"Pearl Jam", Pearl Jam
por
Helder Souza
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17/05/2006
Em quinze anos de carreira, o único "erro" do Pearl Jam foi ser "bom demais", beirando a perfeição, isso lá pelos idos de
1991, e mais precisamente até Vitalogy, terceiro disco do grupo, de 1994. Após uma bombástica triade de álbuns
(incluindo a estréia com Ten de 1991, e Vs. de 1993), a banda se acalmou no bom No Code (1996) e começou
a mostrar sinais de cansaço apenas em Yeld (1998), o início de uma decadência cujo ponto mais baixo foi exatamente o
último álbum de estúdio do grupo, Riot Act (2002). Intitulado apenas Pearl Jam, o primeiro álbum de inéditas da
turma de Eddie Vedder em quatro anos supera em qualidade o disco anterior, mas não é a sétima maravilha do mundo como a
crítica tem pintado por aí.
Tematicamente, Pearl Jam é um reflexo agressivo da realidade e insatisfação com o atual momento da política
norte-americana, tomado principalmente pela figura de Eddie Vedder, o carismático e engajado vocalista do grupo - famoso pelo
apoio efetivo a candidatos alternativos para a presidência dos EUA. Vedder têm por característica lutar por ideais liberais,
indo constantemente contra a ala conservadora da nação norte-americana, muitas vezes quebrando a cara. A reeleição de George
W. Bush foi apenas uma destas derrotas ideológicas, e refletiu consideravelmente no novo trabalho do grupo.
Já musicalmente, o novo disco pode ser comparado ao álbum Yeld. É o velho retorno às guitarras básicas, com riffs
distorcidos e clichês perpassando em várias faixas o punk rock. Vocais roucos relembram a linha seguida em Vitalogy,
mas as melodias são pobres, sem a virtuosidade do álbum de 1994. Pearl Jam parece um álbum feito para chocar, como é
declarado implicitamente em uma das entrevistas promocionais do disco - vinculada à MTV e divulgada na Internet um pouco
antes do lançamento – em que Vedder afirma o contentamento com o peso sonoro do novo álbum. O disco, porém, não alcança esse
intento, não choca.
A própria arte do produto parece construída para incomodar:
um abacate sobre um degrade azul, em três momentos diferenciados
pela presença ou não de polpa e caroço. Ironia básica, que ainda
destaca um caderninho decorado em suas páginas por letras sobre
um fundo de figuras ambíguas, cuja conotação remete a feições
humanas desfiguradas/suturadas. Algo parecido com a tentativa
da arte do álbum No Code e suas fotografias de objetos
triviais que evocavam outros objetos nojentos. Novamente uma
decadência. Comparada à arte dos álbuns anteriores, Pearl
Jam é uma decepção para quem aguardava algo magnífico.
Pearl Jam é uma decepção não só na arte e na parte musical, mas também porque 2006 parecia ser o ano do ressurgimento
da banda, após o pior álbum de sua carreira, Riot Act. É o primeiro passo do PJ fora do contrato-escravo com a Sony,
cumprido após o lançamento da coletânea dupla de raridades Lost Dogs, cuja obrigatoriedade de seu lançamento era parte
do pacto comercial com a antiga gravadora. O novo álbum ganhou lançamento pelo selo Monkey Wrench, sendo distribuído pela
mesma Sony do contrato anterior. Agora que a banda têm domínio sobre o que grava e lança, o material não cumpre a expectativa
de tudo aquilo que se esperava de um grupo com o nome que eles carregam. Pearl Jam é até um disco bom, mas fica
devendo em comparação com a discografia da banda.
É quase como uma longa viagem adolescente: começa rebelde, gritante,
feroz e vai se amaciando conforme as musicas vão passando. Como
numa fadiga após tanta energia desperdiçada, as musicas se acalmam,
se elaboram e a mensagem se torna matura, frustrada e sonhadora.
O álbum parte de um início gritado e cortante acompanhado de
um riff sujo, punk e repetitivo ("The whole world,... World
over. It's a worldwide suicide") até chegar a uma mensagem final
melódica, profunda e quase ingênua (“Let me run into the rain,
to shine a human light today. Life comes from within your heart
and desire”). Um "quê" de Vitalogy no ar.
O álbum começa com a voraz Life Wasted, uma canção orgânica e cruel, que relembra um pouco o ideal musical inicial do
grunge, da qual a banda fez parte no projeto Temple Of The Dog e no álbuns Ten e Vs. Este formato básico se
segue nas duas próximas músicas: World Wide Suicide e Comatose. Riffs grudentos e distorcidos acompanham um
refrão tão "grunge" quanto, que não salvam as duas canções de formarem o bloco fraco do álbum. Comatose chega a ser
uma catástrofe por sua falta de criatividade, com clichês tão prováveis e forçados que parecem implorar a mudança de faixa.
Severed Hand inicia com um efeito elaborado e prenuncia um acerto de contas com o apreciador do disco. Bem mais
complexa, relembra o clima do álbum No Code. A banda trabalha perfeitamente a melodia sem perder o peso da proposta
inicial. Marker In the Sand é mais um passo ascendente em qualidade e pode ser quase entendida como uma preparação
harmônica para a musica seguinte, Parachutes. As duas são canções virtuosas, embora tristes. Marker In The Sand
é mais pesada e pessimista, porém muito bem trabalhada. Parachutes, por sua vez, é a melhor canção do CD. Linda, quase
idílica/circense, traz uma virtuosidade que surge para aplacar o desânimo inicial do álbum. Segue Uneployable,
trazendo novamente as guitarras distorcidas, porém numa freqüência super aprazível, relembrando a sonoridade de Vs,
sem perder, novamente, o intuito agressivo da mensagem global do trabalho ("Yeah, so this life is sacrifice").
Big Wave, canção sucessora, é um retrocesso esperado. Afinal, um álbum de protesto não poderia terminar calminho. A
música destaca novamente a essência adolescente e clichê que relembra os antecessores do fenômeno grunge. Gone, a
próxima, engana com um tom acústico que explode num poderoso refrão ("I'm gone, long gone, this time I'm letting go of it
all"), a partir do qual a canção se alterna entre o calmo e o maciço. Relembra em muito o album Yeld, tendo como
seqüência uma canção curta e diferente de tudo o que havia sido demonstrado até então: Wasted Reprise, a pitada tímida
de foco experimental sempre contida nos trabalhos do Pearl Jam desde Vs..
Army Reserve relembra algumas canções do fraco Riot Act, com uma sonoridade atual e comercial que, no entanto,
não soa exagerada. Evoca em parte o Soundgarden, apesar de não ter o dedo de Matt Cameron na sua composição. Army
Reserve alia-se com Come Back e Inside Job na categoria de melhores canções do disco. A penúltima música
exibe uma calma e belíssima melodia, que por alguns segundos evoca - na voz de Eddie Vedder - a emoção contagiante de Janis
Joplin. Não contém grandes surpresas instrumentais a não ser uma pequena distorcida em seu epílogo. Serviria perfeitamente
para fechar o disco, que prossegue (felizmente) com Inside Job, uma maravilhosa e riquíssima canção, onde pode-se
perceber mais enfaticamente o trabalho do tecladista Boom Gaspar, havaiano amigo pessoal de Vedder que foi inserido na banda
a partir do álbum Riot Act.
Pearl Jam começa barulhento, tentando chocar, e termina de modo espetacular, afirmando uma progressão qualitativa em
um álbum cheio de altos e baixos, que não surpreende, mas também não deixa claramente a desejar. É superior à Riot
Act, mas não arranha o status clássico do início de carreira do grupo. Definitivamente, é um disco viril, engajado e
idealista. Mas também é um álbum de uma banda de quarentões que já há muito perceberam que nada mais resta além da simples
esperança, e que moicanos e guitarras quebradas não irão mudar o mundo. Musica é musica, e se é assim, que seja apenas boa. E
estamos diante de um bom disco, cheio de altos e baixos, mas um bom disco.
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Site Oficial
do Pearl Jam
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