Entrevista: Kiko Dinucci

Texto por Paulo Fávari
Foto por Ariel Martini

A música de Kiko Dinucci é marcada pela narratividade. Quase sempre o que se ouve é uma história dessas que acontecem a torto e direito nas ruas paulistanas – com um toque de humor que lembra muito Adoniran Barbosa. Além do samba, igualmente marcantes na música de Kiko são os ritmos africanos, os arranjos em simbiose com as músicas e a crítica que elas trazem. Por vezes seu som remete a Tom Zé; em outras é impossível não associar a Itamar Assumpção. “Eu tenho uma ligação com o samba, mas pode ser tudo”, Kiko se define – ou confunde.

Na esteira dessa salada musical, Kiko vai trançando suas parcerias. Com Juçara Marçal gravou “Padê” (2009). A dupla virou trinca este ano, com a entrada de Thiago França para dar vida ao “Metá Metá” – que em língua ioruba significa três ao mesmo tempo. Em outra dupla, desta vez com Douglas Germano, produziu o Duo Moviola e seu até agora único álbum: “Retrato do Artista Quando Pede” (2009), que traz em faixa homônima um manifesto bem humorado sobre a cultura em São Paulo. Bando AfroMacarrônico, com dois álbuns, e “Na Boca dos Outros” (2010), coletânea feita com diversos intérpretes, fecham a produção de Kiko até aqui.

Muito para um artista ainda pouco conhecido? Pois ainda tem dois álbuns saindo do forno. O sambista participa já há algum tempo da banda base de Romulo Fróes, e agora os dois se juntaram a Rodrigo Campos e está previsto ainda para 2011 o lançamento do primeiro álbum do projeto Passo Torto [http://passotorto.com.br/]. O outro álbum que está na agulha é o primeiro autoral de Kiko Dinucci, “mas também não é um disco normal, então não vai adiantar muito (risos)”. O disco está sendo composto e terá músicas com letras de cerca de 140 caracteres sobre o cotidiano. Com vocês, o camalêonico Kiko Dinucci.

Sua música é marcada pela narrativa e pela crítica, com influências de Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini, Itamar Assumpção, entre outros. Mas como você definiria a sua música?
É um pouco de cada coisa: de música caipira, que eu ouvia quando era criança (por exemplo). Gosto muito de contar histórias de rua. Mas acho que, se for pra inventar um rótulo, é simplesmente música urbana de São Paulo. Por que urbana? Porque é ligado à rua. De São Paulo é tudo, até no jeito que boto pra fora. Tenho uma ligação com o samba, mas pode ser tudo. A estrutura inicial da minha música é o samba, mas posso fazer o que quiser com ele.

Tem uma coisa também desses compositores de São Paulo, que ao contrário dos do Rio ou da Bahia, que falam da natureza, dos pontos da cidade, os de São Paulo falam mal, ficam criticando. O Adoniran não tem um samba que homenageia São Paulo. Pros compositores paulistanos é sempre uma São Paulo que cresce com um monte de defeitos, com cortiços, sendo atropelada. Se for ver, São Paulo não tem um cartão postal. Eu até brinco (risos), falo que se eu fizer um samba falando de um cartão postal de São Paulo, eles demolem logo em seguida (risos). Eu comecei a sacar muito essa herança, que passou pra geração dos anos 80, com Itamar Assumpçao, Luiz Tatit e [Arrigo] Barnabé.

Como você faz parcerias?
Parceria não tem regra. É música de todo jeito. Às vezes faço a letra e o parceiro musica, as vezes é o contrário. Às vezes faço uma parte da letra e da música e depois a parceria faz o resto. Não consigo compor só de um jeito. Essa coisa da criação é um troço cheio de incerteza. Rola uns momentos de crise até em que fico meio desesperado, mas depois vêm algumas músicas. Mas fora a parceria de compor tem a parceria de tocar muito com os outros. Estou sempre tocando com pessoas muito diferentes. Esse mês vamos lançar Passo Torto, que é um álbum com o Romulo Fróes, o Rodrigo Campos e eu. A gente já toca há algum tempo, (até) fizemos alguns shows. O Fróes está gravando um disco novo em que toco na banda dele, ele toca cavaquinho no meu disco. É essa coisa. Parceria nasce muito com a amizade. É sempre com quem estou andando mais.

Nos seus outros álbuns você mais toca que canta. Por que? Você prefere compor a cantar?
Isso é mais uma coisa de parceria com a Juçara Marçal, com ela fico mais confortável. Mas no Na Boca dos Outros foi quase que uma regra [outros cantarem]. Às vezes o compositor tem vontade de ver os outros cantando suas músicas, mas até esperar acharem e cantar… então pensei: vou fazer um disco e eu mesmo chamo. “Cortes Curtos” vai ser meu disco de cantor, mas também não é um disco normal, então não vai adiantar muito (risos). Vai ser bem esquisito até porque não tenho certeza se é canção uma música com uma frase, que diabo é aquilo. O mercado tem muito disso: você tem de cantar e sua cara tem de estar na capa. Eu não penso muito isso não.

Como surgiu a ideia pro Cortes Curtos e quando ele será lançado?
Vai ser lançado ano que vem. Ainda estou compondo, estou pensando ele. Vai ser bem interessante. Vai ter uma bateria de lata, um baixo acústico e violão. São histórias contemporâneas da cidade. Por exemplo, tem uma música que discute o machismo no meio gay, de uma frase que ouvi de uma lésbica falando com outra mulher de um jeito muito machista. Teve também uma briga no supermercado Extra que assisti. Era um cara maltratando uma mulher porque ela era nordestina e ela maltratando ele porque era gay. E foi bem na época dos ataques a gays na (Avenida) Paulista, daquela coisa de ataques a nordestinos por skinheads também. É um reflexo do momento. Tem várias coisas que passam batido no nosso cotidiano. Um samba que fala da hora do almoço. Não sei se você já reparou, mas as pessoas quando estão no trabalho e vão almoçar, vão em grupo. Quando saem, saem bem devagarinho, ocupando a calçada inteira. Esse samba conta a história de um cara que não comeu ainda e sai atropelando todo mundo. Talvez o Adoniran escrevesse sobre isso.

E como funciona o aplicativo Bagagem?

A gente ia lançar o disco na internet – todos os meus discos estão na internet, eu autorizei. Mas às vezes você vê que o disco vem sem encarte, sem ficha técnica, coisa que o disco físico teria. Então o pessoal da banda Axial lançou esse programa que é bem leve, coisa de um mega, menos que uma música. Você o instala no computador e tem os álbuns para ouvir. Quando você clica, vai aparecer um player normal com um quadradinho com a imagem – a gente mandou artistas fazerem uma imagem para cada música. O programa busca essas imagens, o conteúdo de áudio, ficha técnica, fotos da internet e se você quiser joga numa pasta no computador. Pra gente foi legal porque é um diferencial lançar o disco no meio digital. A ideia é também dar preferência aos blogs, ao mundo virtual. Nós só mandamos fazer o CD [do “Meta Metá”] agora, cinco meses depois, no show de lançamento. Isso mostra que você não precisa mais mandar um CD para a fábrica para existir. Pros blogs é um prato cheio. Nós mandamos o material para eles: release, músicas, encarte… É muito mais honesto porque o cara do blog escreve porque está muito a fim. Eles começam a fazer barulho pela blogosfera e acaba chegando na mídia tradicional. Antigamente, o álbum mais conhecido era o do AfroMacarrônico (“Pastiche Nagô”, 2010), mas o “Meta Metá” foi o que teve mais repercussão. Foram mais de 30 mil downloads desde maio. Se eu fosse fabricar, não ia conseguir vender. Eu ia ficar com um monte de caixas aqui em casa, não ia conseguir me livrar deles nem se eu saísse distribuindo pelas ruas.

Vídeos
1 – “Rainha das Cabeças” – Kiko Danucci com Thiago França e Maurício Takara
2 – “Sambauba” – Kiko Danucci com DJ Makoto e Lurdez da Luz
3 – “Mariô” – Kiko Dinucci com Criolo, DJ Marco, Laura Lavieri, Antonio Loureiro e João Taubkin
4 – Programa Pelas Tabelas – Kiko Dinucci e Rodrigo Campos

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– Paulo Fávari (siga @PauloFavari) é estudante de Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da USP e assina o blog Meu Copo de Café

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