Por Murilo Basso
Fotos: Divulgação
É complicado determinar quando um artista atingiu sua maturidade, afinal são anos de referências sendo acumuladas e moldadas de acordo com seu estilo. Isso quando falamos de um artista solo. Imagine uma banda de quatro integrantes dividindo desejos musicais e lidando ainda com as necessidades do mercado e as exigências dos fãs cada vez mais numerosos.
Dentro desse cenário de poucas certezas e muitas apostas, o Ludov prova com “Caligrafia” que, se ainda não atingiu seu ponto mais alto, está no caminho certo. O terceiro álbum da carreira dos paulistanos conta com canções que flertam com estilos que vão desde o pop à MPB em arranjos singelos e letras diretas que sempre buscam valorizar o vocal marcante de Vanessa. É o disco mais direto do grupo e, por conseqüência, seu trabalho mais autoral.
Em conversa com o Scream & Yell, o guitarrista / baixista Habacuque Lima, comenta como foi o processo de concepção de “Caligrafia” (que está disponível para download no site oficial do Ludov: www.ludov.com.br) repensa as mudanças que ocorreram no decorrer da carreira da banda e conta os planos do grupo para 2010. Tudo isso e mais um pouco abaixo.
Como foi gravar “Caligrafia”?
Foi um processo bem interessante, principalmente porque não foi apenas gravar. Já tínhamos definido que iríamos experimentar um esquema de compor as músicas e sair gravando meio que ao mesmo tempo, em um período específico e separamos o mês de março para isso. Eu e Mauro (Motoki) somos sócios do Fabio Pinczowski em um estúdio chamado “12 Dólares”. A produção desse disco ficou sob nossa responsabilidade, então resolvemos fazer as gravações em um sítio a 40 km da capital, que usamos vez ou outra como segunda opção de estúdio. O fato é que esse sítio seria um local de isolamento para que as músicas fossem compostas, arranjadas e gravadas, tudo em um mês. Levamos todo o equipamento para lá e assim aconteceu. Chegamos com pouquíssimas músicas, algumas idéias e muita vontade de compor. Foi um período musical bastante intenso que acabou resultando em 19 músicas, que vieram todas pra São Paulo para serem mixadas e masterizadas.
Toda a situação do isolamento proporcionado pela chácara permitiu experimentar bastante as músicas, certo? De que forma isso ocorreu?
Sim, sim. Nós já tínhamos produzidos algumas coisas no sítio antes. Discos de outros artistas e discos do Liga Leve (projeto meu, do Mauro e do Fábio). Sabíamos que o sítio não tem telefone, televisão nem internet. Que o celular não pega 100%, que a comida tem que ser feita todo dia… Então fomos preparados para entrar de cabeça mesmo na produção, a começar pela composição das músicas. Acho que esse foi o maior experimento. Ir gravar um disco sem ter as músicas pode ser bastante angustiante para alguns, mas para nós, naquele momento, foi uma delícia poder se meter no meio do mato com um violão e compor. Enquanto alguns estavam compondo, outros já estavam gravando, testando sons, preparando o almoço ou tirando um cochilo na rede. O fato é que, em nenhum momento saíamos do disco. Em tudo o que fazíamos o disco estava lá, sendo inventado.
E o processo de seleção das 12 canções que compõe o formato físico, como ocorreu? Vocês gostaram do resultado? Soa exatamente como vocês queriam?
Foi bem diferente do “Disco Paralelo”. Nele combinamos que só iriam entrar as músicas que todos da banda escolhessem – seleção por unanimidade. Nesse fizemos uma votação direta, até por conta da quantidade de músicas produzidas (19 no total). As 12 mais votadas entraram no disco. Não é a seleção de músicas que eu queria, mas acho que não é a seleção de nenhum dos quatro. É o resultado do que parecia melhor para a banda. A ordem dessas músicas no disco foi escolhida de maneira semelhante. Ainda assim acabamos lançando as 19 músicas na internet, para download. Acho que elas todas representam melhor a caligrafia dos integrantes.
Se eu precisasse definir “Caligrafia” em uma palavra escolheria maturidade…
Pois é, quando lançamos o “Disco Paralelo” (2005) a palavra a que todos ligavam o disco também era maturidade. Acho que os discos, as músicas, refletem as pessoas que somos. Isso faz com que seja natural uma evolução musical; ao menos na concepção. Aceito muito bem a maturidade, desde que ela não designe um estágio final e estancado.
Também senti uma aproximação maior com música brasileira. Não que isso não ocorra nos trabalhos anteriores, mas em “Caligrafia” essa sensação é bem mais clara. Esse é um caminho a ser seguido?
Não acho que é um caminho a ser seguido, mas é um caminho que eu particularmente venho perseguindo há um bom tempo. Nesse disco nos demos muito mais liberdade de criar arranjos diferentes do que seria o normal em uma banda. O comum é que todo mundo toque um pouco o seu instrumento pra chegar ao arranjo final. Fizemos música com violão e percussão, com um monte de vozes, com cello. Nem sempre tinha bateria, nem sempre tinha guitarra. Acho que isso, aliado às canções, permitiu que o “lado brasileiro” ficasse mais evidente em algumas músicas.
Falar sobre influências sempre me pareceu extremamente complicado, já que é algo extremamente pessoal e você pode optar por escancará-las ou trabalhar de maneira mais contida, portanto, taxar uma banda como influenciada por artista ou gênero “x” soa meio contraditório. De qualquer forma, para você, o que influenciou “Caligrafia”?
A estada no sítio influenciou muito. O período da vida em que estava/estou também. Tenho encontrado bastante equilíbrio, conseguido lidar com sentimentos e frustrações que antes me abatiam muito mais. Isso tudo me ajudou a compor essas músicas. Outra grande influência foram os livros que levei para ler. Levei “A Filosofia da Caixa Preta”, do (Vilém) Flusser, de cujo prefácio tirei a frase “não me poupe”. Li “O Pintor de Batalhas”, de Arturo Pérez-Reverte, e também “O Último Round”, do (Júlio) Cortázar. Foram livros que continham várias idéias que estão presentes nas partes que escrevi do disco.
Por fim, fui muito influenciado por conversas que tive com o Pedro Ishikawa. Ele foi responsável pela parte gráfica do disco e desde o começo combinamos que ele nos visitaria no sítio com freqüência, para participar do processo, o que seria fundamental para a concepção visual daquilo tudo. O que aconteceu é que ele vinha com perguntas intrigantes, comentava as músicas, vinculava com o passado da banda, de maneira que eu conseguia depois das conversas vislumbrar algum futuro. E qualquer futuro já é o bastante para compor; assim como qualquer passado.
E como está sendo a repercussão do trabalho?
Acredito que o nosso público gostou bastante. Fizemos um disco com uma variedade musical e de sentimentos que acredito ter se encaixado bem com os anseios dos que gostam de música. Por outro lado, a crítica parece que não se envolveu muito. Pelo menos aqui (SP) não houve muita notícia sobre o lançamento e alguns jornalistas acharam que faltou direcionamento artístico. É claro que discordo. Esse é o nosso melhor disco já lançado. De certa forma, é bom ler essas críticas, quer dizer que estamos presentes nas vidas das pessoas, mesmo que seja incomodando-os ao ponto de terem que escrever algo.
Dá para dizer que o público do Ludov mudou consideravelmente desde “Dois a Rodar”?
Eu acredito que mudou naturalmente. Como era de se esperar. O “Dois a Rodar” foi lançado em 2003, seis anos atrás. Alguém que tinha 18 anos então hoje tem 24 para 25. É uma mudança muito grande na percepção de mundo de cada um. Por outro lado, acho que o público de 18 anos que nos ouve hoje não é realmente o mesmo grupinho que nos ouvia seis anos atrás. Fica claro isso? De qualquer maneira, acho isso muito natural. Afinal nós somos diferentes e estamos fazendo músicas diferentes das que fazíamos lá. Algumas pessoas nos acompanharam, muitas até, outras foram surgindo durante o processo, outras deixando de gostar. O importante é ser uma língua viva.
E quanto aos shows, como eles estão? E o que podemos esperar para o próximo ano?
Os shows estão indo super bem. Desde janeiro eu também toco com o Pullovers. Desse encontro tivemos a felicidade de conhecer o Bruno Serroni (baixista do Pullovers) que agora nos acompanha nos shows (do Ludov). O novo show do Ludov é bem mais complexo tecnicamente. Nem todo lugar tem estrutura para violão de aço, violão de nylon, violoncelo, teclado, quatro vozes… Coisas que estamos usando nos shows. Ainda estamos nos adaptando a uma casa ou outra, mas no geral tem dado muito certo apresentar essas novas músicas ao vivo. Lançamos um clipe há um mês e devemos em breve começar a produção de um novo. Mas a vontade mesmo é de fechar uma turnê maior pelo Brasil e viajar bastante, tocando em todas as cidades. Vamos ver se pra 2010 conseguimos isso.
Leia também:
– “Caligrafia”, o melhor disco do Ludov, por Marcelo Costa (aqui)
– Ludov ao vivo no Sesc Pompéia, por Marcelo Costa (aqui)
muito boa entrevista. consegui me indentificar com a maturidade da banda, assim como o habacuque disse, é como se eu acompanhasse a evolução com a própria vida. minhas preferências ficaram mais aguçadas e a banda conseguiu acompanhar isso com os álbuns. hoje com 24 anos me indentifico com ‘caligrafia’, e o mesmo aconteceu com os outros álbuns em outros anos.
O Ludov esteve em Nova Odessa, em julho desse ano, apresentando as músicas do Caligrafia (dosco que, a cada audição, torna-se mais e mais querido). O show foi sensacional. Semana passada, numa apresentação histórica (Ludov e Pullovers tocando numa mesma noite), o Ludov apresentou aquilo que, para mim, hoje o Brasil tem de melhor em sua música pop. Ao lado de Pullovers, Terminal Guadalupe, Pato Fu, Céu, Curumin, Romulo Fróes e uma porrada de outros artistas, o Ludov se configura como o que de melhor esse país tem pra apresentar nesses anos 2000 (um dos momentos mais ricos da música brasileira de todos os tempos).