Texto, fotos e vídeo por Bruno Capelas
O mundo da música (da indústria do entretenimento em geral, e isso inclui até mesmo os esportes) adora um grande ‘comeback’: o retorno de um artista que passou tempos no ostracismo, a despeito de seus primeiros sucessos, ou que nunca foi valorizado comercialmente, mas deixou sua marca na História. Há até quem tenha ficado mais poderoso depois do “comeback” – vale citar o caso de Johnny Cash, descoberto por uma nova geração a partir da série “American Recordings” promovida pelo produtor Rick Rubin.
No Brasil, a história não é diferente: um caso de sucesso foi a série de homenagens prestadas aos artistas considerados ‘bregas’ após a publicação do livro “Eu Não Sou Cachorro Não”, do historiador Paulo César de Araújo, que resgatou nomes como Waldick Soriano e Odair José. Na noite do último dia 19, um novo capítulo pode ter começado a ser escrito para a ex-mulher de Odair, Diana, que foi convidada pela cantora Bárbara Eugênia para revisitar no palco do SESC Pinheiros seu disco de 1972, “Diana”, produzido por ninguém menos que Raul Seixas.
A história parece até de filme: Bárbara Eugênia foi apresentada à obra de Diana pelo guitarrista Fernando Catatau (Cidadão Instigado) – a cantora se apaixonou pelo repertório setentista de tal maneira que acabou gravando “Porque Brigamos” em seu segundo disco, “É o Que Temos”, lançado no ano passado. “Sou muito fã da Diana desde que a ouvi pela primeira vez. Me identifico com a sonoridade, com as letras, com o jeito que ela cantava, tudo”, disse Bárbara em uma entrevista a este autor no ano passado.
Pouco depois de o álbum chegar ao mundo, Bárbara recebe em seu celular um SMS assinado por Diana, dizendo que adorou a regravação. A conversa continuou por alguns meses, até que o “anjo querubim” (como Diana chama Eugênia) convidou para a homenagem a veterana cantora, esquecida nos anos 70 após uma grande sequência de brigas com Odair, culminando numa “facada” (financeira, mas que passou para a história como física) e no divórcio em 1981 (ao que consta, o casal foi o quarto no País a conseguir separar-se legalmente).
O clima no SESC Pinheiros era de franca reverência: logo no começo da noite, Bárbara subiu ao palco acompanhada de sua banda de costume (Astronauta Pinguim nos teclados, Clayton Martin na bateria, Davi Bernardo na guitarra e o los pirata Jesus Sanchez no baixo) para cantar “Estou Completamente Apaixonada”, que também fechou o show.
Na sequência, o disco todo foi apresentado em sua ordem, com a participação especial de Karina Buhr e de Fernando Catatau ao longo da noite. Formado por uma mistura de versões de músicas italianas e americanas, vertidas para o português por gente como Rossini Pinto (de “Um Leão Está Solto Nas Ruas”, gravada por Roberto Carlos em 1964) e o próprio Raul Seixas, à época assinando como Raulzito, e canções autorais, o trabalho (e o repertório do show) deixava transparecer um romantismo e um afeto que são raramente vistos na música de hoje em dia.
À medida que o espetáculo ia correndo, a grande pergunta que se fazia é: “Por que esse repertório é interessante para alguém que vive os dias de hoje?”. Talvez por sua inocência e sua simplicidade ao solucionar casos de amor, com cenários idealistas e apaixonados à primeira vista, as canções de Diana encontrem interessados nos tempos de Lulus, clubes do Bolinha e “combinações” por oferecerem um ponto de vista descomplicado sobre o amor.
Era interessante, por exemplo, comparar a visão de Karina Buhr toda faceira cantando “Canção dos Namorados”, com a Karina Buhr autoral e maluca ao executar algumas de suas músicas mais conhecidas, como “Eu Menti Pra Você” ou “Não Me Ame Tanto”, em um perceptível descompasso entre épocas – mas que fortalecia a mensagem amorosa de Diana. Ou, como a própria disse ao subir ao palco. “Essa daqui é para os apaixonados. Não para os ficantes!”, para risos gerais da plateia.
Apesar de ser apenas a homenageada, Diana, como deveria ser de se esperar, acabou roubando a cena no teatro Paulo Autran. Ou melhor: conquistou o espaço que lhe foi dado, em interpretações que, deslocadas daquele espaço, poderiam soar exageradas, mas ganhavam força com gestuais, iluminação (um espetáculo à parte, deve-se dizer) e as guitarras potentes de Davi Bernardo e Catatau (com mais destaque para o primeiro que para o segundo).
Até a metade da noite, a apresentação vinha em ritmo morno-quase-quente, mas um crescendo transformou o que seria apenas uma boa lembrança no melhor show do ano até aqui. Apoiadas fortemente pelas guitarras de Davi Bernardo, que davam tom psicodélico ao iê-iê-iê de Diana, o trio “Fatalidade”, “Porque Brigamos” e “Ainda Queima a Esperança” – as três melhores canções de Diana, deve-se dizer – fez literalmente a plateia levantar, com grandes arroubos de palmas entre a segunda (marcada por um bonito discurso de Diana sobre… o amor a Deus, à música, aos livros e aos músicos) e a terceira, uma das músicas mais perfeitas para se mandar para quem partiu seu coração ao “comemorar” um ano de aniversário de um rompimento – mas quem estava de parabéns era mesmo Diana.
No bis, ainda houve tempo para “Foi Tudo Culpa do Amor” (escrita por Odair) e “A Música da Minha Vida”, com Karina e Bárbara servindo como verdadeiras Ronettes para Diana brilhar. Um grande show: tomando emprestadas as palavras de Odair, para fazer quem pensa que o mundo é quadrado deixar a vergonha de lado e achar que o amor ainda existe. Afinal, ainda queima a esperança.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista e assina o blog Pergunte ao Pop.
Três perguntas para:
– Show: Bárbara Eugênia e Selton em São Paulo, por Bruno Capelas (aqui)
– Três perguntas: Bárbara Eugenia -> São Paulo me fez cantar (aqui)
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