entrevista por Marcelo Costa
23 anos de banda no cenário underground brasileiro não é para qualquer um, e os mineiros da Pelos estão aí afiadíssimos para mostrar que duas décadas de rock podem render coisas belas, como o recém-lançado clipe para “Lágrimas Brancas”, primeiro single do vindouro quarto disco da banda, “Atlântico Corpo”, que chega em setembro. O clipe é mais uma parceria da Pelos com o elogiado cineasta Gabriel Martins, que também está prestes a invadir o cenário cultural brasileiro com seu novo filme, “Marte Um”, que estreia ainda em agosto.
“Gabriel Martins toca com três integrantes da Pelos em nossa outra banda, a Diplomatas”, revela o vocalista e guitarrista Robert Frank – a banda ainda conta com Heberte Almeida (guitarra e teclados), Kim Gomes (guitarra), Pablo Campos (bateria) e Thiago Pereira (baixo). ”Além disso, três integrantes da banda assinam a trilha sonora de ‘No Coração do Mundo’ (2019), um dos longas premiadíssimos dirigido por ele e Maurílio Martins”, completa. “Ficamos absolutamente emocionados”, diz Frank sobre o clipe. O lirismo melódico da canção ganha, no vídeo, um início impactante, que casa com o que a Pelos propõe no novo álbum, uma discussão sobre racialidade.
“Desde a criação da nossa outra banda, Diplomatas, sentimos essa necessidade maior de falar de forma mais direta sobre a identidade racial no nosso trabalho musical”, conta Robert. “Dado o contexto político atual, a necessidade de falar disso, de firmar o pé, demarcar território, se faz ainda mais forte”, explica, afirmando que tanto a canção e o clipe quanto o novo disco são a tradução da nova fase da Pelos, “uma banda majoritariamente preta fazendo um rock nascido no Aglomerado da Serra (maior conjunto de favelas de BH) há tanto tempo”. Assista ao clipe, leia o papo e fique atento: “Atlântico Corpo” logo mais estará entre nós!
O single “Lágrimas Brancas” ganhou um vídeo dirigido por Gabriel Martins, da produtora mineira Filmes de Plástico. Vocês já trabalharam com ele em outras oportunidades, e como foi desenvolver a ideia visual de “Lágrimas Brancas” agora? Como foi pra vocês verem o resultado final do clipe?
O trabalho com Gabriel Martins e os demais parceiros da Filmes de Plástico vem de longa data. Além de ter participado de alguns filmes da produtora como ator, ele dirigiu dois filmes da banda; um curta documental e outro onde tocamos ao vivo em estúdio. Além disso, três integrantes da banda assinam a trilha sonora de “No Coração do Mundo” (2019), um dos longas premiadíssimos da produtora, dirigido por ele e Maurílio Martins. Para o clipe de “Lágrimas Brancas” pensamos logo de cara no nome dele, tanto pela parceria de muito tempo quanto pelo tema da música, que é algo com que nos identificamos muito. Demos algumas poucas ideias dentro do que imaginávamos como possível estética. Em poucos dias o Gabito chegou com uma ideia geral de estética que nos empolgou muito. Alguns dias mais e ele nos trouxe o roteiro já todo decupado e nos deixou completamente empolgados com o desafio. Existia, desde a criação da música, a ideia de que ela poderia sim ser um clipe, ou ter uma ‘versão visual’, muito em função de sua letra e de seu discurso bem demarcado, direto e forte. Ver o resultado do clipe foi um daqueles momentos em que diálogos artísticos e criativos parecem chegar em um lugar comum muito incrível. Ficamos absolutamente emocionados com tudo e no fim, nos parece também uma celebração dessa longa parceria com um artista tão brilhante quanto o Gabito.
“Lágrimas Brancas” é o primeiro single de “Atlântico Corpo”, o novo disco de vocês. São seis anos desde “Paraíso Perdido nos Bolsos” (2016), o disco anterior. Como a banda passou esses quase 2200 dias? Vocês já estavam vivendo uma pandemia interna que, agora, com “Atlântico Corpo”, podemos considerar terminada? É uma nova fase para a Pelos?
Além da parceria no audiovisual, Gabriel Martins toca com três integrantes da Pelos em nossa outra banda, chamada Diplomatas. Um tempo depois da fase “Paraíso Perdido nos Bolsos”, depois de realizar a trilha sonora do longa “No Coração do Mundo”, acabamos nos dedicando um tempo à Diplomattas, essa banda de soul music que naquele momento fazia mais sentido pra gente, um tanto cansados do árduo caminho no cenário independente. O que acontece é que pouco antes da pandemia aprovamos um projeto na lei municipal de incentivo de BH para a celebração de 20 anos da Pelos. Deixamos o projeto em stand by até que a pandemia passasse. Um tempo depois aprovamos a gravação do disco na lei Aldir Blanc, o que nos deu o gás para retomar as atividades. Tanto o hiato, quanto os Diplomattas, a pandemia e a reflexão sobre nossos (agora) 23 anos de banda contribuíram para essa nova fase, que é a tradução da nossa caminhada enquanto uma banda majoritariamente preta fazendo um rock nascido no Aglomerado da Serra (maior conjunto de favelas de BH) há tanto tempo. Vivemos agora a fase que mais traduz nossa história. E acreditamos que o novo disco é parte disso.
“Lágrimas Brancas” e todo o novo álbum foi gravado no estúdio Ilha do Corvo e já adianta tematicamente e sonoramente um pouco do que “Atlântico Corpo” irá aprofundar: a racialidade. Como foi para vocês trabalhar com o Leo Marques? E como foi pensar a negritude e transformá-la em música e letra em um momento tão denso e tenso para a sociedade como um todo, mas mais ainda para sujeitos pretos?
Trabalhar com o Léo foi incrível. Ele é um cara que artisticamente já admirávamos muito, algo que só aumentou com suas contribuições pro disco. É um cara muito tranquilo de trabalhar e que embarcava em todas as ideias malucas que tínhamos, mesmo que depois não dessem certo (risos). O período de gravação na Ilha do Corvo, um lugar incrível, foi uma extensão muito feliz dos propósitos que queríamos com o disco, especialmente em sua dimensão sônica. Acreditamos que estar naquele espaço, gravar boa parte do disco ‘ao vivo’, tocando, foi fundamental para algo que buscamos desde o início, uma espécie de ambiência própria para aquelas novas composições, algo que inclusive ajudasse a estabelecer um caráter de obra, de narrativa alinhada, para o “Atlântico Corpo”.
Sobre a negritude: desde a criação da nossa outra banda, Diplomatas, sentimos essa necessidade maior de falar de forma mais direta sobre a identidade racial no nosso trabalho musical. É um dado e um discurso, que já aparecia anteriormente em nossos trabalhos, seja na Pelos, seja em nossos projetos pessoais, como o Negro Amor, do nosso guitarrista Heberte Almeida. Dado o contexto político atual, a necessidade de falar disso, de firmar o pé, demarcar território, se faz ainda mais forte. Em um momento em que temos que lidar com pessoas que condenam o rock enquanto veículo político de comunicação, essa temática se faz ainda mais necessária: encarar este lugar em suas contradições, apagamentos, transformações, foi um desafio que firmamos entre nós todos. O disco é também fruto de debates intensos: nasce também de uma imersão de isolamento em Casa Branca, na região de Brumadinho, região metropolitana de BH, onde além das costumeiras jams de composição trocamos muitas ideias sobre o que queríamos e o que era preciso discutir com esse disco. Muitas das canções são frutos diretos dessas conversas.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
Vida longa à Pelos! Admiração, respeito, encantamento se renovam a cada trabalho da banda. Que venha o necessário “Atlântico Corpo” e que o mundo esteja atento à sua potência!