'Santos Zumbi Hip Hop'
por André Azenha
Fotos - André Azenha
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12/12/2005

O Sesc de Santos teve a oportunidade de receber nos dias 19 e 20 de novembro o Santos Zumbi Hip Hop, festival que contou com nomes como Black Alien, De Leve, B Negão, Xis, Rappin Hood, Záfrica Brasil, Mamelo Sound System, Radiola Santa Rosa, Discípulos do Ritmo, Parteum, os norte-americanos do Aesop Rock, entre outros. O evento fez parte das comemorações da Semana da Consciência Negra (justíssima por sinal, e seu significado deveria ser estendido durante todo o ano, pois o racismo existe sim nesse país, às vezes de forma velada, mas existe).

Zumbi (cujo significado do nome é "guerreiro"), só para lembrar, foi o cara que cresceu e liderou o Quilombo dos Palmares, no século XVI, contra as agressões de holandeses e portugueses. Acabou morto e mutilado em uma emboscada, se tornando um mártir da luta contra a escravidão e o preconceito. E nada mais apropriado que um festival com o nome dele para celebrar a batalha pelo fim do racismo.

Os shows, realizados no ginásio do clube, contaram com uma excelente estrutura de palco, ótimo som, bebida barata, o que resultou em um encontro de pessoas em busca de paz e diversão. Poderia citar as diferentes tribos presentes, como fãs de rap, hippies, negros, brancos, loiras, descendentes de orientais, ruivas; enfim, gente de todo o tipo. Mas para escrever sobre algo que buscou a união, o melhor é apenas falar de gente, isso mesmo: gente, seres humanos, todos iguais, desencanados, uns sem camisa, de chinelo, outros não, diferentes, mas iguais (lembrando citação do senhor Miyagi em Karatê Kid). Todos a procura de diversão, música ou mensagens bacanas. O mundo já anda louco pra cacete, dividido demais. Até em assuntos que deveriam servir para divertir e unir como o esporte (leia-se: torcidas de futebol) e religião, acaba-se morrendo! Assim sendo, a música não pode servir para isso. Então vamos falar de música.

Sábado - 19/11
O festival estava programado para começar às 14h. Ao chegar ao ginásio, a surpresa. Uma baita estrutura com um grande palco com uma parede para grafiteiros deitarem e rolarem durante as apresentações. Por volta das 14h30, MC Max B.O. & Dj Marco (de SP) começam a aquecer as poucas pessoas presentes com batidas e rimas fortes. Seguidos por Die Hard Crew e a dupla revelação do Guarujá, Radiola Santa Rosa, que mandou bem, fugindo do hip hop conservador com seu som influenciado pela Tropicália e citações de cinema. Os primeiros shows não passaram de meia hora, mas serviram para divertir o pessoal que chegava aos poucos. Nos intervalos, algo para festejar: soul music, funk, Tim Maia, Motown e rodas de break. Tudo na maior curtição.

As 17h, os caras do Projeto Manada (SP) invadiram o palco fazendo a festa de um público maior. Záfrica Brasil entrou na seqüência para comandar o espetáculo. Mãos para cima, palmas batendo e muitos sorrisos. A atração gringa do festival surge em cena lá pelas 19h. Os nova-iorquinos do Aesop Rock fazem o hip hop típico da cidade, gesticulando, mandando ver nas gírias e tentativas de agitar a galera. Um dos problemas desse gênero musical, para quem não está acostumado ou não é fã, é que ele pode soar repetitivo em alguns momentos, quando as batidas seguem a mesma linha, como a dos americanos. A saída procurada por alguns artistas é buscar influências que diversifiquem sua música em outros estilos. Uns seguem a linha do discurso social, outros dos " manos" e " minas" e há os que misturam tudo. Nesse momento o público presente já era o máximo do dia, em boa quantidade, mas não chegou a lotar o ginásio.

O ex-Planet Hemp Black Alien (de Niterói), ancorado por um DJ e sua pick-up, assumiu o microfone para mandar sua sucessão de discursos sociais e sons românticos. E a galera cantou junto! No repertório, o single que leva nome do seu disco Babylon By Gus (executado duas vezes) com letra que diz: "Babylon by Gus / meus amigos são os mesmos eles fazem jus / A justiça dos homens perdeu um ônibus". Das românticas (o bom som fez com que fosse possível prestar atenção nas letras) destaque para Como Eu Te Quero, simples, que fala da beleza do cotidiano de uma relação ("É na sincera / meu coração bate, tipo, acelera /Quando isso acontece é quando eu sei que é à vera / Que já era, que a coisa é séria / Eu te amo além da matéria / Inverno agora, depois primavera / Chove lá fora e o bebê que você espera / Black Alien, meu bem, é o pai do neném / Então venha meu bem"). Observando as duas músicas, algo que acontece bastante no hip hop nacional: as autocitações e referências à Babilônia, provenientes do reggae, outro estilo que apareceria nesse fim de semana. E o rapper continuou com Estilo do Gueto, Caminhos do Destino e outras que finalizaram a melhor apresentação do dia, em pouco mais de uma hora, sem precisar ficar gesticulando, só na dele, no centro do palco.

Para fechar o sábado, o paulistano Xis entrou no palco às 21h. Ele é o cara dos "manos" e das "minas". Um diferencial de seu show é a presença de baixo e guitarra na formação. Ele manda ver em gestos e conversa com o público. Em uma de suas primeiras frases dirigidas à massa, ele pergunta sobre quem torce pra quem. Xis é corintiano. E lembrando o início do texto, sobre a união, não rolaram vaias quando os corintianos berraram, assim como santistas, palmeirenses e são-paulinos. O objetivo ali era se divertir. E seguiram-se Us Mano e As Mina, Sonho Meu, Perigo e assim por diante. Hip Hop influenciado pelo norte-americano e com ginga brasileira. Uma horinha de show e fim de noite.

Domingo - 20/11
MC Akin e Dj Retarda (SP) dão início às apresentações no domingão. Tudo no mesmo esquema. As primeiras apresentações são curtas. E assim seguem Discípulos do Ritmo e Parteum (ambos de SP) fazendo sets de 15 minutos cada. Tudo nos conformes. Público um pouco maior que o dia anterior, chegando com calma.

Perto das 17h chega a vez de um dos caras mais interessantes do cenário hip hop brasileiro. O rapper De Leve (de Niterói) chega para apresentar suas músicas ácidas e irônicas. Quando entrevistado, ele não poupa palavras para desancar ídolos da música brasileira. No palco, manda bem com pérolas como Menstruação (Do impagável refrão: "Mestruação! A gente carrega esse fardo!" / Comer vocês assim é igual galinha ao molho pardo"). Uma das melhores performances do evento. Vale ir atrás do som do cara. Pena que ele teve apenas direito a meia hora para apresentar as músicas do elogiado álbum O Estilo Foda-Se.

Mais pra frente, é a vez do Mamelo Sound System. Rotulados por alguns de indie hip hop, os caras fazem hip hop com toques de sons jamaiscanos e jazz. E botaram todo o mundo pra dançar. Ponto pra eles com outro show bacana. Com a chegada da noite, às 19h, repeteco com o Aesop Rock. Dessa vez, o público - já apresentado aos caras na noite anterior - curtiu mais o show. E dá-lhe gírias e gestos. Hip hop americano de NY é assim mesmo, falou mother fuc...!

Mais uma hora se passa e um dos artistas mais aguardados do evento - e também outro ex-Planet Hemp - surge para quebrar tudo. B Negão e os seus Seletores de Freqüência comparecem arrebentando. Bateria, baixo, duas guitarras, trompete e um MC acompanham a fera. Em seu set list, músicas com toque de latinidade, dub, passagens instrumentais quase que psicodélicas e até hardcore. E claro, não faltaram rap e hip hop. A voz de B Negão é potente e ele sabe como usá-la, variando entre falas cantadas e urros. Boa parte das suas músicas fala de discurso social. Perto do fim do espetáculo ele joga uma camisa (estavam sendo comercializadas camisetas dele por R$ 10) para o povo. Pede para o pessoal se respeitar, tomar cuidado com a polícia (outro fator que se repetiu durante o Santos Zumbi Hip Hop várias vezes) e diz que o preço dos CDs nas lojas é um crime, por isso o disco dele pode ser baixado por completo em seus site. O melhor show do dia.

O gran finale desses dois dias de comemoração da cultura negra ficou a cargo de Rappin Hood. Show ok, com momentos bacanas. Representante da periferia, ele faz a alegria dos presentes com seu rap também influenciado pelo norte-americano, mas que fala da realidade das periferias brasileiras com músicas como Us Guerreiro, Sou Negrão e Rap o Som da Paz. Às 22h30 fim de conversa.

Foram dois dias bacanas, de homenagens, muita black music e um merecido reconhecimento de uma raça que já sofreu o bastante. Só para lembrar, o rock é descendente direto do blues, estilo originalmente tocado por negros. E os outros estilos musicais que apareceram durante esse sábado e domingo - como o dub e o reggae - também. O público pode se divertir em paz, conhecer gente diferente, ouvir um som e tudo na faixa! Um belo presente. O hip hop é um som predominantemente norte-americano, mas serve para representar a periferia brasileira com muita propriedade. E merece ir além dos guetos. E consegue, como os Racionais MCs já provaram ao vender mais de 500 mil cópias de seu álbum Sobrevivendo No Inferno, feito de forma totalmente independente. Acima de rótulos e diferenças, o importante é ficar em paz e se divertir. Pode ser clichê, mas é o que o pessoal sentiu no Sesc nesse fim de semana. E tudo correu bem.


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