Textos por Renan Guerra
“Adoráveis Mulheres”, de Greta Gerwig (2019)
“Little Women”, livro de Louisa May Alcott lançado em 1868 que no Brasil ganhou o título “Mulherzinhas”, já recebeu inúmeras adaptações para o teatro, a TV e o cinema, nesse último, por exemplo, são sete filmes já – inclui-se aí uma versão contemporânea da história em 2018 e a versão também chamada “Adoráveis Mulheres”, de 1994, protagonizada por Winona Ryder. Simone de Beavouir, Patti Smith e Elena Ferrante já falaram de seu amor pelo livro. Mesmo assim há questões que poderiam soar datadas em 2020, quando já parecia completamente desnecessária uma nova adaptação da história para o cinema. A surpresa é que Greta Gerwig nos conta essa saga familiar de forma nova, injetando ritmo, brincando com a temporalidade e nos provando de forma sincera que a história de Jo ainda é muito necessária e atual. Greta respeita as complexidades do livro e o universo em que foi escrito, sem ser anacrônica, entendendo a importância dessa história para o recorte a qual ela representa. Nesse sentido, é curioso que a diretora tenha sido ignorada na categoria de Melhor Direção do Oscar de 2020, já que quase todos os grandes méritos do filme vem das escolhas de Gerwig. Para além disso, ressaltam-se as atuações seguras e firmes de Florence Pugh, Laura Dern e Elzia Scalen, que criam uma cama coesa para que Saorsie Ronan (a protagonista Jo) mostre mais uma vez por que é uma das melhores atrizes de sua geração. Nesse embate de grandes estrelas, quem sai perdendo é Emma Watson (a eterna Hermione da saga “Harry Potter”), que parece apagada em uma atuação bastante mediana. De todo modo, o todo de “Adoráveis Mulheres” é um filme divertido, emocionante e do tipo que nos acalenta em carinho e encanto.
Nota: 8,5
“Joias Brutas”, de Ben Safdie e Josh Safdie (2019)
Lançado no Brasil pela Netflix, “Uncut Gems” (no original) pode assustar quem der play no filme apenas pelo nome de Adam Sandler no cartaz. Inesperado dentro da carreira do ator, o filme é um passo seguro dentro da obra dos irmão Ben e Josh Safdie, que lançaram o excelente “Bom Comportamento” em 2017 e que aqui expandem o universo alucinado de seus personagens. Ignorado pelo Oscar, Sandler é a grande força do filme ao alcançar uma atuação esplendorosa (que lembra sua parceria com Paul Thomas Anderson no ótimo “Embriagados de Amor”, 2002), dando conta de um personagem complexo e cheio de meandros. Howard (Sandler) é um vendedor de joias que tem contato com atletas e celebridades; entre negociatas, apostas e uma opala negra bruta, o personagem parece se perder em uma espiral complexa. O público é tragado por esse círculo em que Howard se mete, para isso seguimos uma câmera veloz, que mexe pra lá e pra cá, enquanto acompanhamos diálogos altos, com um monte de homens a levantar a voz e gritar como crianças birrentas. Além de Sandler, se destacam as atuações de LaKeith Stanfield (de “Desculpe te Incomodar” e “Corra”) e Idina Menzel (de “Frozen”) e a grande surpresa, a estreante Julia Fox, que domina a tela como a amante de Howard. Além de toda a gritaria dos personagens, o frenesi de “Joias Brutas” é completado pela trilha labiríntica de Daniel Lopatin (a.k.a. Oneohtrix Point Never), que amplifica a experiência do filme, levando-nos para lugares mais estranhos e inesperados. “Joias Brutas” é uma experiência poderosa para quem se deixa levar por Sandler e os irmãos Safdie, de todo modo, recomendamos que mantenha um chá calmante sempre à mão.
Nota: 9
“O Farol”, de Robert Eggers (2019)
“A Bruxa” (2015), estreia de Eggers na direção, era austero e elegante e colocou o nome do diretor no radar dos críticos e dos fãs de terror, por isso mesmo “The Lighthouse” (no original) era esperado com ansiedade. Esse novo filme opta por explorar outros caminhos, não menos instigantes, como a fantasia, o surreal e o grotesco. Para isso, Eggers conta com uma fotografia em preto e branco, com a tela quase quadrada, em formato 1.19:1, e com uma produção de som barulhenta, em que o som do farol, das ondas e dos cantos das sereias atordoam o espectador. Para completar essa construção, as figuras de Willem Dafoe e Robert Pattinson aparecem como dois personagens solitários e isolados no tal farol, criando assim relação necessária para que os embates e conflitos do filme se formem. Esse isolamento e essa relação forçada são o mote para que Eggers construa um filme que joga com o espectador: os limites do real se perdem dentro do filme, há momentos em que nos questionamos: isso é real? Essa história que ele está contando aconteceu dentro do arco desse personagem ou é uma alucinação? É como se nós mesmo fôssemos atordoados pela maresia que embrenha os dois homens. Nisso entramos em um tour de force maluco que envolve violência, sexo e medo. Robert Eggers cria um filme que dialoga com os momentos mais esquisitos de Ingmar Bergman, como em “A hora do lobo” (1968) e “Através de um espelho” (1961), casando surrealismo e psicanálise. “O Farol” acaba por burlar as barreiras dos gêneros cinematográficos e se transborda em um filme cheio de simbolismos que tateia questões como a loucura e a paixão.
Nota: 9
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.