entrevista por Leonardo Vinhas
Como músico e como entrevistado, Edu Meirelles vai direto ao assunto. No seu primeiro álbum solo, “Escambo” (lançando em 2017) e nesse papo com o Scream & Yell, não há firulas desnecessárias, clichês, ou tempo gasto em coisas secundárias. Edu sabe aonde quer chegar e vai sem atalhos, o que não quer dizer que lhe falte finesse.
“Escambo” é um disco que, desde os primeiros segundos, deixa claro sua referência setentista, sua estética musical próxima ao funk e ao soul que dignificavam as trilhas sonoras do cinema blaxploitation. Fiel a essa tradição, os arranjos são ricos, executados por uma agremiação flutuante e numerosa na qual figuram, entre outros, seus antigos companheiros da Pata de Elefante: o trombonista Júlio Rizzo (trombone), os guitarristas Daniel Mossmann e Gabriel Guedes, e o organista Luciano Leães. O outro ex-companheiro da Pata, Gustavo Telles, é seu parceiro em outro projeto, o Muralha Trio, que ainda conta com o tecladista Murilo Moura… que também toca em “Escambo”. O rapaz é um tipo gregário.
Instrumental, o trabalho de Edu é assumidamente pop e nada descartável. Embora com músicos de alto nível envolvidos, “Escambo” não soa como um trabalho “para músicos”, ou seja, o apuro técnico não suplanta o prazer da audição. O groove funciona tanto como trilha sonora para os filmes imaginados pela cabeça do ouvinte quanto como um mosaico instrumental que convida à repetição, à audição atenta. O disco completou recentemente um ano de vida, comemorado com uma versão remixada de “Vietcongas” pelas mãos de Nando Endres e DJ Anderson, parceiros de selo (Loop Discos) do músico. E também serviu de pretexto para o bate-papo que você vê a seguir.
Passado um ano de seu lançamento, como você olha para “Escambo”?
Como uma fotografia, um filme. Um registro do que estava vivendo na época. Foi um grande passo, me consumou como artista, me manteve ocupado e com esperança de seguir fazendo música. Me deu a oportunidade de trabalhar e aprender com grandes músicos. O disco é relativamente novo tem muito o que fazer Ainda, muito fruto pra colher desse pé de escambo.
Seu disco tem a influência marcante da música negra norte-americana dos anos 70 (de The Meters a Funkadelic), tem coisas que remetem à pegada de gente como João Donato e Marcos Valle, tem um tanto de soul… São referências ótimas, e todas fincadas no passado. Novas linguagens não te interessam como compositor?
O Lucio Brancatto, jornalista que escreveu o release, foi muito feliz nessa definição do meu disco: “a referência em trilhas de filmes Blaxploitation dos anos 70 é clara durante todo o disco, mas não pense que isso pode soar datado. (…) O balanço não se limita aos grandes mestres da música negra norte americana. Carrega junto nesta bagagem o swing brasileiro e todo seu amplo movimento de ritmos e cores”. Isso me representa muito! Eu tenho escutado bastante jazz, new jazz e hip hop, artistas como Brandon Coleman, Kamasi Washington, Thundercat, Ryan Porter, Anderson Paak e Childish Gambino são ótimos músicos, trouxeram muitas novidades em termos de composições e sonoridades.
Estive em Porto Alegre no ano passado, falei com músicos de diferentes estilos, e todos se queixaram da falta de espaços para tocar. Disseram que as casas noturnas já não pagam muita coisa, outras sequer abrem espaço para quem não seja cover. Queria saber a sua visão desse cenário, e aproveitar para perguntar como você explorou o disco nos palcos.
Desde que me conheço como músico, escuto essa história de falta de espaço, música autoral versus cover e cachês baixos. Nunca foi fácil ser um artista independente, isso não é pra quem quer brincar de ser músico. Isso é pra quem é de verdade e vive a história 24 horas por dia. Talvez falte um pouco de organização dos músicos, e eu me incluo nisso também, afinal somos músicos e não administradores. Mas hoje em dia não basta ser só músico, tem que gerir a tua carreira, compor, gravar, lançar, vender, enfim, tem que participar de todo o processo. Os shows são consequência dessa caminhada. Nesse um ano de disco, eu consegui tocar em diferentes lugares, fui de pubs e festivais até feiras e Oktoberfest. O disco foi bastante explorado nos palcos, fiz shows septeto, sexteto, quinteto, quarteto e ultimamente estamos fazendo de trio. Com o tempo e as necessidades tudo foi se ajeitando, as musicas são boas, tem groove, funcionam em qualquer formação.
Além do seu trabalho solo, você toca com o Muralha Trio. Como é esse projeto, conceitualmente?
Muralha Trio é um trio que faz música instrumental e com voz. Focamos em grooves dançantes e envolventes, misturando temas próprios e versões de músicas de ícones do soul e funk. Temos rodado bastante pelo interior e a ideia é gravar um disco ano que vem.
Em uma conversa anterior, você me disse que a Pata foi “a escola onde você aprendeu tudo”. Gostaria que você contasse que aprendizado foi esse, e como você vê esse retorno da banda às atividades.
Aprendizado profissional mesmo, com a Pata eu caí na estrada! Viajei para vários lugares do Brasil, tocamos em festivais, SESCs, viradas culturais, gravamos clipes, fizemos uma temporada em Buenos Aires. Tive a oportunidade de entrar em estúdio com eles, gravar um disco (“Julio Rizzo & Pata de Elefante”, de 2014) e assinar duas composições nele. Essa bagagem me deu confiança pra seguir compondo e gravar meu disco. Acho ótimo a Pata ter voltado, a música agradece (nota: a Pata terminou em 2013, voltou em 2016 com a formação original, mas não tardou a perder o baterista Gustavo Telles, que hoje se divide entre sua carreira solo e o Muralha Trio. A banda hoje é Gabriel Guedes e Daniel Mossmann tocando com bateristas convidados).
Fora do jazz, o baixista é uma figura pouco celebrada na música brasileira, mesmo com ótimos baixistas no país. O que te leva, então, a optar por este instrumento, e torná-lo a mola mestra da sua música?
Esse instrumento é o responsável por eu estar trabalhando com música, é a minha ferramenta de trabalho. Sempre digo que foi ele que me escolheu e me deu a oportunidade de poder fazer musica, gravar, pagar minhas contas, viajar por lugares que jamais imaginei conhecer.
“Escambo” foi lançado pela Loop Discos. Quanto foi importante ter um selo envolvido em todo o processo?
Foi muito importante, eles me deram e dão todo o suporte que preciso como artista. Abraçaram a minha causa, acreditaram na minha música. É uma grande felicidade ser um artista da Loop Discos.
Já existe um sucessor de “Escambo”, ao menos na sua cabeça?
Esse disco era pra ser duplo, porém por falta de grana, no meio do caminho chegamos a conclusão que seria melhor escolher nove musicas e guardar as outras para um segundo disco. Então tem material praticamente pronto para um segundo disco. Porém a ideia agora é trabalhar mais os singles, então é possível que eu vá disponibilizando essas músicas no decorrer do ano que vem.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.