entrevista por Pedro Salgado, de Lisboa
Natural de Lisboa, mas tendo residido nas cidades portuguesas de Santo André, Elvas e Lagos (onde começou a fazer música), Filipe Sambado desenvolveria um trabalho mais apurado quando regressou à capital portuguesa. A participação nas bandas Cochaise e Chibazqui, bem como algumas músicas e três EPs solo (entre os quais “Isto É Coisa Para Não Voltar a Acontecer”, de 2012) seriam passos importantes na sua afirmação. Em 2016, ele editaria o primeiro álbum (“Vida Salgada”), depois assinaria um contrato com o selo Valentim de Carvalho, por onde sairia o disco “Filipe Sambado & Os Acompanhantes de Luxo” (2018), registo pop psicodélico de travo popular que representaria o seu grande momento criativo.
O novo trabalho (“Revezo”, 2020), propõe uma recriação do folk português e uma exploração contínua da estética pop. Algo que Manuel Lourenço (co-produtor do disco) validou: “Nos três discos do Filipe existe uma ideia de ver até onde o pop e o lado visceral podem ir e, finalmente, encontrar essa linguagem nas nossas raízes musicais”. Uma das faixas peculiares do álbum atende pelo nome de “Paçoquinha Pra Novela”, marcada pela indolência e pela alusão romântica. “Eu comia muito esse snack com uma amiga enquanto assistíamos a seriados e novelas. A piada era essa, comer a paçoquinha para iniciar um romance noturno. O resto da canção descreve um desenlace amoroso e uma vontade de prolongar o dia para não ter de trabalhar na segunda-feira”, conta Filipe Sambado.
Recentemente, o músico lisboeta alcançou o terceiro lugar no Festival RTP da Canção 2020 com uma boa interpretação da música “Gerbera Amarela do Sul” (que integra o disco “Revezo”), algo que pegou Filipe de surpresa. “Fiquei surpreendido e contente por ter chegado à final, mas não tinha grandes espetativas”, explica. Como membro da nova geração que revitaliza a tradição musical portuguesa, Sambado ainda assim não está seguro de ser esse o caminho ideal para a internacionalização. “Só agora é que surgiram os primeiros incentivos para a exportação, mas a nossa dimensão é pequena. O Brasil poderia ser uma hipótese, mas é difícil entrar lá. O fado tem maior facilidade de penetração e as restantes sonoridades não tanto”, refere.
Quando o interrogo sobre os seus objetivos futuros, Filipe Sambado defende uma ideia de seguimento. “Gostaria de continuar fazendo música sem ter de arrumar outro trabalho. Vivo da música desde há um ano e se puder ganhar algo mais e ter filhos será melhor (risos)”, conclui. De Lisboa para o Brasil, Filipe Sambado conversou com o Scream & Yell. Confira:
Comparativamente ao álbum anterior, “Filipe Sambado & Os Acompanhantes de Luxo” (2018), o seu novo disco revela uma acalmia rítmica. O que o levou a substituir o pop psicodélico por um folk moderno?
Deveu-se à minha necessidade de procurar novos estímulos e encontrar um som mais inclusivo. O Lo-fi que eu fazia permitia esconder alguns defeitos, mas afastava-me do contato imediato com as palavras. Para além disso, buscava uma inscrição geográfica, não só temporal, que incluísse a tradição portuguesa e os autores portugueses ligados a essa corrente, para entender de que forma eu poderia adulterá-la gerando novas tradições no meu registro. No fundo, aproveitava esse lado estético, rompia-o e modernizava-o à minha maneira, como a geração de 60 e 70 tinha feito ao folclore tradicional.
Considero que a faixa “É tão Bom” representa o lado mais vibrante do álbum. Partilha desta opinião?
Sim! Existem dois extremos no disco. A faixa “Tusa Mole” é a mais despida e introduz o álbum e “É Tão Bom” é o ponto mais pop do trabalho e também o seu lado oposto. Ela é realmente a canção mais vibrante, faz sentido que esteja no repertório, mas se fosse o tema de apresentação do disco seria mais chocante para as pessoas que ouviriam o resto do álbum, porque a parte final não é assim. Enquanto “Jóia da Rotina” faz uma boa ponte entre os vários momentos do trabalho, cativa e unifica e foi escolhida como single.
O clipe de “Jóia da Rotina” apresenta-o de uma forma solta e irreverente. Considera-se um provocador?
Não! É apenas uma forma de eu me sentir bem na minha pele. Quando estou confortável arrisco mais e não tenho nenhum intuito em provocar ninguém. Acaba por ser um fator de normalização desses aspectos. Eu quero poder vestir-me assim sempre que me apetece e as pessoas sintam que o possa fazer.
Em “Revezo” você cantou dedicadamente as suas histórias pessoais. Prefere compor mais sobre a sua vida do que a dos outros?
Também canto histórias de pessoas que vibram em mim. Existe esse lado de observador narrativo. A maior parte das letras abordam experiências minhas e as outras referem-se a assuntos meus por via de terceiros. O tema “Mais Uma”, por exemplo, introduz aspetos que não são de todo pessoais, como é o caso do tom de pele, que não é o meu e evoca pessoas sem o mesmo tipo de oportunidades que eu tenho.
No seu trabalho existe uma vontade permanente de reinvenção e um respeito por correntes sonoras tradicionais. Sente-se mais próximo de António Variações ou de David Bowie?
Atualmente, sinto-me mais próximo de Zeca Afonso (risos). Mas, houve fases em que me encontrava ao redor do Bowie ou do Variações. O álbum “Vida Salgada” era muito na onda do Bowie, mas a ideia do Variações resultou de um press release para o selo Valentim de Carvalho. Eu gosto muito da música do António Variações, mas a sugestão veio da parte de um amigo, Pedro Duarte, ao qual eu mostrei o disco e ele escreveu um primeiro press release e criou uma série de estéticas e relações com esse lado. Tanto o Bowie como o Variações são referências minhas mas, no momento, sou muito mais ligado no Zeca Afonso. Aliás, neste disco, o Zeca e o Fausto dominam as preferências e ainda estou descobrindo a música de José Mário Branco.
Gostaria de deixar uma mensagem para os leitores do Scream & Yell?
Aproveitem para escutar a minha discografia toda (risos). E vão daqui uns abraços para o Marcelo Perdido que é meu amigo e do Manuel Lourenço (co-produtor do disco). Lembro que tenho uma grande admiração pelo Baden Powell, Vinicius, João Gilberto, Chico Buarque, Caetano Veloso, Secos & Molhados, Ney Matogrosso, Legião Urbana, Mutantes… A lista é grande. No caso da Legião, trata-se de um fenômeno mais contemporâneo, mas os outros são de uma geração que teve uma responsabilidade grande, lutou e se assemelha à nossa. Infelizmente, o que está chegando agora do Brasil, em termos de qualidade e pertinência, assenta em viver muito o anglosaxonismo (como nós também fazemos). Para mim, isso não tem interesse imediato, apenas como vibração. Eu fico cativado por estar bem feito e ser interessante, mas não está próximo do que estou fazendo. Se calhar, há dois anos, eu ficaria conquistado pela música do Tim Bernardes, mas agora é menos atrativa para mim. Por isso, aproximo-me muito mais do funk carioca, que está sendo feito agora nas favelas ou do funk queer. São correntes musicais que abordam problemas concretos, aproximam-se muito da palavra “resistência” e revelam-se mais interessantes.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.