainda está muito latente na obra final. “Pornomelancolia” consegue passar de forma muito inteligente por tópicos como solidão, hedonismo, sexo como escape e as redes sociais como projeção dos nossos ideiais. Poderia se tornar um filme amargo ou duro demais, porém no final das contas esse é um belo filme sobre esses tempos de OnlyFans, twitters de pornografia e esse emaranhado de exibicionismo virtual. Lalo é um personagem fascinante e sua relação com a câmera é excepcional, sua forma de transmitir sensações pelo olhar encanta o espectador e faz de “Pornomelancolia” um retrato agridoce do nosso tempo.
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– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.