O Estilo Foda-Se - De Leve
por Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
10/08/2004

Esse disco ficou uns cinco meses na pilha dos CDs que eu precisava ouvir, em casa. E iria ficar lá se o jornalista (e amigo) Marco Antônio Bart não tivesse comentado, em alguma lista do Orkut, que o disco era bom. Meio desconfiado, com um elefante atrás da orelha, tirei a poeira da capa e embarquei no mundo hilário de Ramon Moreno, o De Leve. A primeira música é bacana, penso eu. Ele não deve manter o pique, duvido. A segunda é ainda melhor. A terceira me faz chorar de rir. Na quarta eu me rendo: De Leve é foda.

O disco começa, e para desespero dos donos de gravadora, avisa: "Tomba Records, 2002, apresenta a parada mais mal-feita do ano. É da Internet, pode baixar, é grátis". É Pra Bombar No Seu Estéreo, a tal música que detona metade do showbizz brasileiro ao som de Miami Bass, sem dó nem critério. "Tire o CD do KLB, da Sandy demodê. Não empreste Jota Quest, é pop, aperte stop. Torça contra / É o Tchan roí meu bom senso que nem lontra / Carlinhos Brown manda mal / Zeca Baleiro é presepeiro". Ainda sobra para a "levadinha gay" do Jorge Vercilo, para DJ Patife, Max de Castro e o Ministro Gilberto Gil.

Sem Neurose é, em apenas uma palavra, sensacional. De Leve usa o reggae e o dub para dizer que não quer ser como as pessoas que estão na capa da revista Caras. Ele quer pouca coisa: "Eu quero gatinhas raspadinhas, safadinhas, sem calcinhas, sem silicone, sem sutiã de alcinhas, que esqueça a dor de cabeça quando estivermos só nós dois no quarto, que não esqueça que é só hoje e eu não vou ficar até o parto". O refrão mata a pau: "É cruel (ouvir a verdade sobre o que a gente pensa). Não vale um real ('Ces devem achar que não compensa) Ninguém quer véu (Sogro, sogra e Padre dando bença) Quero é motel (Sexo é vício e vício é doença) É cruel". O machismo continua reinando no meio da música. "Bissexualidade vai ser a coisa mais normal daqui há algum tempo. Tô fora, mas se trouxer a amiga, tô dentro".

A faixa três, Caipirima Man, coloca o Miami Bass na ordem do dia novamente, com toques suaves de jazz (?). "Se a menina está acuada e ao lado não tem ninguém, chame o caipirinha man, caipirinha man. Se acabou a dose de uisque e não tem mais nota de cem, chame o caipirinha man, caipirinha man", diz a letra da música que deveria ser hino daqueles que estão bebendo há "duas semanas seguidas socialmente".

A singela Menstruação é, com certeza, o relato mais hilariamente cruel da visita que as mulheres recebem todo mês. O refrão, que conta com a voz suave de Adriana Góes repetindo "Menstruação, a gente carrega esse fardo", conclui: "Comer vocês assim é igual galinha ao molho pardo". Sem palavras. Em É Ming!, De Leve tenta cravar uma nova gíria: "Anda de carro zero, tem olho azul, fez faculdade: É Ming! Sua irmã não canta rap, sua irmã é gata, você debocha: É Ming! Tem casa com piscina, clipe na MTV, contrato com gravadora: É Ming!". Já em Essa é Pros Amigos, o samba é a bola da vez.

Em Rapper de Mentira, De Leve provoca: "Não faço rap pra rapper, nem rima pra repentista, nem me visto pra catálogo de loja que aparece na revista". O release, escrito pelo próprio, tenta colocar mais lenha na fogueira: "Eu não faço rap como americano onde os caras andam cheios de correntes de platina no pescoço. Também não uso arma, nunca peguei em uma. Também não é um rap como o brasileiro, que tem um discurso sempre parecido, periférico, pseudo-revolucionário e muita vezes ambíguo. Eu falo do dia-a-dia de um garoto classe média que anda de chinelo e bermuda pela cidade onde nasceu e não se importa muito com rótulos".

Posso estar redondamente enganado, mas O Estilo Foda-Se soa como a versão 2003 do disco de estréia de Gabriel o Pensador, de 1993, que trazia Tô Feliz - Matei o Presidente, Lôraburra e Retrato de Um Playboy. A comparação tem requintes de elogio. Os dois são rappers brancos, de classe média e usam a palavra como veículo para ironizar o mundo. De Leve, porém, parece ter menos preocupação com foco e mais tesão pela diversão (e pelas mulheres). Fica a torcida para que daqui há dez anos, De Leve não tenha a moral tão avariada quanto Gabriel. A estréia promete.

Ps. Além das sete músicas novas, O Estilo Foda-Se ainda traz, como bônus, o EP Introduzindo De Leve, com as sete primeiras músicas do rapper. Para ouvir, rir e cantar com os amigos.