"Los Hermanos 4"
por
Carlos Eduardo Lima
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07/08/2005
O quarto trabalho dos Los Hermanos não é um disco de rock. Também não é um
disco convencional de MPB. Podemos dizer que o quarto álbum da banda carioca é
algo mais ou menos único. Há um bom tempo não se ouvia algo tão novidadeiro
assim, com cara de coisa conhecida. Talvez tenha sido com o Bloco Do Eu
Sozinho, segundo disco deles mesmos, em 2001, que esta sensação me assaltou
pela derradeira vez.
Camelo, Amarante, Medina e Barba finalmente conseguiram traduzir com perfeição
algo que poucos artistas na história da música pop lograram êxito (ou tiveram
talento) em fazer: música do inconsciente coletivo. E o que diabos vem a ser
isso? Todo um tipo de música que nos vem à cabeça sem origem certa, nem autoria
definida, mas que atiça o cérebro com uma cosquinha, clamando por
esclarecimento, sempre movido pela pergunta: "quando eu ouvi isso? Isso me é
familiar". Longe de ser plágio, má administração de influências ou falta de
originalidade.
Os Hermanos conseguiram neste quarto trabalho atingir o objetivo
que se insinuava no Bloco, virou leitmotiv em Ventura (2003) - fazer música
dejá vu nunca vista. Sim, esta é uma frase pouco inspirada de uma música dos
Engenheiros do Hawai, cujo título escapuliu pela esquerda da página, mas que
define com exatidão satisfatória o que se ouve agora. É música de almoço de
domingo com a família com Coca Cola litro de vidro nos anos 70, música de amor
por alguém que nunca nos olhou nos anos 80 ou música de faculdade e tédio no
quarto nos anos 90. Talvez possa já ser música de porta de LAN house,
depois do fora via MSN, nos anos 00.
Los Hermanos 4 é rico em nuances, é lento, é anti-rádio, é bonito pacas, é
atemporal e pode ser clássico. Tudo depende da banda. É importante dizer que
poucas canções são para shows em lugares abertos. O grupo parece não se
preocupar com isso, deixando apenas O Vento no setor mais ou menos pulável.
E isso é um exagero. A música é solar, mas não é feliz. É arejada, influenciada
por coisas imemorais, desde Burt Bacharach até Stereolab, passando por Marcos
Valle e outros bossanovistas subestimados.
Mas, claro que as doze canções
formam um pequeno e involuntário conceito, que as une e as faz soar quase
descabidas quando comparadas a alguns clássicos como Sentimental ou
Do Sétimo
Andar. Nem se comparam com Anna Júlia ou Primavera, apesar
de todas as
composições da banda conterem traço próprio, que alguns poderiam chamar
de "estilo" ou "marca registrada". Outros chamariam de qualquer
coisa, mas
alguém com menos de vinte anos em 1998 (quando o primeiro disco da banda foi
lançado) que cantava "primavera chegou e com ela meu amor", só poderia
cantar,
sete anos depois, alguma coisa como "é de lágrima que faço um mar pra navegar,
vamos lá, eu não vi o final, sei que o daqui teimou de vir". Afinal, quer
queiram ou não, é a mesma banda.
A sofisticação de Dois Barcos e Fez-Se Mar já as torna mais complexas
que toda a
produção pop nacional em 2004/2005. A primeira chega a lembrar o minimalismo de
músicas como Cais, de Milton Nascimento e Ronaldo Basots, presente no Clube
da Esquina, o disco. Por trás desse parentesco musical há um motivo simples
demais: os Hermanos são os únicos músicos talentosos o bastante para perceber
que não há boa canção sem bom arranjo. E eles passam dias burilando
intervenções de metais, teclados e timbres, com o auxílio de Kassin, que
poderia ser chamado de "quinto hermano", na produção, posto que é dele desde
2001. A coisa sai redonda e justa. Integrante de uma galera carioca que busca
na tradição esquecida da MPB dos anos 50 e 60, visando sempre o upgrade XXI
para essa sonoridade, Kassin cai como uma luva nas empreitadas dos rapazes e
tem papel decisivo, desde o Bloco Do Eu Sozinho. Pode-se dizer que ele funciona
como um tradutor das composições subjetivas de Camelo e Amarante para os 48
canais da mesa do estúdio.
A poesia séria de uma canção como Condicional, contradita por um inocente
solo de Casiotone é um exemplo de como a música dos Hermanos é instigante. "Eu
sei como é doce te amar, o amargo é querer-te pra mim", frase definitiva de
quase todos os relacionamentos amorosos do ser humano, que sai da garganta de
Rodrigo Amarante como um dardo. Pouco depois uma pequena coda de guitarras dá
fim aos trabalhos. E isso é só um exemplo. O disco é pleno de momentos
marcantes, contraditórios, capazes de nos fazer lembrar de párias da música
brasileira, de Guilherme Arantes a Oswaldo Montenegro, passando por mestres
como Chico Buarque e Tom Jobim e até por movimentos inteiros, como o Clube Da
Esquina.
Com participação de músicos como Jota Moraes, tocando vibrafone em Sapato
Novo e Stephane San Juan, nas percussões de Paquetá e Catatau nas
guitarras
em Fez-Se Mar, além do proprio Kassin no baixo, todos só contribuindo para a
liga entre as canções ficar mais saborosa e forte, Los Hermanos 4 é um disco
que não tem paralelos com o que é feito no Brasil hoje em dia.
Leia
também:
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Entrevista Los Hermanos 2003, por Martin Fernandez
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Site Oficial do Los
Hermanos
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